Políticos 'invadem' rádio e TV e fazem palanque para ficar na memória do eleitor
Apresentando programas, na maioria das vezes sem DRT, parlamentares usam espaço para ficar em evidência
Véspera de ano eleitoral, políticos que pretendem disputar cargos de prefeito e vereador começam a ‘pipocar’ em programas de rádio e televisão na Capital. A estratégia é distribuir favores, prêmios e ficar presente na memória dos ouvintes, futuros eleitores.
“Agora virou moda”, disparou o vereador Silvio Pena, o Silvio Pitu (PSD). Ele diz que já era radialista antes de se tornar homem público. “Por dez anos trabalhei em rádio comunitária. Quando não tinha nem pretensão de ter mandato. E é isso que acontece, quando a gente está no caminho certo, as pessoas imitam”, acrescentou.
Assim como a maioria dos radialistas por formação, Pitu tem programa na Capital FM "porque é apaixonado pelo veículo de comunicação". “Faço programa voltado à alegria, com sorteio de prêmios e visita em bairros. A partir do momento que tudo que faz, faz com amor e bem-feito, tira proveito. As pessoas são carentes de alegria”, justifica.
O vereador afirma que é funcionário da empresa e faz parcerias para conseguir garantir o entretenimento. No entanto, após uma década no microfone, ainda está sem o registro de DRT (Delegacia Regional do Trabalho). “Está em processo administrativo", diz.
E foi assim que outro colega de Câmara Municipal seguiu seus passos. O vereador Epaminondas Neto, o Papy (SD), lançou no último domingo (15) um programa com a família dele na Rádio Hora.
“Não é um programa político, é de fé, de palavra. A rádio me convidou porque queriam ter um programa domingueiro, porque não tinham programação específica.”
O parlamentar alega que ganhou duas eleições sem ter programa, mas que a parceria proposta pode sim beneficiar ele no próximo ano. “Tem lei que regulamenta isso. Mas se eu estou em um mandato, que é tão difícil de conseguir, e não usar das oportunidades da influência, estarei fortalecendo quem está de fora”, justificou.
Papy não tem DRT, mas pretende tirar. Vale ressaltar que o documento exige uma série de comprovações dos profissionais de imprensa, mas para radialistas basta ter apenas um mês de programa que é possível conseguir o que acadêmicos demoram quatro anos para oficializar. O vereador revelou ainda que tem pegado algumas dicas com o amigo deputado estadual Lucas de Lima (PDT).
Com três décadas por trás do microfone e a voz do “Amor Sem Fim”, Lucas serve de inspiração para muitos. É também um incentivador, ao ir participar de programas dos novatos.
Eu sou um radialista há mais de 30 anos. Não sou um político que faz programa de rádio e TV. Sou político no momento, mas sou um profissional do rádio. O rádio por si só não elege ninguém, já tivemos vários [radialistas] que saíram e não se elegeram”.
O deputado afirma ainda que o ouvinte sabe diferenciar um radialista de um oportunista. “O ouvinte sabe identificar quem está usando como trampolim para a política. Não faço por politicagem, e sim por amor”, concluiu Lucas de Lima.
Parceria - A reportagem apurou que o valor cobrado para ceder o horário aos políticos é um segredo guardado a sete chaves pelas emissoras. Oficialmente não relevam valores. No meio publicitário, a avaliação é de que um programa de duas horas no final de semana chega a custar de R$ 15 a R$ 20 mil.
O custo também varia conforme a popularidade dos agentes públicos. As empresas de comunicação também se aproveitam da oportunidade para ganhar audiência. Uma fonte explicou que ocorrem muitas 'parcerias' nos programas de final de semana, quando a audiência é menor.
O político tem o espaço e divulga o nome da rádio. Nós 'trabalhamos' o programa com sorteio de prêmios e Pix. Em contrapartida, o político usa a equipe de trabalho dele e as redes sociais. Acaba que o ouvinte se familiariza com o político, gosta das brincadeiras e isso ajuda muito na hora de definir voto", explica a pessoa que não quis se identificar.
Se o vereador, por exemplo, já é radialista, não é cobrado o espaço. Mas se há o interesse de um político que nunca teve um programa, é feito um contrato com preços variados. É muito comum, políticos que se tornam radialistas temporários. Fecham contrato com a rádio um ano antes da eleição e quando tem o resultado das urnas encerra a participação, voltando três anos depois.
O vereador Riverton de Souza, o professor Riverton (PSD), é um dos novatos que se "apaixonou" pelo rádio. “Sempre admirei e fui fã de rádio e sonhava um dia ter a oportunidade de estar à frente de um, levando entretenimento e diversão à população. Após um tempo com um quadro no programa de TV do Lucas de Lima, recebi a oportunidade de, por meio de parceria, estrear o programa Domingão com o professor Riverton, motivo de muita alegria para mim”.
