O que esperar da economia brasileira em 2023?
Para responder à pergunta que é tema deste artigo, é preciso voltar um pouco no tempo e analisar os impactos que a pandemia de Covid-19 causou na economia global. Para lidar com seus efeitos econômicos, como a interrupção da produção, as restrições de circulação, viagens e eventos e o aumento do desemprego, os governos dos diferentes países se viram obrigados a adotar políticas expansionistas, de modo a minimizar a perda de bem-estar social e a queda ainda mais acentuada da renda de seus países. No caso brasileiro, o pacote de benefícios fiscais custou mais de R$500 bilhões aos cofres públicos, que foram distribuídos a partir de diferentes programas, como o Auxílio Emergencial, o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e os auxílios financeiros concedidos aos estados, municípios e ao Distrito Federal. Apesar dessas medidas, a economia brasileira encolheu 3,9% em 2020, de acordo com as estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
As medidas fiscais adotadas em 2020 e a redução das restrições à circulação das pessoas contribuíram para a recuperação da economia, fazendo o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro crescer 4,6% em 2021, compensando a queda da produção em 2020. Apesar disso, o País também experimentou a aceleração inflacionária. Para frear o aumento dos preços, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central adotou sucessivos aumentos na taxa referencial de juros do país – a Selic – que passou de 2% em março para 9,25% em dezembro de 2021. Mesmo com o aumento dos juros, a taxa de inflação encerrou o ano em 10,06%, ficando acima do limite superior do Regime de Metas (que estabelecia uma variação entre 2,25% e 5,25%). Dentre as causas do não cumprimento da meta de inflação, o Banco Central considerou o aumento dos preços das commodities (em especial, o petróleo), os gargalos nas cadeias de suprimentos globais, com desequilíbrios entre a oferta e a demanda de insumos, e a seca prolongada, que levou o país a criar a bandeira escassez hídrica na tarifa de energia elétrica.
O cenário inflacionário do ano anterior e as incertezas sobre a retomada do crescimento devido ao aumento dos casos de Covid-19 em janeiro tornaram as perspectivas para 2022 pouco animadoras. O boletim Focus do dia 7/1/2022 já indicava uma expectativa de que a inflação encerrasse o ano em 5,03%, acima do limite do Regime de Metas para 2022 (que determina que a inflação pode oscilar entre 2% e 5%), exigindo uma atuação mais firme do Banco Central na política monetária. O relatório apontava ainda a expectativa de crescimento do PIB de apenas 0,28% para o mesmo ano, devido à persistência dos gargalos nas cadeias globais, ao aumento dos preços dos combustíveis e às políticas contracionistas adotadas pelo Banco Central.
O início da Guerra na Ucrânia, em fevereiro de 2022, tornou as expectativas da inflação ainda mais pessimistas, pelo aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos, uma vez que a Rússia é um grande produtor de petróleo e fertilizantes, fazendo com que os preços desses bens sofressem consideráveis aumentos. Tal evento fez com que a expectativa da inflação apresentada no boletim Focus aumentasse 0,8 ponto percentual em apenas uma semana, passando de 5,65%, no dia 4/3/2022, para 6,45%, no dia 11/3/2022. Os boletins seguintes ainda mantiveram a trajetória de elevação dos preços até o dia 3/6/2022, indicando que a inflação encerraria o ano de 2022 em 8,89%.
Esse cenário começou a mudar em junho de 2022, após a aprovação do teto de 17% do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para os combustíveis e energia elétrica. Além disto, a redução da inflação também pode ser explicada pelo fim da vigência da bandeira escassez hídrica, em abril de 2022, decorrente da melhoria das chuvas a partir de outubro de 2021 e do aumento dos reservatórios das hidrelétricas. Por causa disso, os boletins Focus publicados semanalmente passaram a indicar uma trajetória decrescente para o IPCA, até o relatório do dia 21/10/2022, o qual indicava que a inflação em 2022 seria de 5,6%.
