Há esperança para quem mata ou rouba? Formatura indica que sim
Meninos falam do futuro e do medo que sentem de uma sociedade que é cruel com quem cometeu crime, mas sonha em recomeçar.
Eles foram apreendidos ainda na adolescência. Alguns, entraram para o mundo do crime na infância e, hoje, seguram o diploma “por uma nova vida”. Durante a formatura para entrega de certificados de um curso profissionalizante a 11 meninos da Unidade Educacional de Internação (Unei), que serão encaminhados para o mercado de trabalho, três adolescentes falaram sobre o que esperam do futuro e do medo que sentem de uma sociedade que é cruel com quem um dia matou, roubou e traficou, mas agora sonha em recomeçar.
O sorriso é de felicidade por ter uma segunda chance, o olhar apreensivo é de quem pensa em como provar ao mundo que, apesar dos crimes, eles ainda têm jeito. “As pessoas não acreditam, foi como falaram ali em cima, a sociedade é hipócrita. Só porque a gente fez um ato infracional, eles acham que a gente nunca vai poder mudar”, diz um dos internos, hoje com 18 anos, que foi apreendido aos 17 depois de um roubo à mão armada, em maio do ano passado.
Nascido na periferia, filho de empregada doméstica que criou sozinha três filhos, o menino entrou no mundo do crime onde morava, enquanto alguns amigos jogavam bola e tinham poucas perspectivas de vida, por causa da dificuldade financeira. Ao ver a mãe não dar conta de pagar todas as despesas e dar a eles uma condição melhor, um dia, perto de casa, ele deu as caras no tráfico. “Aceitei vender drogas, aos 12 anos”.
De traficante a ladrão, o adolescente virou o “marginal” do bairro. “As pessoas falavam, apontavam o dedo, mas eu não estava nem aí. A gente tem não tem cabeça quando moleque, eu só achava que não tinha outra saída longe do crime”.
O embalo dos amigos que também furtavam na região foi bastante revelador da coragem do adolescente. “Sempre na turminha de amigos que faziam a mesma coisa, não tinha como ser diferente, um levava o outro e eu acabava indo”.
O primeiro roubo foi a um supermercado. Tinha duas mulheres no caixa e poucos clientes pela loja. O adolescente usou facão para ameaçar as funcionárias. Pouco tempo depois, ele pegou pela primeira vez numa arma, aprendeu atirar e nunca mais tirou a munição do bolso. “Tinha medo de morrer, principalmente se a polícia me pegasse, mas também porque eu passava madrugadas na esquina vendendo droga e isso sempre tem um risco”.
O adolescente só parou de roubar e traficar quando apreendido pela Polícia Militar, dentro de casa. “Eu roubei um mercado, eles foram na minha casa e encontraram drogas, materiais e tudo que eu usava para venda”.
Naquele dia, a dor que sentiu não foi pelo crime, mas pela tristeza vista nos olhos da mãe. “Aquilo me deixou arrasado, ela me amava muito”. Dentro da Unei, o primeiro sentimento é pautado na raiva. “A gente sente ódio, revolta, custa acreditar que estava fazendo algo errado”.
Hoje, ao falar da oportunidade de recomeço, ele menciona duas, três vezes o nome da mãe. “Eu vejo que, mas do que todo mundo, ela sempre quis o meu melhor. Foi muito ruim passar esse tempo longe da minha família, dos meus irmãos”.
Diante do passado sombrio, mãe e filho se mantém unidos, agora também em torno da chance de um recomeço. “Minha mãe é tudo pra mim, quero trabalhar, poder dar orgulho pra ela, esquecer tudo o que eu fiz de errado”.
O crime que aproximou a família – Também interno da Unei desde os 17 anos, o interno de 18 tem mais que o diploma para comemorar. Criado pela mãe e distante do pai em boa parte da infância e adolescência, a tentativa de latrocínio que o levou para internação foi lição para o adolescente e toda família. “Eu era um pouco revoltado, sabe como é quando os pais se separam. Meu pai ficou distante de mim, não tínhamos mais contato, mas quando fui preso, ele se aproximou”.
Essa é a primeira coisa que o adolescente conta depois de falar do sentimento de segurar o canudo com certificado nas mãos. “A gente fica feliz, né. O mundo lá fora não acredita muito na gente, acho que ter um trabalho agora vai ser minha chance de fazer o certo”.
Ele diz que entrou no mundo do crime pela curiosidade, depois de ver os amigos usando droga no bairro. “Comprei pra usar, maconha e cocaína, depois fui pro roubo, achava que era fácil”.
Próximo da família, aplaudido pelos pais por ter concluído o curso e conquistado um prêmio após uma redação, o jovem diz que só quer sair da Unei de cabeça erguida. “Vou voltar para minha vida, mas para fazer o certo. A gente perde tanta coisa lá dentro, preso, sem Natal, Ano Novo, que agora eu sei que tem muita coisa pra fazer na vida”.
Sonhador de pipas – Aos 17 anos, o amigo que também segurou o canudo apresentava um perfil também semelhante entre os adolescentes do bairro quando foi preso, por tráfico de drogas, aos 16 anos. “Quando eu ficava na minha vila a gurizada vendia e acabei começando usar, vendia para manter o meu vício”, resume.
Ele tinha apenas 13 anos quando começou a traficar. Dividia a rotina com o tráfico, escola e as pipas no fim de tarde. “Eu adorava soltar pipa com meu irmão”.
Quando foi apreendido, ano passado, nunca mais viu o colorido no céu que transformava as tardes perto de casa. “É o que o mais sinto falta depois da minha família”.
As pipas eram a grande paixão, que fomentava outra. “O amor pelo meu irmão, ele é mais novo, eu gostava de brincar e ensinar pipa pra ele”.
Quando as cores pararam de surgir da pipa, foi a mãe, a avó e a tia que deram suporte emocional para o menino recomeçar a vida ou, pelo menos, a vontade de transformá-la longe da criminalidade. “Elas ficaram ao meu lado o tempo todo, se não fossem elas, não sei se eu estava feliz como hoje. Só posso dizer obrigado”.
Antes de finalizar a entrevista, questiono o que ele pretende fazer após cumprir a medida sócio educativa na Unei. O sorriso largo adolescente cruza com o brilho nos olhos da mãe, e a reposta vem colorida. “Quero soltar muita pipa”, conclui.