"Pedreiro Assassino" quer provar a júri que teve "motivos"
Cleber Carvalho, que confessou 7 homicídios, há um ano, tem dois julgamentos prestes a acontecer
Até o dia 7 de maio do ano passado, Cleber de Souza Carvalho, 43 anos, nunca tinha sido notícia. Era um pedreiro conhecido apenas na região da Vila Nasser, em Campo Grande, por prestar serviços a moradores de imóveis oriundos, em grande parte, de invasões de terrenos particulares. Na Justiça, sofria processo referente a furto, e só.
Um ano depois, tudo mudou. Hoje, Cleber é detento à espera de julgamento por infrações penais cuja pena, somada, pode passar dos 200 anos de reclusão. De "Filé", como prefere ser chamado, passou à alcunha de "Pedreiro Assassino".
Das sete mortes confessadas pelo serial killer, dois processos estão a caminho do júri popular. Os outros aguardam conclusão de inquérito. A postura da defesa teve reviravoltas e, agora, a estratégia escolhida é confirmar a confissão, mas tentar convencer o júri a amenizar as condenações. Para isso, não estão sendo apresentados mais recursos que costumam adiar o julgamento.
Outra tentativa é inocentar mulher e filhas acusadas de participação no caso que levou à descoberta dos crimes em série. A filha, conforme a defesa, tem raciocínio de "criança", "vive em mundo de fantasia". A mãe, segundo a mesma fonte, foi presa com base na confissão da jovem, "totalmente incapaz".
Do lado da acusação, conforme a investigação jornalística, existe a leitura de que os pais se aproveitaram da condição psicológica da filha no episódio.
Contra eles, há indícios também de negligência no cudado da jovem, a ponto de a mãe deixar de levar a filha para exames e depoimentos em investigação de estupro sofrido quando criança.
Ainda assim, aos jurados, indica a apuração da Capivara Criminal, Cleber vai ser apresentado como homem cuidadoso com a família, humilde, de fala mansa, trabalhador, que matou em momentos extremos, como por exemplo durante briga envolvendo dinheiro emprestado de agiota para ajudar a vítima.
Padrão - Segundo ele próprio admitiu, cometeu todas as mortes em contexto parecido: com pauladas ou golpes de barra de ferro na cabeça das vítimas. Eram homens, sozinhos e a maioria idosos. Depois da morte, essas pessoas eram privadas também da despedida digna: "Filé" escondia os corpos, normalmente enterrando, mas um deles jogou no poço da residência do assassinado.
Conforme a denúncia, se aproveitava da situação para ficar com bens dos mortos. Os autos indicam ter ficado com veículos de homens que matou e ter colocado casas deles para aluguel. O fato de serem imóveis sem escrituração legalizada, facilitava isso.
No primeiro homicídio descoberto, a mulher e a filha foram presas, como cúmplices. A família estava morando na residência do comerciante José Leonel Ferreira dos Santos, de 62 anos, que teve o corpo enterrado no quintal da casa dele, na Vila Nossa Senhora Aparecida, no dia 2 de maio do ano passado.
"Filé" fugiu, ficou escondido na casa de parentes na região norte da cidade e acabou preso no dia 15 de maio, localizado por equipe do Batalhão de Choque da Polícia Militar.
Já estava com previsão preventiva decretada, por solicitação da DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídio), acionada pela família do desaparecido.
José Leonel Morava só, aos fundos de comércio mantido por ele. Mas não era uma pessoa sem ninguém para se preocupar com ele, como outros mortos pelo criminoso. Os irmãos estranharam o sumiço, e a tragédia emergiu para a família.
Na quinta-feira, 7 de maio do ano passado, a equipe começou às 14h a desvendar o sumiço, e às 22h, mais ou menos, achou o corpo enterrado no quintal. A partir daí, emergiu a tragédia para uma família. Para a comunidade, revelou-se o assassino em série, até então incólume.
Pelas caraterísticas desse fato, houve desconfiança logo de cara de se tratar de um serial killer. Depois de preso, a suspeita virou fato.
"O Pedreiro Assassino", entre a prisão na madrugada da sexta, dia 15 de maio, e a manhã de sábado, 16 de maio, foi admitindo novas mortes. A céu aberto, colaborou com as escavações. O semblante era de um homem "tranquilo". Ou frio, sem emoções, típico de quem tira vidas com facilidade e método.
