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Capital

Suspeito de lavagem, conselheiro pagou 460 mil em espécie em 1ª parcela de casa

PF acusa conselheiro afastado de crimes de peculato e lavagem de dinheiro envolvendo contratos do TCE

Por Silvia Frias | 12/07/2024 14:07
Imóvel na Rua Euclides da Cunha que teria sido comprado, de fato, por Waldir Neves e, posteriormente, vendido (Foto: Paulo Francis)
Imóvel na Rua Euclides da Cunha que teria sido comprado, de fato, por Waldir Neves e, posteriormente, vendido (Foto: Paulo Francis)

O vai e vem de dinheiro, parte em espécie, imóveis e quotas de "investimento" misterioso entre empresas de informática, são descritos em inquérito da Polícia Federal como manobra usada para justificar a compra de casa de luxo na Rua Euclides da Cunha e acobertar crimes de lavagem e peculato, atribuídos ao conselheiro afastado do TCE (Tribunal de Contas do Estado), Waldir Neves.

Nesta semana, Neves foi alvo da Operação Casa de Ouro, a 3ª fase da investigação inicialmente denominada Mineração de Ouro, que trata de fraudes em contratos firmados por meio do TCE/MS com empresas de informática e que atenderiam a interesses particulares.

A investigação cita imóvel de alto padrão, localizado na Rua Euclides da Cunha, negociado em 2016 e que teria como dono, de fato, Waldir Neves, apesar de ficar em nome de laranja. Em 2018, a casa foi vendida.

Segundo a PF, o imóvel foi colocado em nome da empresa do amigo de infância de Neves, Vanderlei Morais, por meio de contrato celebrado com João Nercy Cunha Marques de Souza, naquela ocasião, assessor e funcionário particular do conselheiro. O vendedor do imóvel é Abelardo Teixeira Fraga, proprietário da OM2L Soluções em Informática Ltda.

Naquele período, a primeira parcela do imóvel, de R$ 460 mil, foi paga em espécie por Waldir Neves. A movimentação foi considerada suspeita pela PF, já que “não há qualquer sentido em utilizar altos montantes de dinheiro em espécie para atividades lícitas”.

Segundo investigação, a metodologia seria utilizada para desvincular fornecedor e o destinatário do dinheiro por envolver crime, “ao que tudo indica, proveniente dos citados crimes de fraude à licitação e peculato, configurando, assim, o crime de lavagem de dinheiro diante do uso de laranjas”.

Embora cite que o imóvel foi comprado ilicitamente, a PF relatou que não foi possível determinar especificamente quais foram os crimes de corrupção que geraram os recursos.

O inquérito informa que a “parcela C” do imóvel na Rua Euclides da Cunha, no valor de R$ 400 mil, teria sido paga com a entrega de três casas de Waldir Neves para Abelardo Fraga. A venda de dois desses imóveis totalizou R$ 190 mil, mas o terceiro, situado na Rua Pinheiro Machado, no Jardim Noroeste, foi devolvido, em período não especificado e estaria desocupado até hoje, conforme diligência policial.

Para completar os R$ 400 mil da parcela, a casa no Jardim Noroeste deveria valer, no mínimo, R$ 210 mil. Porém, de acordo com a PF, Abelardo Fraga devolveu a casa a Waldir Neves por R$ 80 mil, resultando na “existência de crédito de, no mínimo, R$ 130 mil de Abelardo perante Waldir Neves”. Em 2019, a polícia rastreou a devolução de R$ 65 mil de Fraga ao conselheiro afastado, o que configuraria crime de lavagem de dinheiro.

Ainda sobre a ilícita mudança de mãos dos recursos, a PF cita outras negociações envolvendo Abelardo Fraga, como as registradas entre maio e novembro de 2018, quando a empresa Docsysnet Gestão Eletrônica de Documentos Ltda, de propriedade de Sérgio da Costa Correa, fez sete transferências bancárias, totalizando R$ 160 mil para empresa de Fraga. “(...) dinheiro tem como origem transferências da empresa Dataeasy (cujo contrato com o TCE/MS envolve, a nosso ver, os crimes de peculato e fraude a licitação por Waldir Neves”.

A empresa teria sido contratada, via TCE, para fornecimento de software, mas que nunca entrou em funcionamento.

Em depoimento prestado à PF, Abelardo Fraga e Sérgio Correa afirmaram que não houve prestação de serviços, o que ocultaria o real motivo da transferência dos R$ 160 mil. Em outro depoimento, Correa disse que era amigo de Fraga e que o ajudou financeiramente já que ele estava em dificuldades.

