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Cidades

Relatos de mau atendimento na Deam tomam redes após áudio de Vanessa

Relatos mostram supostas falhas no acolhimento, constrangimento e desconfiança na rede de proteção

Por Fernanda Palheta | 15/02/2025 09:10
Relatos de mau atendimento na Deam tomam redes após áudio de Vanessa
Recepção da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande (Foto: Osmar Veiga)

A divulgação do áudio da jornalista Vanessa Ricarte, assassinada com três facadas no peito pelo ex-noivo, Caio Nascimento, trouxe à tona diversos relatos nas redes sociais de negligência na rede de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.

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Após a divulgação do áudio da jornalista Vanessa Ricarte, assassinada pelo ex-noivo, centenas de mulheres relataram nas redes sociais experiências negativas no atendimento da Casa da Mulher Brasileira em Campo Grande. Mais de 1.600 comentários foram registrados nos perfis do Campo Grande News, revelando um padrão de negligência e despreparo no acolhimento às vítimas de violência doméstica. Entre as denúncias, estão relatos de constrangimento, piadas durante o atendimento, descaso com casos graves de agressão e falhas no monitoramento das medidas protetivas. Advogadas que atuam na defesa das vítimas também denunciaram o tratamento inadequado, incluindo situações em que mulheres feridas foram expostas publicamente ao relatar suas agressões. Os depoimentos apontam que muitas vítimas desistem de buscar proteção devido ao atendimento precário, que inclui desde deboche até a descrença nos relatos de violência, mesmo com evidências físicas.

Nos perfis do Campo Grande News, mais de 1600 comentários foram compartilhados até o início da manhã deste sábado (15). Neles, advogadas e mulheres, que já buscaram proteção na Casa da Mulher Brasileira, descrevem a desconfiança no atendimento e o constrangimento que as vítimas sofrem no local, muitas vezes ouvindo piadas e risadas de suas histórias.

Uma advogada relatou que as mulheres que chegam à Casa saem desmotivadas, confusas e mais machucadas. “Já vi mulher sangrando, com um buraco aberto na testa, sendo colocada ao lado de outras duas vítimas, lado a lado mesmo, naquelas cadeiras que são juntas, a dois metros de distância do escrivão e tendo que gritar para contar como foi a sua agressão”, disse.

Após intervir para evitar o constrangimento da vítima, a advogada também foi mal tratada. “Ainda por cima tive que ouvir que delegados têm autonomia para interpretar a legislação conforme o seu entendimento e que mulheres também agridem”, completou.

Uma leitora afirmou que foi atendida com descaso. “Ao invés de sermos acolhidas, saímos constrangidas com atendimento pelos servidores, fazendo piadinha e conversando um do lado do outro assuntos aleatórios! E nada reservado”, descreveu.

Piadinhas também fizeram parte do atendimento de outras vítimas. Leitora descreveu a situação vivida por uma amiga. “Uma pessoa próxima a mim foi até a delegacia com hematomas de uma agressão e mesmo assim não fizeram B.O [Boletim de ocorrência]. Ainda foi constrangida, e ficaram de piadinhas. E por último ainda falaram para o agressor na frente dela que era para evitar esse tipo de mulher, que queria acabar com a vida dele. O deixaram sair pela porta da frente sem fazer nada”, relatou.

A irmã de uma leitora passou pela mesma experiência. “Minha irmã foi registrar um B.O porque o cara invadiu a casa dela, quebrou tudo e cortou todas as roupas íntimas dela. Ficaram fazendo piada com esse fato. Ficamos em choque, ela nem quis mais ir atrás por causa do atendimento de lá”, disse.

Relatos de mau atendimento na Deam tomam redes após áudio de Vanessa
Fachada da Casa da Mulher Brasileira em Campo Grande (Foto: Divulgaçao)

Outro relato compartilhado nas redes sociais mostra que o atendimento ruim não é uma exceção. “Quando precisei do Deam, tive um atendimento de centavos, com direito a cara de desdém, deboche, ironia e risadinha. É por isso que muitas mulheres morrem! É a má vontade misturada com machismo, infelizmente! Eu fui atendida por uma mulher e ela me descredibilizou completamente. Me olhava de cima a baixo e chegou a dizer que eu não tinha 'aparência' de que passei por violência”, disse.