A cronologia levantada indica que depois de José Leonel - assassinado por volta de uma hora do dia 1 de maio, sábado- Cleber vitimou Timóteo Pontes Roman, morador da Rua Netuno, na Vila Planalto, na mesma região, no dia 2 de maio, domingo, por volta das 7h, pouco mais de 24h depois.
Alegou ter sido contratado para um serviço por Timóteo e usou o momento para perguntar sobre dívida do aposentado com ele, derivada de empréstimo feito junto a agiota. Segundo a defesa apresentada, gastava R$ 450 de juros por mês para pagar essa conta.
Sobre esconder o corpo, disse na frente do juiz não ter certeza de que o homem havia morrido, por isso jogou no poço do fundo do quintal.
Se ele acordasse, me entregava", declarou.
Sem ajuda - Em relação ao comerciante José Leonel Ferreira dos Santos, 62 anos, última vítima em cronologia, mas o primeiro caso a ser desvendando, a alegação é de ter havido briga entre os dois. Nesse caso, a dedicação da defesa é em provar que Cleber agiu sem a participação da mulher, Roselaine Tavares Gonçalves, a "Laine", presa em Corumbá no momento, nem da filha, Yasmin, de 20 anos, cujo processo foi desmembrado.
Yasmim, de 19 anos, foi declarada incapaz, depois da instauração de incidente de insanidade mental. Ela foi diagnosticada com um tipo de retardo mental. Está em liberdade aguardando andamento da ação em separado. Para ela, a punição pode incluir internação sem prazo.
No argumento defensivo atual, José Leonel estaria de conluio com a dona original dos terrenos para despesar as famílias moradoras ali há muitos anos. Há terrenos ali que são alvos de disputa judicial.
Andamento - Para as ações referentes a José Leonel e Timóteo, os processos estão prontos para ir à análise dos sete jurados, como define a lei brasileira. Eles dizem se o réu é culpado e o juiz, a partir disso, aplica a pena.
A diferença no trâmite é que no processo sobre a morte de José Leonel, que começou com a família toda acusada, houve recurso ao TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), na tentativa de retirar qualificadoras contra Cleber e de inocentar a esposa dele. O pedido foi negado. Agora falta marcar a data do julgamento.
Desde o primeiro contato, Cleber mantém sua narrativa, desde o interrogatório em sede policial, nos diversos encontros que tivemos e em juízo, ele sempre conta a mesma história. Sempre!, afirma o advogado Dhyego Fernandes Alfonso, sobre a morte de José Leonel.
De acordo com ele, o cliente está disposto a demonstrar a família não está envolvida em nenhuma morte. "Já refizemos o trajeto que ele fez para buscar imagens que atestem que tanto a mulher, quanto a filha não tiveram nenhuma participação no crime, porém o bairro é de pessoas humildes, as ruas maioria de chão batido e sem câmeras de segurança". relembra.
"Cleber aguarda pelo julgamento. A defesa vai demonstrar que ele agiu sozinho e teve seus motivos", afirma.
Sobre a morte de Timóteo, Cleber foi mandado a júri, e a decisão foi de nem tentar recorrer do entendimento.
Na visão do defensor, "como a sentença de pronúncia é mero juízo de admissibilidade, a defesa vai apresentar a insuficiência probatória para quem de fato interessa, o júri."
Mudanças - O primeiro causídico a representar Cleber, Jean Carlos Cabreira, chegou a alegar insanidade mental. Também tentou fazer a justiça fechar o processo e dificultar a cobertura jornalística. Citou, ainda, tortura do preso, classificando isso como método de toda a polícia. Para além da polêmica criada, nada disso prosperou.
Jean acabou renunciando, alegando falta de pagamento.
Incomum é o mínimo para se dizer de esse capítulo da história policial em Campo Grande. As sete mortes, perpetradas em quase dois anos, foram esclarecidas em menos de uma semana.
Para as investigações em fase judicial, o júri ocorre nos próximos meses, tudo indica. Para os outro cinco homicídios não há previsão de término dos inquéritos na DEH. Cleber, enquanto isso, cumpre a prisão preventiva no IPCG (Instituto Penal de Campo Grande), na saída para Três Lagoas.
Lá, segundo a definição do advogado, não dá trabalho. "É uma pessoa de bom relacionamento, nunca teve problemas com outros internos, respeita os demais e é respeitado. Está aguardando uma disponibilidade de serviço, pois não aguenta mais ficar parado", diz.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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