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Interior

Ameaças, intimidação e assassinato, o enredo do cartel do gás em MS

Testemunha ouvida pelo Ministério Público afirma que comerciante morto em 2016 em Dourados foi vítima do esquema que controla o preço e os pontos de venda de gás de cozinhas em várias cidades

Helio de Freitas, de Dourados | 10/04/2018 10:48
Policiais do Gaeco e da PM deixam distribuidora de gás durante operação, no dia 27 de março (Foto: Osvaldo Duarte)
Policiais do Gaeco e da PM deixam distribuidora de gás durante operação, no dia 27 de março (Foto: Osvaldo Duarte)

Concorrentes ameaçados, distribuidores chantageados para adotar o preço que o esquema definia e pequenos revendedores encurralados, impedidos de comprar de quem vendia mais barato. Esse é o enredo do cartel que por vários anos controlou o comércio do gás de cozinha em Dourados e em outras cidades do interior do Mato Grosso do Sul.

Quem não se submetia às regras da quadrilha era ameaçado e pressionado até cumprir as “normas”, ou sucumbia e tinha de fechar as portas porque não conseguir nem mesmo renovar o estoque. Até caminhão vendendo gás mais barato os empresários do esquema colocavam na frente dos depósitos dos concorrentes, para obrigá-los a aceitar as regras.

Pior sorte teve o comerciante Luciano Soares Senzack, assassinado aos 39 anos de idade, no dia 17 de maio de 2016 em Dourados. Ele tinha uma pequena revenda de gás de cozinha e água mineral no BNH 3º Plano, região norte da cidade. A versão da época contada pelo criminoso era de que a morte ocorreu por uma desavença comercial sobre dívida.

Entretanto, o depoimento de uma testemunha ouvida pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul é revelador: Luciano foi morto por não se submeter às regras do cartel do gás.

O autor confesso do assassinato é Mauro Victol, um dos integrantes do esquema desvendado pela Operação "Laisse Faire", feita pelo Ministério Público com apoio do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) no dia 27 de março. Mauro e outros sete empresários foram presos na operação. Dois já ganharam liberdade, mas ele está entre os que permanecem na cadeia.

Local onde Luciano Senzack foi assassinado por um dos membros do cartel do gás, em 2016 (Foto: Dourados News)
Local onde Luciano Senzack foi assassinado por um dos membros do cartel do gás, em 2016 (Foto: Dourados News)

A morte – Dois dias após o assassinato de Luciano, Mauro se entregou à polícia e disse que agiu em legítima defesa por se sentir ameaçado pelo comerciante. Conforme a versão, há algum tempo Luciano comprava de Mauro o gás que revendia na empresa onde ocorreu o crime e pegava os botijões em regime de comodato.

Teria feito o pagamento em dia nas três primeiras compras, mas depois houve atraso na quarta vez que pegou o produto. Mauro foi até a revenda e matou Luciano a tiros, alegando que a vítima fez menção de sacar uma arma.

No dia 26 de janeiro deste ano, Mauro Victol, que aguardou o julgamento em liberdade, foi condenado a sete anos e um mês em regime semiaberto, já que os jurados acataram a versão de homicídio simples.

Testemunha – Ouvida por carta precatória por morar em Umuarama (PR), a testemunha que liga a morte de Luciano ao cartel do gás é cunhado de um empresário, que em 2016 tentou montar uma distribuidora de GLP em Dourados para concorrer com as empresas do esquema, mas vinha sofrendo forte ameaça para adotar o preço que o esquema ditava.

“Mauro Victol disse que tinha ido receber ou buscar uns vasilhames e que o Luciano fez ameaça de sacar uma arma, que então o Mauro Victol deu três tiros no Luciano; mas que na verdade o homicídio tinha motivação no comércio do gás, inclusive os vasilhames que estavam com o Luciano eram pertencentes ao Antônio”, afirmou a testemunha.

O depoimento ao MP continua: “esteve com o Luciano no mesmo dia do homicídio, umas quatro horas antes, e o Luciano disse ao declarante que era para eles (o declarante e o Antônio) terem cuidado com o Mauro... O Luciano estava muito nervoso, estava meio transtornado; que o declarante disse para o Luciano que não acreditava que o Mauro fizesse algum mau para eles, pois todos tinham família, inclusive o Mauro, e não acha que o Mauro iria estragar sua vida. Mesmo assim o Luciano demonstrava estar com medo de alguma coisa, trancou os botijões dentro de uma grade, inclusive passando cadeado, coisa que nunca tinha visto o Luciano fazer antes”.

