Tenho 2 filhos autistas e eles provam todos os dias como são capazes de aprender
Carolina virou uma leoa depois que recebeu da vida o desafio de construir um belo caminho para os dois filhos autistas. Thiago e Matheus têm nove anos e uma mãe determinada. Os dias não são fáceis, mas uma das frases que ela repete com frequência é de dar inveja: "Estou emocionada!". Um sentimento que surge apenas para quem entende o valor das pequenas conquistas. Carol fala hoje, aqui no Voz da Experiência, para tantas mães que se sentem o desrespeito cortar a pele, mas podem muito quando lutam juntas.
Sou mãe de autistas gêmeos há 9 anos, diagnosticados há 7, e quando saí do luto pelo qual toda família vive, acordei dentro de um grande dilema: Onde meus filhos irão estudar?
Eu já tinha outra menina com o desenvolvimento normal e os três estudavam em tempo integral em uma escola evangélica de Campo Grande, para eu poder voltar a trabalhar. Mas nesse interim as professoras e a coordenação me chamaram muitas vezes para mostrar o comportamento dos gêmeos que se diferenciavam das outras crianças.
Naquele mesmo ano, com o diagnóstico em mãos, fomos convidados a nos retirar da escola particular porque eles alegaram não ter estrutura financeira e nem física de continuar com os meninos que fugiam o tempo todo da sala, tinham crises de choro sem motivo, se isolavam das outras crianças e tinham apegos estranhos a brinquedos.
Aproveitando a deixa do escândalo com uma das principais escolas da capital e a exposição da história do João Vitor de quatro anos, filho da Naína Dibo Soares, vim expor a situação e contar o que tantas outras famílias de pessoas com o transtorno do espectro autista têm vivido nesses anos da minha peregrinação por condições dignas de saúde, por alfabetização, por socialização e por aceitação.
Muitas dessas famílias que conheci nos primeiros anos do diagnóstico dos meus filhos tinham pouco ou nenhum estudo, mal tinham conhecimentos de seus direitos. Outras tantas, cansadas de lutar em vão, foram trancando os filhos e parentes com deficiência em casa, por falta de atendimento ou de leis e locais que o amparassem.
Com o auxílio das mídias sociais, em 2012 a lei Berenice Piana levou brasileiros que moravam até no exterior a conseguirem a aprovação urgente da lei que garante às pessoas dentro do Transtorno do Espectro Autista os mesmos direitos das pessoas com Deficiência.
Dentre outras garantias, a redação proíbe ao gestor escolar de negar a matrícula da pessoa autista. Para o meu caso, um bálsamo, porque já havia peregrinado por mais de sete escolas particulares sem conseguir vagas.
Mesmo assim, cláusula no contrato de matrícula ainda nos obrigava a arcar com todas as despesas extras decorrentes do fato de ter gêmeos com deficiência, o que significava gastos com duas professoras auxiliares por criança. Então, na época, resolvemos recorrer ao poder público e lutar por professores auxiliares na rede municipal de ensino. Foram quatro anos de lá pra cá e só estes últimos meses estamos assistindo o resultado da legislação funcionar.
Na última quinta-feira, 19 de novembro de 2015, decisão do STF também estabeleceu que nenhuma escola particular pode cobrar a mais dos pais de pessoas com deficiência e todas devem promover a inserção e instituir toda e qualquer medida de adaptação necessária para inserção desse aluno.
Sou professora bilíngue e coordenei uma escola no Tocantins tão grande quanto a escola denunciada pela Naína. Também lecionei para meus filhos e sei o quanto é complicado. Brigo pelo ensino e pela igualdade não só educacional, mas de tratamento social.
As deficiências e principalmente o Transtorno do Espectro Autismo são um desafio e a solução não é oferecer a opção de manter o aluno em turma atrasada, com a diretora da escola de João Vitor pretendia. A resolução CNE/CBE N.07/2010 recomenda veementemente que os três primeiros anos sejam considerados como um único ciclo pedagógico sem interrupção, portanto não é admitida a retenção do aluno, por falta de aproveitamento, nos três anos iniciais do Ensino Fundamental.
Os meus filhos frequentam escolas para socializar-se? Sim e que fique bem exposto, o mais importante: para aprenderem também. Porque se fosse apenas para socializarem-se, eles frequentariam apenas “rodas de tereré”, como foi dito no post de defesa à escola em questão.
Quanto ao fato da agressividade, não sou profissional, mas sou mãe de autistas, portanto crianças atípicas, mas também de uma criança típica e tenho sobrinhos que já chegaram com mordidas e arranhões de outras crianças que não tinham nenhum transtorno. Crianças se defendem, adultos falam e conversam. Agora, se os pais retiram alunos porque um autista ou deficiente está na mesma sala, o que me preocupa são os pais que têm medo da pessoa com deficiência, porque é fato que uma criança não tem preconceito até que um adulto a ensine.
Toda pessoa tem capacidade de aprender, desde que a ela seja dada oportunidade, cada um dentro de sua necessidade. Um dos meus filhos frequenta a mesma terapia do João Vitor, e desde então vem reconhecendo as letras, as formas e as cores.
Tenho gêmeos e eles são bem diferentes. Um é o Matheus, se comunica verbalmente e é pouco sociável, porque percebe a diferença da maioria das pessoas com suas particularidades. Só começou a falar depois que passou a frequentar a escola novamente aos 5 anos. Ele está muito bem na Rede Municipal com professora auxiliar e depois que o conteúdo pedagógico e programático foi adaptado, desde então só tira notas acima de oito e está no 4º ano do Ensino Fundamental. O outro é o Thiago, não fala, mas se comunica por meio de figuras e troca duas palavras, está em fase de alfabetização, indo para o 3º ano do Ensino Fundamental também da rede municipal.
Meu desejo é que outras mães nunca mais sejam encorajadas por gestores escolares a levar seus filhos a instituições de crianças especiais, porque isso é uma forma velada de rejeição sim. Que a toda e qualquer família de pessoa com deficiência seja dada a oportunidade e a chance de terem seus filhos aprendendo a se comunicar de alguma maneira, para que não haja informações truncadas, erros de linguagem, integrados e não apenas inclusos, que possam trabalhar e formar uma sociedade para todos, onde o “para mim serve” seja trocado por “para nós serve”.
Olhe aí o Thiago escrevendo o nome: