Fé sem distinção é uma das "bases" do protesto, dizem manifestantes no CMO
Tendas foram montadas para manifestações da espiritualidade com práticas ecumênicas
A fé e a religião têm sido uma das bases de sustentação e incentivo para os manifestantes continuarem em frente ao quartel do CMO (Comando Militar do Oeste), na Avenida Duque de Caxias, em Campo Grande, segundo eles mesmos. As dezenas e, em alguns dias, centenas de pessoas seguem pelo 36º dia consecutivo no local, sem dar indícios de que vão sair.
Isso fica claro, principalmente, pela composição das tendas ao longo do canteiro. Logo na metade inicial de quem segue pela Afonso Pena sentido aeroporto, para além das tendas que abrigam pessoas de diversos lugares, há uma voltada apenas para a manifestação e manutenção da espiritualidade dos cristãos presentes. O espaço foi ocupado poucos dias após o início do protesto.
Com um grande cartaz escrito "tenda do clamor pelo Brasil", o espaço tem, segundo os manifestantes, uma característica ecumênica, ou seja, aceita o culto de várias religiões e denominações.
"Aqui tem católicos, evangélicos e até espíritas", diz um dos homens que não aceita ser chamado de líder, mas na noite desde domingo (5) foi quem falou ao microfone na maior parte do tempo para as pessoas ali presentes.
Antes mesmo de tomar a palavra, esse mesmo rapaz junto de outros quatro homens explicaram para reportagem a importância daquele lugar e do que acontece nele para os manifestantes. Conforme ele, a religião e a proximidade com Deus dá a direção para um país melhor, que seria uma das únicas demandas dos manifestantes: um país mais justo e melhor.
Como exemplo prático desse conceito, ele explicou que haveria uma cerimônia especial em que os filhos presentes iriam lavar os pés de seus pais, tal qual fez Jesus na última ceia e também como faz marido e mulher no contexto do casamento católico.
Aquilo seria uma surpresa e serviu para demonstrar que muitos filhos erram ao não honrar os ensinamentos dos pais, e isso teria levado o Brasil onde está; no caso a eleição do candidato adversário ao que concorria a reeleição. O simbolismo do ato está no fato de, na igreja católica, lavar os pés do parceiro representar humildade, vontade de honrar um ao outro e disposição para servir e cuidar.
Pois assim foi, em uma cerimônia que durou cerca de meia hora, os filhos lavaram os pés de seus pais sob o olhar dos netos, uma terceira geração que observou tudo e nos quais os pais depositavam a esperança de reprodução dos respectivos ensinamentos. Algumas crianças, as mais crescidas, participaram e até se emocionaram.
Um aposentado de 60 anos, que também não quis se identificar, pai do homem que falou no microfone e conversou com a reportagem, nos contou que fica durante a maioria do tempo na "tenda do clamor" para pedir, tão somente, que Deus possa iluminar nosso país e que seja feita a vontade d'Ele.
"Nós, como cristãos, temos sim que falar de política. Porque como homens honestos podemos passar esses ensinamentos adiante e isso tem tudo a ver com política", se explica.
A reunião e as orações não começaram no momento em que nossa equipe chegou e parecia que não ia acabar quando fomos embora. Deu para observar que muita gente passava por ali e depois seguia para outro lugar, assim como tinha alguns manifestantes que ficavam por mais tempo, oravam em silêncio ao som de um violão, tocado ininterruptivelmente por um jovem, ou conversavam com outros presentes.
"Aqui, com certeza, é uma das bases de sustentação da manifestação. A fé é muito importante e te falo que já não tem mais nem a ver só com o protesto, tem a ver com nossa visão de mundo baseada em Deus e na Bíblia", conclui o manifestante idealizador na cerimônia de lava-pés voltada aos pais.