Na mira do PCC e da corrupção, cidade tem apenas 8% da verba de Ponta Porã
Pedro Juan mistura trânsito caótico estilo Índia e escândalo de fuga em massa, que faz lembrar corrupção como em Sinaloa
Orçamento de R$ 34,5 milhões, 130 mil habitantes e comércio como principal empregador. O raio-x é de Pedro Juan Caballero, município que carrega no nome a homenagem a um dos heróis da independência paraguaia, é marcado pela cobiça das facções criminosas e faz fronteira com Ponta Porã (Mato Grosso do Sul).
Gêmeas, as cidades se unem e se separam, no perímetro urbano, com a travessia de uma rua. No ponto mais próximo, a fronteira é um vértice. Do lado direito da bifurcação, é o Brasil. Do lado esquerdo, está o Paraguai. No quesito orçamento, a cidade paraguaia tem 8,6% da estimativa de Ponta Porã, município de MS que tem previsão orçamentária de 401 milhões.
Do lado de lá, o trânsito paraguaio lembra a fama do tumulto da Índia. Sem exigência de capacetes, os moradores reinventam a capacidade da motocicleta. Motos levam de quatro pessoas (dois adultos e duas crianças) a carga de telhas. Os acidentes graves têm status de epidemia no município paraguaio.
Já a corrupção - um dos efeitos colaterais de áreas dominadas pelo tráfico, a exemplo de Sinaloa, estado mexicano que batiza cartel-, surge em escândalos. No último dia 19, o presídio da cidade registrou fuga em massa de presos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital). A suspeita é de que foram pagos 80 mil dólares.
Prefeito de Pedro Juan Caballero, José Carlos Acevedo afirma que a cidade, capital do departamento de Amambay (equivalente a estado no Brasil), tem efetivo de 700 homens da Polícia Nacional. “Mas a segurança depende do governo nacional também, tem fronteira seca, muita corrupção e muito dinheiro. Para melhorar, tem que ter menos corrupção”, afirma, ao comentar a recente fuga em massa que colocou a cidade no noticiário mundial.
“Os cabeças, os mais espertos já fugiram para longe”, diz o prefeito, reproduzindo a tese que mais circula na fronteira, de que a fuga tinha o objetivo de libertar poucos integrantes de maior importância para o grupo.
Sobre a ligação entre a cidade e o crime organizado, José Carlos diz que primeiro chegou o Comando Vermelho, facção carioca liderada por Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. “Depois vieram Marcola e companhia”, afirma o prefeito. Marcola é apelido de Marcos Willians Herbas Camacho, liderança do PCC (Primeiro Comando da Capital).
Em 2016, Pedro Juan foi cenário de um assassinato que sacudiu a geografia do crime. Com a execução de Jorge Rafaat, o PCC avançou seu domínios sobre a cidade , forçando a migração do Comando Vermelho para o Estado da região Norte, cujo atrativo é um labirinto fluvial que permite buscar cocaína no Peru e Bolívia.
Mosquito sem fronteiras - No Hospital Regional de Pedro Juan Caballero, são muitos os cartazes que lembram que é preciso combater o mosquito Aedes Aegypti. Um dos informativos traz impresso que ele transmite dengue e zika, enquanto o chikungunya escrito à mão lembra que o rol de doenças transmitidas pelo inseto aumentou.
Na cidade, o saneamento básico fica restrito ao microcentro. Material que pode servir como criadouro se espalha pela área urbana e o perigo cresce com a chuva forte de janeiro.
"No Brasil também tem dengue, são cidades gêmeas. O mosquito não vai falar se é brasileiro ou paraguaio. Se é do partido do Bolsonaro [presidente do Brasil] ou do presidente paraguaio. Não tem fronteira para o mosquisto”, afirma José Carlos Acevedo. Na semana passada, o presidente paraguaio Mario Abdo Benítez foi diagnosticado com dengue.
Em frente à prefeitura de Pedro Juan Caballero, representantes da sociedade se revezam num protesto, sob chuva ou sol, para cobrar o repasse de dinheiro para o hospital. “Foi assinado um acordo e a municipalidade tem que transferir 5”, afirma Júlio Cabrera, 60 anos.
O aposentado participa da Associação dos Cidadãos Unidos de Amambay. Ele conta que o protesto ao estilo pressão resultou na conquista da primeira UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de Pedro Juan, que deve ser inaugurada nos próximos meses.
Fora a questão da saúde pública, Julio se abre em elogios. “A temperatura é ótima, não faz tanto calor como no resto do Paraguai e é a cidade mais alta do País”, diz. No correr das décadas, conta que viu a cidades mudar de arquitetura. “Antes, não tinha cerca nas casas. Agora tem arame, muro, segurança eletrônica. Entraram no cárcere”, diz.
A exemplo dos “irmãos” de Ponta Porã, a violência é vista como algo esporádico e que só morre traficante. O comerciante Hugo Rodriguez, 49 anos, conta que a cidade é tranquila para trabalhar e registra poucos assaltos a estabelecimentos comerciais.
Milhões de guaranis e sotaques - No Paraguai, o salário mínimo é de 2,2 milhões de guaranis, equivalente a R$ 1.450. O valor supera, no papel, o pago no Brasil, onde o salário mínimo será de R$ 1.045 a partir de fevereiro.
Mas na prática, é contratar dois trabalhadores por um único salário. O fluxo de pessoas faz da fronteira um território do português, espanhol, “portunhol” e guarani. Do lado brasileiro, a nota de consumo em restaurantes já sai com o valor em três moedas: real, guarani e dólar.