Na Campo Grande de R$ 4,7 bilhões, não sobrou R$ 1 para rua tomada pela lama
A cidade acumula 30% das vias sem pavimento, obras eternas e desperdício de dinheiro público
Dos R$ 4,7 bilhões do orçamento de Campo Grande em 2022 ainda não chegou um real para asfaltar a Rua Fidélis Bucker, no Jardim Los Angeles, em Campo Grande.
Na via de terra, a enxurrada faz a lama virar obstáculo para que Fernanda Vitória da Silva, 19 anos, consiga passar com o carrinho do bebê Marcos, de 8 meses. Ao lado, outra criança, o filho Guilherme, de 2 anos. Mas as dificuldades com o carrinho passam longe de ser o pior problema que já enfrentou em meio ao barro da Fidélis Bucker.
Ela conta que há sete meses, quando passava pela via, junto com o então marido e o bebê, todos caíram na lama após a motocicleta escorregar. “O Marcos tinha só 20 dias. Isso aqui não tem mais jeito não. Eles mandam máquina, mas a chuva vem e leva tudo”, diz Fernanda, que há 11 anos mora no Jardim Los Angeles.
Na Rua Galeão, no Bairro Aero Rancho, Maria de Fátima Pereira, 64 anos, segue à espera da chegada da pavimentação. Há frente de obras de asfalto no entorno, mas a rotina na rua ainda é lama ou poeira.
“Quando está seco é poeira e quando chove é barro”. Na última quinta-feira, a rua também era transtorno pelo fedor, pois o lixo não havia sido recolhido.
“Minha esperança é de que a obra do asfalto chegue quando as chuvas passarem”, diz Maria, que há sete meses se mudou de São José do Rio Preto (interior de São Paulo) para Campo Grande.
Em junho, a Rua Galeão foi notícia pelo lamaçal, o que evidencia problema recorrente. Na ocasião, patrola “salvou” um Fiat Uno do atoleiro, mas Fiat Pálio ficou na lama porque a máquina pesada também corria risco de atolar.
Os dados do Perfil Socioeconômico da Capital mostram um gigante com pés de barro. Na cidade, 30% das ruas não têm pavimentação. Em 2020, o total de vias na área urbana atingiu 4.061,50 quilômetros, onde 2.874,00 quilômetros são pavimentadas e aproximadamente 1.187,50 quilômetros são de chão. O dado foi verificado com base nas informações do Google Street View / Google Maps.
Nesta semana, bastou a chegada de temporada de chuvas de começo da Primavera para que semáforos amanhecessem desligados ou intermitentes em Campo Grande. O problema deixou o trânsito confuso, exigindo atenção redobrada de motoristas para que a falha do poder público não resultasse em acidentes. A Capital tem parque semafórico de 580 equipamentos para controlar o trânsito.
A obra histórica pelo desperdício – Na entrada da construção do Centro de Belas Artes, no Bairro Cabreúva, a placa da obra pela metade mostra que pela enésima vez uma nova empresa vai assumir o projeto.
As placas com nome da contratada em janeiro foram removida após o contrato ser rescindido. Na última segunda-feira, a conclusão de parte do prédio foi assumida pela Campana e Gomes Engenharia Ltda, segunda colocada na licitação e que trocou o Espírito Santo por Campo Grande. Agora, foi aberto prazo de mais um ano para conclusão dos trabalhos, ao custo de R$ 3,9 milhões.
“Vamos fazer toda a reforma. Incluindo parte elétrica, hidráulica, pintura, piso, forro, telhado, acabamento. Vão ser 40 trabalhadores”, afirma Antônio Carlos Alves Gomes, sócio da empresa de engenharia.
Na parte que voltou a ter obras, o Centro de Belas Artes exibe as marcas do tempo, como forro caído, contrapiso quebrado e pichações. Já no restante do prédio, o cenário de abandono se intensifica: com muito lixo e entulho de construção.
No portal de obras da prefeitura, canal de divulgação oficial do Poder Executivo, os dados ao cidadão permanecem defasados. No mundo virtual, o empreendimento ainda é executado pela Orkan Construtora (que já teve contrato rescindido), com prazo de conclusão em novembro.