Assim como no caso da Vanessa, outras mulheres não tiverem efetividade nas medidas de proteção.

“Nunca foram na porta de casa, como falaram que monitoram e vão saber da vítima. Nunca nem ligaram. Da última vez que fui por ameaça dele, queriam me deixar mais de seis horas esperando para fazer um B.O, mas eu tinha que pegar as crianças na escola, sem almoço. Nem ligaram e fui embora”, detalhou outra leitora. Ela ainda contou que pediram para “ir atrás do endereço” do agressor para que eles pudessem atuar no seu caso.

Outra mulher revela que o acompanhamento do caso é falho. “Ainda querem que você vá até onde o acusado está para depois chamar a polícia. No meu caso me ligaram depois de mais de seis meses para saber como estavam as coisas. Se fosse para morrer, já tinha ido”.

“Uma vez eu precisei de atendimento, eu só queria ser acolhida naquele momento. Passei horas e horas sentada, esperando atendimento, cheguei até pensar se realmente valia a pena. Um papel não impediu que o dito cujo chegasse perto de mim! Triste. Muito triste. E elas são assim mesmo, frias, te cortam o tempo inteiro. Só quem já precisou ir até a Deam sabe do que estou falando. Ainda a pessoa levou mais de 15 dias para ser intimada”, contou outra mulher.

De acordo com o relato de outra mulher vítima de violência doméstica, ao relatar que não tinha lugar para ficar, não recebeu nenhum encaminhamento. “Eu disse que não tinha onde ficar naquele dia, eles disseram que não tinha lugar para ficar. Fiquei sem chão, aí te eu pergunto, para que serve a Casa da Mulher Brasileira?”, questionou.

Ela ainda criticou a insegurança após a denúncia. “Eu perdi uma amiga assim, o rapaz ficou só três meses preso por tentativa de homicídio e quando saiu, matou ela, que medida protetiva é essa que não protege nada?”, completou.

Para muitas vítimas, outro problema enfrentado pelas mulheres é a desconfiança da própria rede de proteção. Muitas descrevem as experiências como se fossem vistas como mentirosas.

“Uma vez fui registrar um B. O. na Deam, parecia que eu estava contando uma mentira lá. Me senti com vergonha de estar naquele lugar, onde deveria me sentir segura, fiquei constrangida com as perguntas que me faziam a respeito do fato”, disse uma leitora.

Outra mulher conta que a amiga sentiu a mesma coisa. “Acompanhando uma amiga e ela saiu de lá pior que entrou! Ela me falou: amiga aqui a gente é tratada como lixo, parece que estamos mentindo”, relatou.

As mulheres também são culpabilizadas, segundo os relatos.

“Uma vez eu fui à delegacia registrar queixa de ameaça contra meu ex-marido, ele já estava morando com a atual mulher. A delegada que me atendeu me tratou mal e me disse assim: 'também, né, minha filha, você foi trair ele na própria casa de vocês enquanto ele foi trabalhar'. Eu fiquei sem entender, e expliquei que ia fazer uma queixa contra meu ex-marido. Aí que soube que ele ligou lá e falou para a delegada que perdeu a cabeça porque me pegou traindo naquele dia, sendo que estávamos separados e ele já vivia com a outra mulher dele. A delegada acreditou na primeira versão que ouviu e já foi me esculachando”, relatou uma leitora.

A reportagem tentou contato com o titular da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Mato Grosso do Sul), Antonio Carlos Videira, mas até a publicação desta matéria não teve retorno. Em nota, a  Adepol (Associação dos Delegados de Polícia de Mato Grosso do Sul) reitera que "Polícia Civil, por intermédio da DEAM, ofereceu todas as orientações e todas as medidas existentes para a tutela da segurança e vida da vítima".

As mulheres não foram identificadas para sua proteção.

Matéria atualizada às 12h para acréscimo de informação.

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