No Dia do Índio, ensinar vai muito além de pintar o rosto e colocar cocar
Mato Grosso do Sul tem a 2° maior população indígenas do País, com 73.295 mil pessoas de várias etnias, cada uma com sua cultura. São povos kaiowá, guarani, terena, kadiwéu, guato, ofaié, kinikinau, atikum e camba, em menos de 2% das terras sul-mato-grossenses. Por esse e por tantos outros motivos, ensinar sobre as etnias daqui é sim um ato político.
Folclorizados pelas escolas brasileiras, os índios se resumem a cocares, adereços e pinturas corporais. Pouco - ou quase nada - se fala da resistência ou do passado de massacre cultural e contingente dos povos que construíram o país. Porém, para fugir do mais do mesmo, a equipe do Lado B foi atrás de iniciativas par além do senso comum.
A professora de artes de uma Escola Municipal no Jardim Canguru, Patrícia Souza, levantou até mesmo um debate em sua página pessoal solicitando ajuda. No post, publicado no dia 3 de abril, ela diz: "Sociólogos, antropólogos, historiadores, amigos, professores, me dêem dicas de atividades para desenvolver em sala de aula referentes ao Dia do Índio que sejam dignas e não estereotipadas. Todo ano tenho essa dificuldade e acabo não fazendo nada".
Pessoas responderam dando opções a ela, como trabalhar com as "tintas naturais feitas pelas etnias, trabalho com a esteriótipos da imagem do índio, o corpo como resistência pela cor e raça, a significância da natureza representada nos desenhos e formas com que eles trabalham o artesanato, o artesanato indígena como fonte de renda e produção cultural", e também a sugestão de "estudos dos desenhos indígenas (pintura corporal) vinculado aos seus significados e reproduzidos depois em papel e cola colorida. Cestaria indígena reproduzida em papel colorido também fica lindo".
Então, Patrícia decidiu por ir para o mais tradicional, e partiu para uma conversa com os alunos sobre as questões indígenas. "Eles acabaram desenvolvendo um desenho depois disso. Já foi legal a discussão pois só de começar a falar muitos já se pronunciavam como 'Profesorra, eu sou indígena, ou minha avó, ou tenho parentes que são'. No final achei que muitos ficaram orgulhosos e empoderados com a discussão, até aqueles alunos que não curtiam a aula ficaram interessados", explica ela
Já no Amambaí, em uma escola privada, o professor de teatro Renderson Valentim, intimamente ligado com as causas indígenas e também com o projeto pedagógico da Desafio, se propôs a abordar durante todo o mês de abril, de forma lúdica, a história das etnias regionais.
Com trabalhos desde o 1º ano do Ensino Fundamental, até os do 4º ano, o professor têm mostrado de tudo um pouco para os alunos, desde músicas indígenas, como o rap dos Brô MC's - que inclusive fez muito sucesso na sala de aula -, as apresentações terenas, os cantos guarani, terena, guató, quiniquinau e kawiwéu, e também as iconografias dessas etnias dizimadas.
Especificamente hoje, no Dia do Índio, os alunos, que já haviam escolhido por grupos grafismos específicos, tinham de olhá-los no papel e colocá-los em um barbante no chão da sala, para só depois disso criar coreografias lúdicas, baseadas nos vídeos assistidos dos movimentos e ritmos das tribos, em cima das formas reproduzidas.
Mais do que isso, a todo tempo o professor conversava com eles, citava poesias, como a "Erro de Português", de Oswald de Andrade, e em uma conversa franca, Renderson conseguiu trazer a realidade atual dos índios para o mundo colorido de seus alunos.
"É uma construção dentro do processo artístico, do que eles são capazes de absorver, sem estereotipar esses povos", explica Renderson.
Dos 15 alunos presentes na aula, alguns se dispersavam com a possibilidade de brincar em sala e outros prestavam atenção no que o professor dizia. Mas, de acordo com Renderson, até os desatentos absorvem algum tipo de informação. "A gente trabalha com a memória pedagógica, ou seja, em algum momento eles vão associar em alguma conversa com a família, por exemplo, ao que foi dito durante esse mês a eles", finaliza.