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Comportamento

José viveu 45 anos em instituição e mesmo assim aprendeu amar a vida

Zequinha virou personagem querido de Campo Grande pelo coração de criança que iluminava o Instituto dos Cegos

Jéssica Fernandes | 10/11/2021 09:01
Zequinha gostava de cantar e sempre participava do Mês Social do Cego. (Foto: Arquivo Pessoal)
Zequinha gostava de cantar e sempre participava do Mês Social do Cego. (Foto: Arquivo Pessoal)

José Galvão de Lima viveu durante 45 anos no ISMAC (Instituto Sul-mato-grossense para Cegos Florivaldo Vargas) onde estudou, brincou, cantou e construiu uma família. Zequinha, como era conhecido, se despediu da vida aos 60 anos e, como diriam os amigos, foi reencontrar a mãe biológica que procurava desde criança.

Ele estava internado desde a semana passada, tratando um quadro infeccioso grave e faleceu no domingo (07). Durante o velório, realizado ontem (09), amigos não quiseram falar do Zequinha que partiu e sim, do homem alegre que tinha o coração de criança.

A história de como viveu antes é desconhecida em detalhes por aqueles que conviviam com ele. O que sabem é que José chegou ao instituto aos 12 anos, onde foi deixado pelos familiares que nunca retornaram. Apesar do abandono, ele não deixou de ter esperança em ver novamente a família.

Zequinha durante comemoração do arraiá do ISMAC. (Foto: Arquivo Pessoal)
Zequinha durante comemoração do arraiá do ISMAC. (Foto: Arquivo Pessoal)

O presidente do ISMAC, Márcio Ramos, descreve Zequinha como uma pessoa amada e que não guardava rancor. “Foi um exemplo de fé e de como perdoar. Ele era uma pessoa com coração de criança, apaixonado pela instituição e as pessoas o amavam”, afirma.

A professora Eva Ortiz, 42 anos, o conhecia há mais de 30 anos e recorda a alegria que o amigo esbanjava no dia a dia. “Era uma pessoa alegre, com  um coração muito bom e carismático. Ele gostava de brincar, sempre disposto a ajudar e deixou vários ensinamentos”, diz.

Adventista, Zequinha ia para a igreja toda a semana e não perdeu um dia de culto nos últimos 15 anos. Além de levar a sério a religião, ele também gostava de tomar caldo de cana e comprar os CDs dos artistas favoritos como Roberto Carlos, Jessé Florentino e Benito di Paula.

Presidente do ISMAC fala sobre Zequinha ser exemplo de pessoa. (Foto: Marcos Maluf)
Presidente do ISMAC fala sobre Zequinha ser exemplo de pessoa. (Foto: Marcos Maluf)

O homem não se contentava somente em ouvir e adorava cantar sempre que tinha oportunidade. A ocasião mais especial para o Zequinha era o Mês Social do Cego do ISMAC. Com diversas atividades para o público, o evento tem apresentações musicais na programação de dezembro.

De praxe, a organização realiza na data o “Domingo Alegre”, com um momento de microfone aberto. Funcionários e internos sabiam de forma unânime, sem surpresas, quem era a pessoa que iniciava a cantoria. Mesmo com o sorteio, Zequinha pedia para ser o primeiro e conseguia anualmente a proeza. Neste ano, a previsão é que tenha uma homenagem no Mês Social do Cego para um dos moradores mais antigos da casa.

Conforme Luzia de Alcântara, 36 anos, Zequinha era um símbolo do ISMAC. Para ela, as melhores lembranças são das brincadeiras juntos. “Quem entrava no instituto, já conhecia ele, um símbolo, recebia e dava tchau para as pessoas. No dia em que não brincávamos, ele ficava andando no pátio para chamar a nossa atenção, porque ele gostava de brincar”, fala.

Josiane garante que amigo realizou o último sonho de vida. (Foto: Marcos Maluf)
Josiane garante que amigo realizou o último sonho de vida. (Foto: Marcos Maluf)

Ao completar 60 anos, em dezembro do ano passado, Zequinha saiu da residência inclusiva e seguiu para a de longa permanência no Asilo São João Bosco. A saída não foi de tristeza e marcou a concretização de um sonho antigo que ele tinha de ser “externo”.

Quem fala sobre esse desejo realizado é a Josiane Pereira, 37 anos. “Como ele chegou no tempo do internato, sempre morou. Quando terminou, todo mundo saiu, voltou para as famílias, mas ele ficou. Então, o sonho dele era ser externo, ter uma casa fora do ISMAC e de uma forma diferente ele conseguiu e estava feliz”, enfatiza.

Mesmo à distância, os amigos de longa data deram um jeitinho de manter o contato em meio à pandemia. Valdir Lustosa, 47 anos, começou a organizar os encontros virtuais e, posteriormente, presenciais. “Iniciei o movimento para podermos visitar ele, fizemos chamada de vídeo, conversávamos, ele contava história e cantava. No último aniversário, fomos lá, ele gostou. Ele marcou a vida de todos, desde os antigos aos mais novos”, ressalta.

Independente do tempo de convivência, Zequinha marcou a vida de todos os integrantes do ISMAC, desde os antigos aos mais novos que passaram pelo instituto. O homem alegre, que adorava cantar, celebrar o aniversário com festa e passear, deixa incontáveis recordações e muita saudade para aqueles que o conheceram.

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