Assassina atacou cartunista na cama e "inventou" tapas
Clarice, de 44 anos, mentiu sobre como tudo aconteceu, indicam os exames feitos na casa dela
A cena do crime conta versão diferente da que foi relatada pela massoterapeuta Clarice Silvestre de Azevedo, de 44 anos, sobre o assassinato do chargista Marcos Antônio Rosa Borges, de 54 anos, crime que provocou comoção em Campo Grande no fim de novembro. A vítima foi esquartejada e as partes do corpo colocadas em três malas e depois incendiadas, em terreno no Jardim Corcovado.
O que foi levado a público, a partir da confissão dela, indica crime cometido durante acesso de raiva, envolvendo o revide a episódio de violência. Mas a “Capivara Criminal” apurou a existência de indícios de premeditação e de que sequer aconteceram os tapas citados pela assassina confessa.
Depois de entregar-se à polícia em São Gabriel do Oeste no dia 24 de novembro, Clarice disse ter cometido o assassinato ao sentir muita raiva, por ter sido estapeada no rosto pelo Marcos, durante discussão motivada por ciúmes da parte dela.
Na dinâmica relatada por Clarice, houve empurrão, homem caiu da escada e foi parar em cima de um colchonete. Só aí, foi golpeado, não sabe quantas vezes, com uma faca.
Na sequência, para tentar se livrar do corpo, ela esquartejou o cadáver, com a ajuda do filho de 21 anos, colocou nas malas e levou para terreno vizinho à casa do rapaz. Entre a casa dela, no Monte Castelo, e a do filho, na saída para Sidrolândia, Clarice ficou cerca de 20 horas até abandonar os restos mortais do cartunista.
Ele ficou sem vida no imóvel do Monte Castelo enquanto ela preparou tudo para o esquartejamento, inclusive com luvas e sacos plásticos comprados de caso pensado, além de ter limpado as paredes com água sanitária. De noite, quando o filho chegou, o cadáver foi separado em partes, usando faca de cozinha, colocado nas três malas e transportado até a casa do filho, no porta-malas do carro de amiga à qual pagou R$ 70 falando serem roupas para doação.
Na casa do filho, esperavam até as quase 3h para levar as malas a imóvel abandonado, no Jardim Corcovado, a poucos metros de distância. Ali, enquanto a mãe vigiava a rua, o rapaz fez todo o trabalho, até atear fogo e voltar para a residência onde a mulher dormia.
A rua estava escuro, mas havia uma festa que obrigou os dois a se esgueirarem para não ser vistos.
Não foi assim - Os exames feitos no lugar onde Clarice cometeu o assassinato, no Monte Castelo, indicam que ela contou os fatos de forma diferente como aconteceram. Marcos Borges, conforme a investigação jornalística da coluna, estava na cama usada por Clarice, possivelmente de costas, quando levou a primeira facada.
E que diferença faz isso? Muda radicalmente a sequência de fatos relatada por ela e pode agravar ainda mais a acusação. Se tudo começou na cama, e não numa luta corporal, as facadas vieram primeiro e não houve sequer tempo para tapas ou empurrão.
Por ora, Clarice está respondendo por homicídio doloso, ocultação e destruição de cadáver. Se ficar confirmado, ao fim do inquérito, que ela planejou tudo, podem ser acrescidas qualificadoras que ampliam a possibilidade de punição e dificultam a defesa diante de eventual tribunal do júri.
Ao ser ouvida na Polícia Civil, a massoterapeuta declarou que havia marcado sessão de massagem com Marcos no dia 21 de novembro, pouco antes das 8h, que era o horário tradicional dele. A relação, informou a mulher, já durava mais de 9 meses, e havia passado do atendimento profissional para relacionamento envolvendo sexo, mas não atendia às expectativas dela.
Clarice queria namoro e, conforme contou, ficou bastante ofendida dias antes quando Marcos cogitou arrumar uma namorada, porém não seria ela. Ficou mais chateada ainda, quando viu nas redes sociais de Marcos, no encontro do dia 21, fotografia com outra mulher.
Ela admitiu ter tentado tirar satisfação e, partir disso, houve a discussão e os tapas alegados.
Eu não matei porque fiquei com ciúmes, eu fiquei com raiva por causa dos tapas”, insistiu em seu interrogatório.
Trajeto de sangue - No dia 25, quando ela já havia se entregado, foram feitos testes com luminol na casa onde vivia e atendia a clientela. A substância é usada para evidenciar a presença de sangue no escuro, a partir de reação química.
É o “caminho” de fluído corporal revelado que desmente a versão dela e mostra o início de toda a cena violenta na cama, o que não foi citado em momento algum.
O inquérito corre na DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídios). O titular do inquérito, Carlos Delano, havia pedido a prisão de Clarice no dia 23 de novembro, antes mesmo de o corpo de Marcos ser encontrado, em razão do comportamento dela.
Com a assassina confessa presa temporariamente por 30 dias, a condução da investigação tem até o fim desse mês para ficar pronta. A partir daí, a peça é relatada e aguarda a apreciação do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), responsável por apresentar a denúncia ao Judiciário.
O filho de Clarice, João Victor Silvestre de Azevedo Leite, de 21 anos, pelo que mostram as apurações, soube de tudo só quando a mãe o chamou na casa dela para ajudar a sumir com o corpo. Ao chegar no lugar, deparou-se com o cartunista morto.
Apavorado, segundo sua própria definição na delegacia, só pensou em ajudar a mãe. Diferente do que chegou a ser divulgado, ele não tem passagens policiais.
Vai ser enquadrado no crime de ocultação e destruição de cadáver.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulgar informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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