Porém, a partir da publicação seguinte, a trajetória se inverteu e os demais resultados do boletim Focus vêm indicando aumentos seguidos na inflação deste ano, sendo que o relatório do dia 2/12/2022 considerou que o IPCA pode encerrar 2022 em 5,9%. A mudança na direção desse indicador ocorreu a partir da publicação da prévia da inflação (estimada pelo IPCA15) para outubro, que voltou a ser positiva (em 0,16%) após dois meses consecutivos de queda. O aumento da inflação se confirmou na publicação do IPCA de outubro, cujo indicador foi de 0,59%, e manteve a trajetória de crescimento em novembro, desta vez em 0,41%.
Os indicadores de desempenho do PIB deste ano também sofreram algumas alterações, sendo que o boletim Focus do dia 2/12/2022 indicava um crescimento de 3,05% na produção nacional. A melhora ocorreu com a divulgação dos resultados consolidados do crescimento do PIB que, nos três primeiros trimestres de 2022, acumularam uma alta de 3,2% frente ao mesmo período de 2021. Uma das principais causas da melhora na atividade econômica foi a política fiscal expansionista adotada pelo Governo Federal, decorrente da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC nº 1/2022) no Congresso e no Senado, que custou aos cofres públicos R$41,2 bilhões em 2022.
Tal proposta possibilitou o aumento do Auxílio Brasil de R$400,00 para R$600,00 até dezembro, a criação de um auxílio para caminhoneiros autônomos e para taxistas, além do aumento do Auxílio Gás. O Relatório de Acompanhamento Fiscal de setembro de 2022 da Instituição Fiscal Independente IFI (órgão vinculado ao Senado Federal) considerou que essas medidas fiscais devem representar um fôlego extra para a atividade econômica no segundo semestre, capaz de contrabalançar os efeitos negativos da elevação da taxa Selic e da desaceleração do crescimento da atividade das grandes economias, como os Estados Unidos, a Europa e a China.
Apesar da melhora dos indicadores para 2022, o cenário previsto para 2023 caminha no sentido oposto, com queda no crescimento do PIB (que passou de 1,7% no boletim Focus do dia 7/1/2022 para 0,75% no boletim do dia 2/12/2022) e aumento da inflação. Uma das causas dessas mudanças é a incerteza quanto ao resultado primário do próximo ano, decorrente das medidas expansionistas propostas na PEC da Transição, e quanto às possíveis mudanças nas regras fiscais, que ainda não estão claras. No mesmo contexto, o fato de 2022 ser um ano eleitoral elevou as incertezas, o que deve reduzir o nível de investimento no país neste e no próximo ano, comprometendo o crescimento em 2023. Além disso, o boletim Focus do dia 2/12/2022 mostra uma expectativa de inflação de 5,08% em 2023, superior à meta estabelecida para o ano, exigindo que o Copom mantenha a taxa Selic num patamar elevado, fator que também desestimula o investimento e reduz o consumo agregado.
O cenário externo também é preocupante, com desaceleração do crescimento das grandes economias e persistência das pressões inflacionárias, que têm levado os bancos centrais desses países a adotarem políticas monetárias restritivas, aumentando as taxas de juros. Isso provoca uma fuga de capitais em economias emergentes como o Brasil, gerando desvalorização da moeda nacional e pressionando a inflação. Apesar da maior persistência da inflação global e da incerteza quanto ao futuro arcabouço fiscal do país, o Comitê de Política Monetária optou pela manutenção da taxa Selic em 13,75% na reunião dos dias 6 e 7 de dezembro, pois considera que, dentre os fatores que podem reduzir a inflação interna, estão a queda adicional no preço das commodities, a desaceleração mais acentuada da atividade econômica global e a reversão do corte de impostos prevista para 2023.
Diante disto, temos que a associação da incerteza decorrente do cenário econômico global (taxas de juros das grandes economias em patamares elevados e a queda no crescimento ou recessão nestas economias) e das possíveis políticas econômicas que poderão ser adotadas pelo governo no próximo ano sinalizam algumas dificuldades que teremos que enfrentar, como a inflação persistente e o baixo crescimento econômico. Isso faz com que o Banco Central siga vigilante às mudanças no cenário e disposto a ajustar a política monetária caso uma atuação mais contundente para combater a inflação seja necessária.
(*) Paloma Santana Moreira Pais é professora da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas da UFLA
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