Mulheres lotam salão de cabeleireiro abandonado que já atendeu Manoel de Barros
Relegado ao ostracismo, num corredor da Dom Aquino, Orlando voltou ao auge. Pelos próximos quatro dias ele não tem mais horário para fazer nem escova e nem corte. Oito horas depois de publicada a reportagem "Num muquifo da Dom Aquino, a surpresa ao entrar para fazer escova por R$ 15", mais de 100 mil pessoas já tinham lido a sua história.
Na tarde desta sexta-feira a cena era bem diferente no 'muquifo', nome que carinhosamente dei ao corredor onde Orlando Esser atende por R$ 15,00 a escova e R$ 10,00 o corte. A portinha estava amontoada de gente, tinha cabelo por todo lado e o barulho de secador de trilha sonora incessantemente.
"Eu não sei o que falar para você. Vai passar 100 anos e eu não vou ter como agradecer... Foi Deus que te mandou aqui," foi com essa frase que ele me recebeu quando voltei nesta tarde.
Hoje Orlando só tinha uma cliente agendada, às 12h, para uma cristalização. "Começou nessa hora, eu não conseguia fazer a cristalização, atender gente, telefone... Umas 300 pessoas passaram por aqui, umas 100 ligaram..." descreve. Quando olho ao redor, o velho aparelho celular está plugado na tomada para dar conta de tantos telefonemas, e ao lado, uma folhinha e uma caneta mostram que ele teve até que começar a atender aos domingos.
Das 300 pessoas que ele calcula ter recebido, boa parte marcou dia e hora porque não podia esperar. Entre as visitas, Orlando foi presenteado pelo passado. Filha de uma das donas da Pietra Boutique, a loja que o 'revelou' em 1979, depois de um desfile, Ana Clara Tissot foi até lá oferecer toda ajuda que conseguiu poucas horas após a publicação da história.
"Conseguimos produtos para cabeleireiro, tintura, shampoo, condicionador e ainda cadeira, lavatório... Passei aqui para conversar, mas segunda eu volto para a gente ver o que ele precisa efetivamente", enumera Ana Clara, da Reddo Consultoria. A empresa dela e da irmã, que é psicóloga, se ofereceu para, de graça, dar todo suporte e até arrumar uma sala, que é o que Orlando tanto quer.
Para chegar até Orlando, de pertinho, deu um pouco de trabalho. Era uma escova atrás da outra, e cortes, também. Jéssica Martins, de 21 anos, era uma das clientes que saía com um tremendo sorriso. "Eu vim pela história. O preço? Com certeza é barato, mas a história é chocante e ao mesmo tempo emocionante. Quando eu me sentei no lavatório, olhei para cima, via as teias e comecei a rir". Ela descreve que quando chegou, ele atendia uma e outras quatro estavam à frente. "Percebi que ele está surpreso, não acredita ainda. Está chocado".
E no meio de tanta clientela, há quem passe dizendo que apesar do pai ter uma loja ali pertinho, nunca tinha reparado. "Coisa feia, não é? Eu vi pela matéria, a gente passava e nem reparava"...
Dayana Duarte, de 30 anos, cortou o cabelo. O repicado foi tão rápido, que em 10 minutos ela já saiu pronta. "Eu achei a história dele muito bacana e gostei do corte. Tudo tem um propósito, eu acredito que vocês terem vindo aqui não foi por acaso".
Houve também quem aparecesse com uma ajuda a mais. Hélida Bueno é funcionária da agência dos Correios, na frente do salão, e ao acompanhar a repercussão da matéria, chegou com uma agenda. "Ele vai precisar para organizar os horários". Ela foi só levar o presente dela e da colega Jô. E quando Orlando perguntou se ela não queria deixar marcado... "Eu mesma já me marquei, para o dia 8", respondeu.
Os cabelos de Manoel de Barros - Orlando conversava comigo, ao mesmo tempo em que atendia aos pedidos das clientes. O gingado no meio de tanta confusão num pequeno corredor, demonstrava que ele sabia muito bem o que estava fazendo. Depois da matéria publicada, chegou ao Lado B a história de que Orlando era cabeleireiro do grande poeta. "Sim, é verdade. Cortei cabelo do Manoel de Barros por oito anos ou mais... E da dona Stella até hoje. Eu gostava de conversar com ele", diz.
Foi pela sobrinha de Manoel que Orlando chegou até lá. "Eu ia à casa dele. E a ideia, a gente vê depois, sabe? Eu devia ter ouvido mais ele e não falado tanto. No fim, a vida é uma poesia. Eu acho que todo mundo devia ser como Manoel de Barros..." Orlando chegava à 7h da manhã, tomava café com o casal, cortava primeiro o cabelo do poeta, depois da esposa e por último do filho. O preço? Segundo fontes, Manoel "inflacionou" para R$ 50,00, achava um absurdo pagar só os R$ 10,00 cobrados...
Sobre os grandes, amor e decepção, vividos, Orlando diz que depois daquela mulher se apaixonou sim, por várias vezes. "Até hoje eu me apaixono, e é sempre assim, fatalmente..."
Pergunto se muita gente veio, se lembrou dele... Num sorriso de quem sabe a fama que teve, ele me diz. "Vai vim muito mais ainda, aqui são 30 anos de história".