"Não vou pagar pela rua", diz travesti que fez recado à cafetina virar remix
Aos 26 anos, Yasmin sonha aprender a ler e reformar a casa dos pais
Yasmin Fontes da Silva, de 26 anos, é uma travesti 'famosíssima' nos rolês de Campo Grande. Divertida e cheia de bordões, ela não tem medo de dizer o que pensa. Há 1 ano, Yasmin bateu de frente com quem queria explorar o trabalho dela. “Querida não tem cafetinagem. Eu já falei a rua é pública, não vou pagar, coragem”, declara ela no áudio que virou música.
Prostituta desde à adolescência, Yasmin conhece o outro lado das ruas de Campo Grande. Embora não saiba ler e escrever, ela compreende que para sobreviver não pode ‘entrar na onda’ de ninguém. Por isso, a mensagem de voz, que virou remix feito pelo DJ Alvin com a música da Beyoncé, é uma resposta diante do que acredita ser injusto.
Ela comenta que no último ano cafetinas passaram a querer cobrar dela e de amigas o valor para ficar na rua. Quando fala sobre o assunto, Yasmin é categórica. Para ela não existe cafetinagem e ponto final.
“Tenho um monte de amiga travesti e as cafetinas de Campo Grande querem obrigar a gente a pagar elas. Não somos obrigadas. Eu moro com minha mãe, tenho que ajudar ela e não existe isso. Não tem cafetinagem, acabou esse negócio”, afirma Yasmin.
Campo-grandense, Yasmin explica que só tem um cenário onde cafetões e cafetinas podem cobrar ‘o direito de rua’. O exemplo, segundo ela, não é o seu caso. “Se eu fosse de São Paulo poderia ser, porque tem muitas bichas que não são da cidade. Elas têm que pagar rua, porque moram na casa de cafetina. Então, eu falei: ‘Bicha, sou da cidade, nasci aqui e agora tenho que ficar pagando rua?”, conta.
Na sala da casa dos pais, ela fala de tudo com muita naturalidade e não esconde nada. É te chamando de ‘amiga’ que relata experiências boas e ruins que passou por ser quem sempre foi.
Desde criança, ela compreendia a orientação sexual, mas foi na adolescência que se abriu para os pais. Na época, foi levada ao psicólogo por gostar de meninos. “Ela [psicóloga] conversou comigo, com meus pais e eles me aceitaram”, diz.
Em seguida, ela conta como foram as primeiras vezes onde se arrumou com adereços e peças femininas para sair. “Desde pequenininha minha mãe sabia que eu era homossexual, mas eu virei travesti aos 14 anos escondida. Para ir nas boates usava as roupas das mulheres e me vestia na casa das minhas amigas”, lembra.
Ainda na adolescência, Yasmin passou na escola pela primeira de muitas situações onde seria vítima de homofobia e racismo. Para não ser alvo dos comentários criminosos, ela comenta que desistiu dos estudos. “Tinha muito preconceito na escola. Eu ia estudar e os adultos e crianças falavam: ‘Alá o viado, o gay, o macaco, o bicheiro’. Aí eu parei de estudar, sai da escola”, explica.
Em 2021, o preconceito que a fez abrir mão da educação foi o mesmo que quase a levou à morte. Yasmin sobreviveu, mas a amiga não. “Ano passado eu quase morri. Eu e minha amiga estávamos na rua, fomos comprar um lanche e um cara chamou ela. Ele me deu uma facada nas costas, corri e minha amiga não conseguiu correr”, fala.
Yasmin começou na prostituição aos 16 anos levada por um conhecido. Mesmo com medo, ela topou e desde então percorre diferentes pontos de Campo Grande para ter clientes. Na rua já apanhou até de colegas.
Antes de ganhar dinheiro dessa forma, Yasmin revela que procurou outras alternativas. “Nós somos discriminadas na sociedade, porque eles olham para a gente e falam assim: ‘Não vou pegar vocês, porque vocês são travestis'. É muito difícil para a sociedade aceitar a gente trabalhando numa loja, no supermercado, entregando panfleto", desabafa.
Quando não está trabalhando à noite, Yasmin cuida das tarefas de casa. A residência da família é bem simples e organizada. A estrutura de madeira tem decorações de fotos dela quando criança e os pais. Entre os sonhos que pretende realizar, arrumar o lar é um deles.
Ela comenta que pretende participar de um programa de televisão para receber ajuda. “Ano que vem eu vou parar na Eliana. Eu faço vídeo dançando e queria parar lá para ver se ela consegue ajudar a arrumar a casa. Material é caro, tudo é caro e eu quero refazer a casa”, frisa.
Além desse sonho, ela compartilha outro que também é importante. Yasmin quer aprender a escrever e ler as palavras que outros escrevem. “Eu sinto vontade de estudar e aprender. Se você pegar uma caneta e escrever boi, vaca, tatu, queijo e o nome da minha mãe eu não sei ler”, afirma. Para conseguir realizar o feito, Yasmin procurou uma escola e agora aguarda uma vaga.
Animada com a ideia de ter a história publicada no jornal, Yasmin trocou de look para tirar foto. No final da entrevista, a travesti destaca que tem muitas amigas. Se diverte e diz que se um dia morrer, o povo vai em peso no enterro.
"Todo mundo me conhece. Deus me livre se alguma coisa acontecer comigo. Se alguém falar que Yasmin Fontes morreu, querida, o povo que me conhece vai no meu velório. A gente vai ter que alugar um ônibus pro cemitério, porque eu sou famosa", conclui.