Na Bélgica, Vanessa narra desafios de uma mulher preta que amamenta
Se jogando no mundo desde cedo, ela descobriu seu grande amor quando foi morar na Bélgica; lá, se viu grávida e longe da família
Há três anos, a campo-grandense Vanessa Freitas foi parar na Bélgica. Não bastasse ser mulher negra, mas uma imigrante longe de casa há quase 9 mil quilômetros de distância. Mal sabia ela, porém, que viver na capital Bruxelas serviria como um duplo aprendizado: baixar a poeira de viajante solo, aventureira, e descobrir uma cultura completamente diferente da brasileira. Ao Lado B, revelou o "frio europeu" – em todos os sentidos – e contou como conheceu seu grande amor, Lionel. Desse amor, nasceu a pequena Aurora: esse sim, o maior aprendizado de todos.
"Eu tinha outra ideia sobre ter filhos no exterior… pra ser sincera, eu nem lembro mais como é que eu pensava, pois a realidade bateu muito forte e ainda bate todos os dias. Isso só de amamentar minha filha num dos países europeus com o menor índice de amamentação. Colocar o peito pra fora foi só um dos processos. Ser imigrante é difícil. Mais ainda ser mulher e negra. As pessoas têm opiniões sobre a criação europeia que é completamente diferente do nosso apego latino-americano", revela.
Mas foi a gravidez de Aurora em um país "estranho" que a fez colocar os pés no chão. "Nem tudo acontece da forma que a gente planeja, não é? Eu confesso ter chorado todos os dias desejando que minha mãe estivesse ali comigo, durante e depois da gravidez. Quando Aurora nasceu, eu chorava mais ainda, por medo. Medo da minha escolha de ter ido embora do Brasil. Porém, ela foi somente minha, e eu precisava encarar isso de cabeça erguida", ressalta.
A história começou quando mal tinha 18 anos completados. "Saí de casa dizendo à minha mãe que ia visitar uns amigos em São Paulo. Voltei só 4 anos depois. O ano era 2008, eu tinha terminado o ensino médio e no dia seguinte da prova final peguei um ônibus na rodoviária e fui. Tinha levado comigo apenas R$ 300. Por mais que eu já trabalhasse desde os meus 14 anos, não fazia ideia do que era me sustentar sozinha, nem o tipo de coisas que um menina 'interiorana' poderia passar ", esclarece.
Durante esses 4 anos, Vanessa morou num albergue feminino, conseguiu um emprego de telemarketing e à noite cursava faculdade de administração. As coisas iam bem, tanto é acabou por entrar numa multinacional e conseguia dividir um apartamento com uma amiga na zona sul de São Paulo.
De lá, cansou. Quando voltou à Campo Grande, engatou num namoro e até abriu uma microempresa de canecas personalizadas com seu ex. "Enquanto a empresa bombava, nossa vida pessoal, de casal, entretanto, desmoronava. Foi aí que decidimos nos separar e acabar com o negócio juntos. Percebi que não era minha vontade ficar em MS, e a hora era agora ou nunca", disse a si mesma.
Os planos eram voltar para São Paulo, mas foi parar em Curitiba. "De alguma forma CWB ganhou meu coração. Quando vi, já tinha conseguido um emprego, dividia um apartamento e fiz amigos. Eu e a Camila, minha roommate, saíamos juntas para curtir a noite curitibana. Eu amava! Nisso de querer aproveitar, entrei no Tinder e conheci um belga. Marcamos um encontro e um mês depois foi embora do Brasil. Porém, me convidou a passar uma temporada na Bélgica com ele. Como não tinha nada a perder, fui de mala e cuia", admite.
Vanessa chegou em Oostende, na parte Flamenca, em 2017. Adaptação foi difícil. "Primeiro pela diferença cultural, segundo porque o relacionamento não estava indo bem. Quando terminamos, fui para uma cidade um pouco maior, Ghent. Comecei a trabalhar de babá. Sempre amei crianças! A cada indicação, acabei que fui convidada a ser babá de uma família inglesa na capital Bruxelas. Estava no trem quando eles me enviaram uma mensagem cancelando o trabalho", recorda.
"Meu mundo caiu! Eu estava chegando na cidade, não tinha para onde ir. Pedi ajuda e consegui um lugar apenas para passar a noite. Era um sábado muito frio. Acordei decidida a comprar minha passagem de volta ao Brasil. Lembro que olhei pro meu celular e falei: 'Deus, estou cansada da solidão. Quero minha família, minha língua, quero um marido e filhos… se for para eu ficar, o senhor precisa me dar um sinal agora".
E deu. "Naquele mesmo dia, uma família americana que precisava de uma babá me ligou. Incrivelmente, foi o melhor emprego que eu já tive! Até hoje sinto muitas saudades das crianças. Passado 1 mês do ocorrido, conheci Lionel, meu atual marido – e também pelo Tinder! Engraçado que não tínhamos foto de perfil, ou seja, éramos duas pessoas solitárias em busca de uma companhia amigável, sem se importar como a outra pessoa se parecia. No dia seguinte ao 'match', marcamos um encontro num bar. Chegando lá, aquele par de olhos azuis na minha frente num atípico dia de sol em Bruxelas me conquistou. Foi amor à primeira vista. Cerca de 3 meses depois estávamos morando juntos e em 5 meses me encontrei grávida de Aurora", diz.
Há pouco tempo, Vanessa conseguiu depois de 4 anos sem vir ao Brasil passar uma temporada em sua terra natal. Aqui em Campo Grande, comeu sobá, chipa, tomei água de coco, caldo de cana… mas principalmente apresentou Aurora à sua família. "Por mais que meu marido não pôde vir por conta do trabalho, essa viagem foi muito especial pra mim. Fiquei junto da família e levei minha filha a todos os lugares da minha infânica. Andamos de bicicleta no Parque das Nações, vimos capivara, brincamos na pracinha do bairro, fomos na feirinha comprar cachorro-quente. Voltei às minhas raízes".
Voltando a maternidade. "Eu já tinha passado por tanta coisa na vida que nada se comparava em viver com Aurora longe de casa. É um misto de sentimentos estar onde sempre sonhamos estar mas ao mesmo tempo desejar ir embora para perto de nossos familiares. Hoje em dia, porém, dou graças a Deus pela minha vida junto de Lionel e de minha filha. Já aprendi a conviver com a saudade e eu e meu marido superamos a barreira cultural. Posso dizer que sou feliz", confessa.
Orgulhosa da sua história, Vanessa nunca deixou de acreditar em si mesma. "O maior conselho que eu poderia dar a alguém que quer conhecer o mundo é: vá! Não tenha medo. Existem coisas lindas demais pra gente morrer sem vê-las. Não reduza seus sonhos à opinião dos outros. Seja intenso e dê o seu melhor em tudo ao que se propor a fazer. A saudade transborda, dói e bate a vontade de desistir. Mas seja forte. Siga sempre o caminho do seu coração", encerra.
Curta o Lado B no Facebook e no Instagram. Tem uma pauta bacana para sugerir? Mande pelas redes sociais, e-mail: ladob@news.com.br ou no Direto das Ruas através do WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.