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Capital

Corredor cultural quer transformar comunidade Tia Eva em "Pelourinho"

Projeto que será lançado hoje quer fazer da comunidade quilombola um ponto de cultura e turismo na Capital

Paula Maciulevicius Brasil | 20/05/2021 17:53
Como corredor cultural e gastronômico, comunidade vai ter rua diminuída para ganhar calçada que abrigará cultura, gastronomia e arte. (Foto: Kísie Ainoã)
Como corredor cultural e gastronômico, comunidade vai ter rua diminuída para ganhar calçada que abrigará cultura, gastronomia e arte. (Foto: Kísie Ainoã)

Estilo "Pelourinho de MS", é assim que a comunidade Tia Eva espera ver a região depois que o projeto do corredor cultural e gastronômico sair do papel e tomar a principal via da comunidade, Rua Eva Maria de Jesus.

O lançamento oficial do projeto acontece logo mais, na noite dessa quinta-feira (20), e vem com a proposta de requalificação urbana para receber espaços de lazer, feiras para incentivo do comércio local, além de encontros culturais e eventos.

Projeto do vereador Ronilço Guerreiro (Podemos), o corredor será implantado na via principal da comunidade. A rua que hoje mede 6,50m vai ser reduzida para 3,20m para dar lugar a calçadas maiores, mobiliário urbano e assim criar espaços de interatividade. A região também vai receber obras de pavimentação, drenagem, iluminação, arborização, além de ter definida uma identidade visual para a comunidade.

Em frente à igreja, o projeto também prevê uma praça de eventos. Com orçamento estimado em R$ 3,6 milhões, o lançamento de hoje será o pontapé para a captação de recursos.

Em frente à igreja, praça receberá eventos, além de ter readequação da via. (Foto: Kísie Ainoã)
Em frente à igreja, praça receberá eventos, além de ter readequação da via. (Foto: Kísie Ainoã)

"Vamos falar hoje sobre como vamos captar recursos, parte virá de emendas parlamentares, já conversamos com alguns deputados e senadores para conseguir os R$ 3,6 milhões. O valor não é grande diante do tamanho da expressão da obra para a comunidade", avalia o vereador.

Hoje também será explicado aos moradores da comunidade o passo a passo do projeto e ainda terá o lançamento de um curso de confecção de bonecas de cerâmica para 20 artesãos da região.

"Existem corredores culturais que eu faço fantástico pelo País, como o Pelourinho. O corredor cultural da Tia Eva vai receber um público diversificado focado da cultura, dança, literatura, música, artesanato, gastronomia, além das manifestações culturais da própria comunidade", imagina Ronilço.

Depois de lançado, o projeto vai capacitar moradores no empreendedorismo, atividade que muitos ali já exercem no fundo de casa, com confecção de bonecas negras, tranças de cabelos, roupas e comudas.

Busto de Tia Eva, fundadora da comunidade e quem construiu igreja. (Foto: Arquivo/Fernando Antunes)
Busto de Tia Eva, fundadora da comunidade e quem construiu igreja. (Foto: Arquivo/Fernando Antunes)

A ideia do vereador vem ao encontro com um projeto já aprovado pelo FMIC para restauração arquitetônica da Igreja de São Benedito. "Vamos revitalizar a comunidade, restaurar a capelinha, o salão, fazer aquela rua rebaixar, ter muros coloridos como as cores afro", resume o parlamentar.

A valorização histórica e cultural já está sendo sentida pela comunidade. Presidente da Tia Eva, Ronaldo Jefferson da Silva, de 40 anos, é tataraneto de Tia Eva. Apesar de ter nascido em Cuiabá, a capital de Mato Grosso ficou apenas em sua certidão de nascimento, porque há quarenta anos ele vive na comunidade.

"Na prática o corredor significa uma mudança histórica e ao mesmo tempo uma valorização da comunidade", diz. Os moradores já vem conversando entre si sobre os serviços que cada um oferece no fundo de casa e que agora veem no projeto a possibilidade de dar holofote aos trabalhos.