Localizada na Avenida Ernesto Geisel com a Rua Plutão, a obra está há três décadas em andamento, portanto é histórica pelo desperdício de dinheiro público.
Em 1991, no governo de Pedro Pedrossian, o projeto previa a construção de uma nova rodoviária em Campo Grande. Passados quinze anos, em 2006, a obra saiu das mãos do governo e passou a ser administrada pela prefeitura. Desde sempre, a crônica é de anunciar sucessivos prazos de inauguração, captação de recursos federais e processos de licitação.
Avenida da erosão – Ao lado do Ginásio Poliesportivo Avelino dos Reis, o Guanandizão, placas alertando sobre erosão já estão incorporadas à paisagem da Avenida Ernesto Geisel. Mas o asfalto segue desbarrancando sem intervenção.
Percorrer as margens do Rio Anhanduí pela avenida, também chamada de Norte/Sul, mostra a extensão do problema. Enquanto o paredão de pedra está íntegro em frente a shopping, as margens seguem sujas e desabando conforme se avança para a periferia. O barranco tem barraco, moradia improvisada para dependentes químicos, e muito lixo.
“É difícil alguém limpar e esse ano ninguém veio ainda”, conta Rafael Santos, 25 anos, que trabalha ao lado da Avenida Ernesto Geisel. Ele afirma que o lixo é deixado pelos dependentes químicos, que perambulam pela região.
Obra e flagelo social – Problema há décadas, a antiga rodoviária, no Centro de Campo Grande, só entrou em obras há dois meses.
Trabalhando há 12 anos numa cooperativa que se instalou no local após a transferência do terminal rodoviário, Angela Ajala espera que a obra ande rápido, apesar da divergência de informações. A placa promete término em 2023, enquanto a prefeita Adriane Lopes (Patriotas), ao lançar a revitalização em julho, prometeu a entrega no mês de dezembro.
Mas enquanto a prefeitura revitaliza os cinco mil metros quadrados de parte pública do Terminal Rodoviário Heitor Eduardo Laburu, ao custo de R$ 16,5 milhões, sendo o maior desembolso do governo federal (R$ 15,3 milhões), segue um drama social. Os dependentes químicos atravessaram a rua e ocuparam galpões. Nesta cracolândia no coração da cidade, dezenas de homens e mulheres circulam sem rumo num drama social sem fim.
Desativada em 31 de janeiro de 2010, a rodoviária de Campo Grande já teve vários projetos. Primeiro, o espaço foi requisitado pelas universidades, mas os projetos não saíram do papel. As propostas ainda incluíram a instalação de uma incubadora dekassegui, um restaurante popular e prédio do Tribunal de Justiça.
Outro lado - A resposta do poder público é quase sempre a mesma. Sobre as ruas Galeão e Fidélis Bucker, a prefeitura alega que não há previsão de recursos para investimentos no orçamento deste ano.
A promessa é de que equipes vão aos bairros para garantir a melhoria do tráfego assim que o tempo melhore. Ainda de acordo com a prefeitura de Campo Grande, nos últimos seis anos foram executados 400 quilômetros de asfalto, total que inclui pavimentação e recapeamento.
Em relação ao Centro de Belas Artes, a resposta do Poder Executivo é que a obra foi retomada e a empresa segue com os serviços dentro do cronograma.
Quanto ao Rio Anhanduí, a novela continua. Conforme a prefeitura, será lançada uma nova licitação para a retomada e conclusão das obras de revitalização do trecho entre as ruas Abolição e Aquário.
Sobre as pessoas em situação de rua no entorno da antiga rodoviária, a prefeitura alega que elas recusam atendimento. Enquanto isso, o Programa de Ação Integrada e Continuada de Atenção às Pessoas em Situação de Rua segue discutido ações “que visam o acesso efetivo a novas oportunidades de acolhimento, saúde, direitos a cidadania, qualificação profissional, segurança e inserção no mercado de trabalho”.
A Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) informou que devido à oscilação de energia em períodos de tempestades, os controladores dos semáforos - como modo de proteção - ficam piscante para não queimar.
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