Ainda segundo ele, horas antes de ser morto, Luciano estava com medo, ficava olhando para lados, em todas as direções, como se estivesse sendo vigiado por alguém.

“Uns 40 minutos depois do Mauro Victol ter assassinado o Luciano, o Rubens [Pretti Filho, também preso pelo Gaeco], da Graziela Gás, telefonou para o depósito do Antônio, cuja ligação foi atendida pelo declarante, e então o Rubens disse para o declarante: ‘está vendo o que acontece com quem fura o ponto dos outros’, quando então o declarante perguntou o que estava acontecendo, pois ainda não sabia dos fatos, e o Rubens disse que o ‘Mauro acabou de matar o Luciano’”, diz trecho do depoimento, citado na denúncia que o MPMS apresentou contra a quadrilha na semana passada.

Segundo ele, Luciano Senzack estava comprando gás de Antônio José Carlos por preço menor do que era praticado pelos demais distribuidores do cartel. Conforme a testemunha, a ligação de Rubens falando do assassinato ocorreu antes mesmo de a polícia chegar ao local do crime. Rubens e Mauro Victol são cunhados.

Operação do Gaeco em distribuidoras de gás de Dourados, no mês passado (Foto: Adilson Domingos)
Operação do Gaeco em distribuidoras de gás de Dourados, no mês passado (Foto: Adilson Domingos)

Reunião para ameaças – A testemunha, que em janeiro de 2016 se instalou em Dourados com o cunhado para tentar montar a distribuidora de gás, conta também sobre uma reunião marcada pelo cartel do gás, no depósito de um dos envolvidos, César Meirelles Paiva, da Paivinha Gás.

Além de César Paiva, estavam presentes todos os outros membros do cartel, como Mauro Victol, Márcio Sadão Kushida, Edvaldo Romera de Souza, Rubens Pretti Filho, Josimar Evangelista Machado e Rogério dos Santos de Almeida, este de Nova Andradina.

A testemunha relatou que na reunião, Rubens Pretti Filho assumiu a palavra, para questionar os dois novatos: “nós estamos aqui para saber uma única coisa, se vocês vão vender nos pontos de venda”. Segundo ele, Rubens queria saber se Antônio José Carlos iria vender para os comerciantes onde os demais já vendiam.

“O Rubens disse que o Antonio não poderia vender para os estabelecimentos já existentes, que se quisessem vender deveria criar novo estabelecimento, pois todos os pontos de venda já pertenciam aos distribuidores. O Sr. Rubens disse que Dourados e região estavam tudo fechado com eles”, afirmou a testemunha.

O empresário não aceitou fazer parte do cartel e a partir daquela reunião passou a ser alvo de ameaças e intimidações, feitas também aos revendedores dos bairros para que não comprassem do novo distribuidor. Mesmo com dificuldade, manteve o comércio em Dourados, mas sem ganhar mercado.

Denunciados – Na sexta-feira (6), o Ministério Público de Mato Grosso do Sul apresentou denúncia contra 11 comerciantes de Dourados e Nova Andradina e contra dois gerentes de distribuidoras de Campo Grande, acusados de integrar o cartel montado para controlar o preço e os pontos de revenda do gás de cozinha.

Foram denunciados os empresários Márcio Sadão Kushida, Edvaldo Romera de Souza, Cesar Meirelles Paiva, Rubens Pretti Filho, Mauro Victol, Gregório Artidor Linné, Josemar Evangelista Machado e Rogério dos Santos Almeida, presos na operação do Gaeco.

Com exceção de Rogério, que é de Nova Andradina, todos os outros são de Dourados, assim como Daiane Lazzaretti Souza, também denunciada, mas que não chegou a ser presa.

Os outros dois denunciados são Diovana Rosseti Pereira, gerente da distribuidora Copagaz em Campo Grande, e Hamilton de Carvalho Rocha, gerente da distribuidora da Ultragaz, também na Capital.

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