"Tem muita gente aqui que faz comida, doce, cabelo, as bonecas de artesanato. Temos muitos talentos que estão na informalidade e acabam fazendo por encomenda. O corredor será uma coisa de trazer estes talentos da comunidade para a sociedade campo-grandense ver", afirma.

Projeto quer trazer as cores, a cultura afro para fachada de casas e rua da comunidade. (Foto: Kísie Ainoã)
Projeto quer trazer as cores, a cultura afro para fachada de casas e rua da comunidade. (Foto: Kísie Ainoã)

Há dois anos à frente da comunidade, Ronaldo acredita que desta vez o projeto deve sair do papel. "Algumas pessoas mais antigas da comunidade dizem que o corredor já foi falado anteriormente, mas acredito que estamos no caminho para que tudo ocorra e ele aconteça", espera.

No início do ano, quando Ronaldo conta que começaram as conversas para o projeto, ele falou da vontade que tinha de ver ali ser um Pelourinho aos moldes da Bahia. "Somos uma comunidade quilombola histórica e ainda assim não temos uma identidade neste sentido nas casas. Temos a igreja histórica, que todo mundo conhece, mas a fachada das casas deixa a desejar. Será um marco, para as pessoas que vem de fora, conhecerem a comunidade como uma comunidade quilombola", anseia.

Para exemplificar como é vista a Tia Eva fora dali, Ronaldo relembra que quando se formou na UCDB, ao dizer que morava na comunidade, as pessoas se referiam ao lugar como "favelinha".

"As pessoas acham que aqui é favela e eu dizia não, eu moro numa comunidade quilombola. Com esse projeto, creio que vai melhorar muito a autoestima de quem mora aqui, até para investir na própria casa", comenta.

O Pelourinho mesmo, Ronaldo diz que só conhece pela televisão, mas o que ele sente ao ver as imagens é o que espera acontecer na comunidade. "Ser um lugar organizado, que tem suas peculiaridades culturais, a música, a dança, a capoeira, só coisas afrodescendentes que a gente também quer buscar".

Festas a São Benedito são feitas todos os anos em maio, em cumprimento do último pedido feito por tia Eva. (Foto: Arquivo/Paulo Francis)
Festas a São Benedito são feitas todos os anos em maio, em cumprimento do último pedido feito por tia Eva. (Foto: Arquivo/Paulo Francis)

História - A história da comunidade se confunde com a própria narrativa de Tia Eva. Escrava nascida em Mineiros, no Estado de Goiás, Eva Maria de Jesus sempre sonhou um dia poder criar suas filhas com a melhor educação do mundo.

Casada por duas vezes, Eva Maria teve três filhas: Joana, Lázara e Sebastiana. Em 1887, aos 49 anos, Eva finalmente teve sua carta de alforria, momento em que pode realizar seu segundo sonho, ir para o Mato Grosso (até então um só estado) e construir um local para os seus descendentes.

Saiu de Goiás e chegou onde hoje é Campo Grande em 1905, aqui trabalhou como lavadeira, parteira, cozinheira, curandeira e benzedeira. Um dos pontos mais destacados da história de Eva era de que, apesar de ser escrava, sabia ler e escrever. Procurada por inúmeras pessoas, se tornou referência na comunidade, o que lhe deu dinheiro. Em 1910, Eva comprou oito hectares de terra onde hoje residem mais de 60 famílias descendentes.

Pela fé de Eva, a comunidade também levou o nome de São Benedito, isso porque devota do santo, ela fez promessas ao padroeiro e como fora atendida, construiu em 1912 a igreja de São Benedito.

Antes de morrer, em novembro de 1926, tia Eva fez seu último pedido, aos 88 anos, que nunca deixassem de fazer a festa para o santo, no mês de maio, com nove dias de comemoração. Em 2008, a comunidade foi reconhecida como quilombola pela Fundação Cultural Palmares.

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