Organograma da intrincada negociação envolvendo empresas e a compra de imóvel (Foto/Reprodução)
Organograma da intrincada negociação envolvendo empresas e a compra de imóvel (Foto/Reprodução)

Amizade e dinheiro – A investigação alega que a relação entre Waldir Neves e Vanderlei Farias Morais havia sido evidenciada envolvendo transações financeiras declaradas à Receita Federal pelo conselheiro afastado, nos anos de 2016 a 2018, quando houve transferência do imóvel na Rua Euclides da Cunha.

Conforme o declarado no ano-calendário de 2016, Waldir Neves adquiriu cotas, de suposto investimento privado, o “Rio do Pantanal” de Vanderlei Morais, por R$ 450 mil. A PF informou que não foi possível identificar como foi feito este pagamento e do que se trataria este investimento.

Em 2017, Neves declarou aquisições de mais cotas, por meio de assunção de dívida, quando terceira pessoa assume débito.

Em 2018, Waldir Neves, “aparentemente”, entrega as quotas à empresa Morais & Nogueira Ltda, que, segundo a PF, tem Vanderlei Morais como um dos sócios. Em contrapartida, a empresa repassa ao conselheiro afastado um imóvel por quase R$ 1 milhão.

A PF relatou: " (...) cabe o questionamento, se tal transação de fato existe ou seria apenas uma forma de justificar a transferência de um imóvel de valor milionário sem ônus a Waldir Neves no ano-calendário de 2018".

A PF diz que conversas mantidas entre os dois amigos indicam que o imóvel, apesar de registrado em nome da empresa de Vanderlei Morais, sempre pertenceu a Waldir Neves. “A análise dos dados obtidos com as medidas cautelares de afastamento de sigilo bancário e fiscal de Vanderlei Morais e da empresa Morais & Nogueira Ltda indicam aparente incapacidade financeira para a aquisição de imóvel de valor tão elevado”.

Em julho de 2018, menos de seis meses da aquisição, Neves vende o imóvel por declarados R$ 1,4 milhão, recebendo apenas R$ 200 mil em 2018, conforme investigação.

Luxo – Ainda sobre o imóvel na Rua Euclides da Cunha, comprado por Abelardo Teixeira Fraga e, posteriormente, revendido para o “laranja” do conselheiro, a PF verificou que a Docsysnet Gestão Eletrônica transferiu R$ 160 mil para a empresa OM2L Soluções em Informática, de propriedade de Fraga.

A PF reafirmou que o contrato com a Dataeasy, mantido com o TCE/MS a partir de 2018, sendo anualmente renovado e usado por Waldir Neves para crimes de fraude ao caráter competitivo da licitação e peculato.

Segundo a polícia, foi feita análise pormenorizada da negociação envolvendo o imóvel na Rua Euclides da Cunha, desde a assinatura do contrato de compra e venda, até os pagamentos efetuados, por meio de dinheiro em espécie, transferência de automóveis e outros imóveis e com depoimentos de Abelardo Fraga.

No relatório, consta a conclusão sobre a parte final da negociação, que envolveu o terceiro imóvel, no Jardim Noroeste. Fraga não vendeu por R$ 80 mil, o que resultaria em crédito de R$ 130 mil.

Isso, segundo a PF, reforça a conclusão de que os R$ 160 mil pagos pela Docsys à empresa de Fraga era propina a Waldir Neves, como parte do pagamento da casa na Rua Euclides da Cunha, esta, colocada em nome da empresa de Vanderlei Morais, configurando o crime de corrupção e lavagem.

Waldir Neves nega as acusações e diz declarações à Receita comprovam aquisição lícita dos seus bens (Foto/Divulgação)
Waldir Neves nega as acusações e diz declarações à Receita comprovam aquisição lícita dos seus bens (Foto/Divulgação)

Outro lado – O advogado Ronaldo Franco, que representa Waldir Neves, diz que seu cliente “está muito tranquilo em relação aos fatos relatados pela PF para tentar justificar os pedidos de busca e apreensão, já que todos os seus bens foram adquiridos na exata forma que estão declarados perante a RFB [Receita Federal do Brasil], desafiando por conseguinte a PF a demonstrar qualquer origem ilícita dos recurso utilizados para a aquisição dos referidos bens”.

A defesa de João Nercy Cunha Marques de Souza aponta que "o pedido de prisão, negado pelo STJ, é a demonstração do completo descabimento e espetacularização da representação da PF”.

Abelardo Fraga disse à reportagem que não irá se pronunciar. Ronaldo Solon de Pontes, dono da Dataeasy, Sérgio Correa, proprietário da Docsysnet e Vanderlei Farias não responderam. (Colaborou Geniffer Valeriano)

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