Sem advogado, Jamilzinho reclama de promotor e de isolamento em presídio
Empresário falou por 20 minutos a força-tarefa em interrogatório sobre execução por engano de estudante
No dia 27 de setembro de 2019, a operação Omertà prendeu o empresário Jamil Name Filho, 42 anos, como um dos líderes do que foi chamado pelas autoridades de grupo de extermínio em Campo Grande. Dois meses depois, ele foi ouvido por videoconferência na penitenciária federal de segurança máxima de Mossoró (RN), sobre a morte de Matheus Coutinho Xavier, assassinado aos 20 anos no lugar do pai, o capitão reformado da Polícia Militar Paulo Roberto Xavier, 42 anos.
Em pouco mais de 20 minutos de conversa com cinco delegados da força-tarefa criada para investigar a execução de Matheus e outras três pessoas, o empresário, de 42 anos, reclamou de algumas das acusações contra ele, criticou o comportamento de um promotor presente no dia de sua prisão e ainda afirmou “entender o trabalho da polícia”. O material foi anexado ao processo na sexta-feira, 31 de janeiro.
Jamilzinho, como é conhecido, pediu "a palavra” ao delegado Thiago Macedo dos Santos, que coordenava o interrogatório, antes mesmo de responder o questionário básico, com nome, endereço e número dos documentos.
Os desabafos começaram assim que o delegado perguntou se ele tinha alguma condenação na justiça. O empresário lembrou que em 2007 foi alvo da Operação Xeque-mate, mas que foi absolvido após responder apenas duas perguntas durante julgamento na Justiça Federal. “E eu tenho tudo isso aí taquigrafado, gravado, e isso aí vai ser juntado depois nos autos dessa operação", diz. "Eu fui vítima do Estado uma vez por ilações, invenções e suposições”, acusou.
Carro blindado - Ao ser perguntado dos filhos, Jamilzinho pediu licença para deixar registrado no vídeo que compraria um carro blindado. O medo, segundo ele, era ser interpretado da maneira errada, como se “tivesse temendo ou envolvido com alguma coisa”. Justificou então que está a 4 mil quilômetros da família e que o veículo seria para uso e segurança deles.
Em seguida, Jamil Name Filho quis dar outro recado. “Eu quero deixar, e tem outra coisa, que eu não tenho nada pessoal, nem nada contra o doutor Fábio Peró, pode ser o doutor Fábio Peró, doutor Antônio, doutor Carlos, doutor João. O delegado que tiver vai cumprir seu trabalho. Se ele achou por bem investigar, denunciar, ou achar que eu tenho qualquer coisa, ou outra pessoa, ele cumpriu o trabalho dele”.
No depoimento, Jamilzinho alega saber que se qualquer coisa acontecer ao delegado titular do Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestro), ele e o pai, Jamil Name, serão apontados como mandantes e negou que tenha algo contra o policial. “Pelo contrário, acho que depois do pai e da mãe dele, as primeiras pessoas que querem que nada aconteça com ele é a gente”.
A fala do empresário remete ao motivo da transferência dele, do pai e de outros quatro presos pela operação do CT (Centro de Triagem) Anízio Lima de Campo Grande, dias após a prisão. Denúncias anônimas alertaram a polícia que um plano de execução ao delegado estava sendo organizado pelo grupo, dentro do presídio.
Por esse motivo, a justiça determinou que todos fossem para instituições penais federais. Primeiro, os seis foram levados a Penitenciária Federal de Campo Grande, e em seguida para Mossoró, onde permanecem presos preventivamente.
Jamilzinho aproveitou o momento para criticar a determinação judicial. “Denúncia anônima dentro do presídio por pessoas idôneas, o que elas estão fazendo dentro do presídio então, se elas são tão idôneas assim e porque não são apresentadas, qual o problema, quem tá falando a verdade não tem por que se esconder. É igual eu vou fazer”, alertou, visivelmente nervoso.
Confira trechos de depoimento:
Sem advogado – No primeiro mês preso, Jamilzinho foi defendido pelo advogado Renê Siufi, mas logo ficou “sozinho”. Durante o interrogatório, que aconteceu em novembro, explicou que ainda estava conversando com alguns profissionais, mais uma vez reclamou de sua situação e criticou o método de depoimento por videoconferência.
“Nem de negócios”. Nesse trecho, lembrou do dia em que foi chamado para ir ao Garras e foi interrogado pelo delegado João Paulo Sartori.
Queixas - Chamando o delegado de “educado e profissional”, Jamilzinho citou o comportamento dele no dia de sua prisão e condenou, sem citar nome, a atitude de um promotor do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) que acompanhou as buscas em sua casa.
“Um promotor ficava bem na porta rindo da minha cara. Isso eu gostaria de deixar aqui, rindo mesmo. E eu tive o desprazer de perguntar o nome dele, eu acho que isso aí é uma pessoa despreparada para estar em uma condição dessa", disse.
"Não sei se é esquizofrenia, ou se é uma alegria incontida daquele ser incumbido, que tem algum problema, e quando ver alguma coisa na vida dos outros que não seja boa começa a rir”.
Ao relatar a cena, Jamil Name Filho altera o tom e voz e afirmou: “Doutor Thiago, eu falo, comigo não tem essa história, o senhor tá entendendo? Eu falo olhando no rosto. Eu não faço pelas costas, nem bebendo, nem usando outro tipo de coisa, eu falo é no olho”.
Depois do desabafo, o empresário afirmou aos delegados que vai colaborar e responder a todas as perguntas que eles fizerem, mas apenas quando tiver “amparo legal”. “Eu não tenho advogado, não tenho testemunha [..] Então, quer dizer, tem cinco delegados, tem promotor que deve ter feito a denúncia, tem testemunha, tem acusador que fala o que quer e eu não sei o porquê nome está ai, eu não sei por qual motivo, o senhor entendeu? Tudo isso, então eu quero ter o mínimo de condições legais para poder responder à pergunta de vocês sem problema nenhum”. Ao fim ele ainda reforça que “tem muita coisa para responder”.
O interrogatório então é encerrado. Na sequência, Jamil responde a um questionário sobre sua vida pessoal e deixa a sala, depois de mais uma vez reclamar do depoimento por videoconferência. “Desculpa, nunca fiz isso, não sei como funciona. Não fiz videoconferência nem em negócios”, diz para um agente penitenciário enquanto se levanta da cadeira.
Policial – No mesmo dia, os cinco delegados também ouviram o policial civil aposentado Vladenilson Daniel Olmedo, também preso durante a Operação Omertà como agente do grupo de extermínio.
Segundo as investigações, seguindo as ordens dos líderes da organização criminosa, o réu encomendou o assassinato de Paulo Roberto Xavier, que acabou vitimando o filho dele e ainda passou aos pistoleiros sua localização. Vladenilson, no entanto, optou por permanecer em silêncio e só se manifestar em juízo.