Luta pela Serra da Bodoquena nasceu em 89, com descoberta do Rio Perdido
A primeira tentativa foi a criação de um parque estadual com 30 mil hectares
Esvaziado em 80% por liminar da Justiça Federal, o Parque Nacional da Serra da Bodoquena é o resultado de um esforço que ganhou fôlego em 1989, quando três servidores estaduais ergueram bandeira para defender a região, então ameaçada pela extração de madeira, e por onde corre o Rio Perdido, o curso de água que é um encontro certeiro com a beleza.
Conforme relatório do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), a proteção do remanescente florestal existente na Serra da Bodoquena foi sugerida pela primeira vez no Macrozoneamento Geoambiental do Mato Grosso do Sul, datado de 1989.
Por essa época, três jovens servidores da Secretaria de Meio Ambiente conheceram o local em um trabalho de campo. “Apaixonados pela Serra da Bodoquena, os três desencadeariam o processo político e social que veio a culminar na criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena no ano 2000”.
Um dos servidores estaduais que atuou para a criação do parque é a jornalista e bióloga Márcia Brambilla. “Na época, tinha muita madeira de lei, aroeira, cedro, cerejeira. Se continuasse no ritmo que estava, ia ficar meio desértico. A extração da madeira foi a primeira coisa que nos chamou a atenção”, conta.
Num balanço entre o passado e o presente, Márcia pondera que houve mudança no perfil da dificuldade para proteção do meio ambiente, mas ela persiste. “Éramos muitos jovens, com muita energia. Estávamos discutindo basicamente com os pecuaristas, hoje temos mais interesse envolvido, como sojicultor. Não tenho nada contra a pecuária nem a soja, todos têm que trabalhar para um objetivo comum”, diz.
Ela cita a fazenda São Geraldo como um exemplo em que turismo se concilia com a produção. Destinada a gado e soja, a propriedade passou a oferecer a flutuação no Rio Sucuri, um dos passeios mais visitados em Bonito. “Sugerimos à filha do proprietário que explorasse o turismo e foi criada uma reserva”.
Um parque, muita luta - A primeira tentativa foi a criação de um parque estadual com 30 mil hectares na Serra da Bodoquena, englobando a região do Rio Perdido. Conforme o relatório, a proposta foi transformada em projeto de lei pelo deputado Alberto Rondon (mais conhecido atualmente pelos erros médicos em cirurgias), porém não foi aprovada pela Assembleia Legislativa.
Em 1998, quando Zeca do PT assumiu o governo do Estado, o documento relata que foi interrompido um processo que remontava a 1977, quando MS foi criado. A sustentação politica tinha migrado do grandes produtores rurais para a classe média.
“O governo recém-eleito não apresentava forte resistência à criação de unidades de conservação”, destaca o relatório. Com o gasoduto entre Brasil e Bolívia, parte da compensação ambiental seria aplicada na regularização fundiária inicial de uma unidade de conservação a ser criada na Serra da Bodoquena.
Em setembro de 1998, a revista Veja anunciou que decreto para a criação do Parque Nacional seria assinado. Segundo o histórico do parque divulgado pelo ICMBio, a notícia desencadeou forte reação e resultou até em normais mais rígidas. “Os opositores exigiram a realização de audiências públicas para debater o Parque, antes mesmo de a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação ser publicada”.
A consulta pública transformou-se em uma sequência de audiências públicas em Bonito, Jardim, Porto Murtinho e Bodoquena. O parque estava longe de ser consenso. De um lado, havia muitos protestos contra a unidade de conservação. Do outro, entidades e o Banco Mundial pressionavam o governo federal para publicação do decreto.
“A Comissão Organizadora do II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação optou por realizá-lo em Campo Grande, justamente para reforçar a pressão sobre o governo”, diz o relatório. Antes do evento, em 21 de setembro de 2000, o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) publicou o decreto de criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena.
Caducidade - Quase 19 anos depois, liminar da 4ª Vara da Justiça Federal de Campo Grande determinou a "caducidade" do decreto da União. Conforme a decisão, publicada em 19 de julho, o governo federal perdeu prazo para desapropriação judicial ou amigável, compra, compensação ambiental ou outro meio permitido em lei. Desta forma, o parque perde mais de 80% da sua área, que se espalhava por 76.481 hectares dos municípios de Bodoquena, Bonito, Jardim e Porto Murtinho.
Em quase duas décadas, menos de 20% dos produtores rurais foram indenizados. Ou seja, mais de 80% da área não foi transferida do patrimônio particular para o domínio público.
Resta ao parque, área correspondente a 18,4%. A unidade de conservação preserva faixa de Mata Atlântica. A liminar ainda terá o mérito julgado.
ICMS Ecológico – Segundo a Fundação Neotrópica do Brasil, a área da unidade de conservação contribuiu para o repasse de R$ 12,4 milhões de ICMS Ecológico (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para quatro municípios em 2018.
Conforme a fundação, o rateio foi entre Bonito (R$2.735.871,83), Bodoquena (R$5.410.758,28), Jardim (R$1.282.386,97) e Porto Murtinho (R$ 3.066.209,30). “E deste montante, a maior parte é destinada para gastos com saúde e educação por força legal”.
Para a entidade, a Justiça poderia ter determinado bloqueio de fundos federais para custear a indenização. Conforme apurado pelo Campo Grande News, a regularização fundiária pode custar até R$ 700 milhões.