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Comportamento

Em clínica da Capital, plástico separa abraço de familiares em idosos

Clínica de repouso para idosos inventou uma proteção de plástico para possibilitar o abraço entre idosos e familiares

Lucas Mamédio | 10/06/2020 06:52
Geraldo abraça a mãe, dona Coca (Foto: Silas Lima)
Geraldo abraça a mãe, dona Coca (Foto: Silas Lima)

“Só ficou eu ele no mundo”, é o que diz Deizi Faria Bento, de 60 anos, durante visita ao irmão na clínica de repouso Angeluz, na Vila Taveirópolis, em Campo Grande. Carlos Celso de Carvalho Farias, de 67 anos, está há pouco mais de um ano na instituição.

A máscara azul que Deizi usa está manchada debaixo dos olhos, são as lágrimas que escorrem enquanto lembra que ficou 90 dias sem poder abraçar seu único familiar de sangue vivo.

Para tentar aliviar esse ímpeto que temos de tocar quem amamos, a equipe da clínica criou uma engenhoca de plástico do bem, que possibilita o abraço entre os visitantes e os idosos que vivem no local.

Deizi e o irmão, Celso, se abraçam depois de 90 dias (Foto: Silas Lima)
Deizi e o irmão, Celso, se abraçam depois de 90 dias (Foto: Silas Lima)

“Desde que a pandemia começou, não estávamos deixando eles terem visitas próximas, era tudo pelo portão, sem tocar. Mudamos muito nossa rotina aqui. Aí nesse fim de semana fizemos essa proteção de plástico, que dá pra colocar os braços e dar um abraço sem que haja o toque direto”, explica a enfermeira responsável, Laurigia Dantas.

A proteção consiste em uma cortina de plástico com dois pequenos “tubos”, também de plástico, onde o visitante encaixa os braços. Logo abaixo desses “tubos” existem dois buracos onde o idoso, depois de vestir uma outra proteção de plástico na parte frente do corpo, coloca seus braços, possibilitando assim o tão desejado gesto de afeto.

Enquanto Deizi aperta Carlos de novo para despedida e depois passa a mão em sua cabeça, ele só pensa na pulseira do relógio que estragou e pede que ela veja para arrumar. “Você viu, ele é que nem criança”.

Pouco tempo depois chega Geraldo José Stringhetta, de 55 anos, para visitar sua mãe, Maria Fernandes Stringuetta, de 90 anos. Maria é o que está nos documentos oficiais de identificação; dona Coca é nome que está no coração de quem a conhece.

Proteção foi criada pelos funcionários da clínica, antes o contato era só de longe, pelo portão (Foto: Silas Lima)
Proteção foi criada pelos funcionários da clínica, antes o contato era só de longe, pelo portão (Foto: Silas Lima)

“Minha véinha tá bonita hoje”, diz Geraldo enquanto higieniza a mão antes de abraçá-la. Ao que ela reponde: “é que vou casar de novo”, e todos riem.

Bem-humorado, enquanto coloca a mão na proteção, Geraldo brinca. “Vamos mãezinha, pra lua”, tirando sarro da roupa que ela veste para devolver o abraço.

Dona Coca senta numa cadeira colocada atrás do plástico, enquanto Geraldo fica do outro lado conversando com ela. São tempos complicados para quem estava acostumado a passear com a mãe toda semana, passar dois, três dias na chácara família.

Laurigia é a reponsável por organizar as visitas e cuidar para que os abraços sigam as regras (Foto: Silas Lima)
Laurigia é a reponsável por organizar as visitas e cuidar para que os abraços sigam as regras (Foto: Silas Lima)

“A gente nunca imagina que vai passar uma situação dessas. Ainda bem que o pessoal daqui inventou isso pra, pelos menos, dar uma aliviada nessa vontade que temos de abraçar. Não resolve não, mas é bem melhor que antes”, diz Geraldo, o caçula de três irmãos e único que vive em Campo Grade.

Mãe e filho se despedem de longe.

Valdirene Barreto desce do carro já quase não se contendo de ansiedade. Ela esquece algo e volta pra buscar. Espera alguns minutos enquanto sua mãe, Valquíria Barreto, 83 anos, é prepara pelas enfermeiras.

“Gruda em mim mulher”, diz ela no momento do abraço. É a única frase antes do choro. Nem máscara, nem óculos, nem cabelo, nada fica no lugar, nada parece importar.

Os olhos se fecham expulsando as lágrimas que se acumulam na pálpebra, e permanecem assim por alguns segundos. Valdirene parece querer descontar os três meses que ficou sem abraçar a mãe. As mãos, protegidas passam pelos cabelos de dona Valquíria, rosto e braços. Não é só o abraço, é tentar provar com o gesto que dá pra vencer o que estamos vivendo.

“Ainda bem que o mesmo homem que cria uma situação é capaz de transformá-la”, diz reflexiva.

Valdirene abraça a mãe pela primeira vez depois de meses (Foto: Silas Lima)
Valdirene abraça a mãe pela primeira vez depois de meses (Foto: Silas Lima)

Já sentadas, também separadas pelo plástico, Valdirene conversa com a reportagem sem tirar os olhos da mãe. “Olha que sorriso lindo”, se referindo à dona Valquiria.  O olhar afetuoso, diferente do tato, atravessou aquela cortina de plástico sem problema algum.

Além dos três exemplos que pudemos testemunhar, outros 14 idosos vivem na instituição. Eles estavam sentados em uma roda, todos olhando para uma mesma direção: a rua. “Nossa, eles perguntam todo momento quando vamos poder sair de novo, não entendem muito a quarentena”, diz Laurigia.

Está difícil entender muitas coisas nesses tempos. O melhor consolo, talvez, seja um abraço.

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O sorriso de quem pode se jogar nos braços da mãe (Foto: Silas Lima)
O sorriso de quem pode se jogar nos braços da mãe (Foto: Silas Lima)


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