O programa ganhou outdoor por meio de parceria e o vereador é categórico ao dizer que não usa verba de gabinete para realizar o sonho. “Tenho a preocupação de não misturar o trabalho parlamentar com esta ação. Quanto a DRT, já dei entrada e estou aguardando a emissão do registro. Em respeito aos profissionais da área, busco atuar de maneira ética e comprometida”, completou.
Curiosamente, o programa de Riverton vai ao ar, na Rádio Difusora, após a apresentação do ex-vereador e subsecretário de Articulação Social e Comunitário, Chiquinho Telles. Ele trabalha na rádio desde a época que era AM. “Rádio é paixão, um veículo de informação, não é só falar que dá voto. É um trabalho que você tem que amar. A pessoa tem que nascer com esse dom. Ajuda muito. Olha o [ex-prefeito] Alcides Bernal onde chegou”.
Chiquinho é categórico com a postura de vereadores que estão migrando para a rádio. “Tem gente que acha que é um veículo de obter votos, mas não é. Se não tiver o pé no chão, não adianta. O político radialista tem que concretizar o que ele fala no mandato. Sendo a mesma pessoa na frente e atrás do microfone”.
Ele ainda acrescentou que é injusto a legislação eleitoral obrigar os candidatos a renunciar do rádio antes da disputa nas urnas. “Um vereador advogado, pastor, médico não precisa se afastar. Um peso e duas medidas”, lamenta. Durante as três horas de programa ao vivo aos domingos, ele sorteia dez prêmios. “Tenho o patrocínio. Tem brindes dos apoios de comerciantes e algumas eu compro”, revela.
Superintendente da Sudeco, ex-deputada federal e candidata derrotada ao governo do Estado, Rose Modesto estreou programa na TV Bandeirantes, após mais de um ano e meio atuando na Capital FM. “Fui convidada pela Band, desde o início do ano. Me organizei e aceitei. Não pago absolutamente nada. É uma oportunidade e não pensei duas vezes de aceitar".
Ela assegura que não sai na frente de outros políticos que pretendem disputar a prefeitura da Capital no ano que vem.
Não acho que seja desleal na concorrência com outros pré-candidatos. Cada um tem seu trabalho, tem candidato da máquina, acho que não tem nada a ver”.
Análise – Para a presidente do Sintercom/MS (Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão, Televisão, Publicidade e Similares de Mato Grosso do Sul), Rose Aparecida Borges Ferreira, o que ocorre hoje é reflexo da democratização da comunicação.
“Somos contra, pois fazem rádio e TV de palanque. É o exercício da profissão de forma errada, uma distorção da profissão. Mas a empresa compra espaço, a gente questiona se tem DRT. Eles entram com liminar e conseguem o registro. Aí os profissionais habilitados ficam sujeitos a terem ‘programetes’, em horários ruins, pois os horários de mais audiência são comprados”, lamenta.
Ela esclarece que o próprio sindicato não tem números sobre políticos e valores que isso significa para a empresa de comunicação. “Cada rádio atua independente. Os valores são cobrados por elas e não chega ao nosso conhecimento, pois somos um sindicato dos trabalhadores. E quando uma rádio comercial vende espaço para político que não é habilitado, ele está no exercício ilegal da profissão. Aí cabe processo. Que quando há denúncia, entramos com pedido de processo no TRT (Tribunal Regional do Trabalho). Mas eles conseguem tirar. Não é ilegal, mas também não é moral”.
O TRE/MS (Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul) informou que a legislação eleitoral (Lei 9.504/97) permite a presença de políticos em meios de comunicação, mesmo estando um ano antes do pleito.
“Para que seja configurada propaganda antecipada é necessário haver pedido explícito de voto. Neste sentido, é necessário que seja verificado se houve ou não a violação da norma legal nas situações apresentadas”, justificou o órgão.
Já o cientista político Daniel Miranda avalia que não há como analisar se a presença em meios de comunicação influencia o eleitor. “Embora estar em evidência na mídia e conhecido do público ajude, fama não se converte em voto automaticamente. O fato é que os recursos que as pessoas tem e usam para angariar votos são sempre desiguais”.
Ele cita casos de pessoas populares como presidentes de sindicato, professores e líderes religiosos podem ter recursos diferentes de outros candidatos convencionais. “Daí a ideia de financiamento público de campanha, cuja ideia (no papel, pelo menos) é tentar diminuir diferenças. Embora, é claro, a distribuição desses recursos também seja desigual”.
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