Com despejo iminente, tensão volta a acampamento indígena na fronteira
Pelo menos 250 índios guarani-kaiowá que ocupam área desde setembro devem ser despejados na semana que vem
O clima voltou a ficar tenso no acampamento indígena Kurusu Ambá, no município de Coronel Sapucaia, a 400 km de Campo Grande, na fronteira com o Paraguai. A ordem de despejo de pelo menos 250 índios da fazenda ocupada em setembro do ano passado, pode ser cumprida na semana que vem, mas através do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) lideranças do acampamento afirmam que não vai sair da área.
O mandado de reintegração de reintegração de posse foi expedido pela Justiça Federal em Ponta Porã alguns dias após a ocupação, mas não foi cumprido até agora. Ontem, a regional do Cimi em Mato Grosso do Sul informou através de seu site que uma equipe da Polícia Federal esteve na área em litígio no dia 6 deste mês e deu ultimato aos índios para que desocupem as terras esta semana e que se não houver saída pacífica o despejo deve ocorrer no dia 16, próxima segunda-feira.
Duas fontes da Funai (Fundação Nacional do Índio) ouvidas pelo Campo Grande News nesta quinta-feira confirmaram a possível desocupação com força policial, mas divergiram em relação à data.
O coordenador regional do órgão em Dourados, Vander Nishijima, disse ter informações de que o despejo ocorreria mesmo na próxima segunda. Já o coordenador em Ponta Porã – escritório responsável pela área onde fica o acampamento – Élder Paulo Ribas da Silva afirmou não existir uma data definida para a desocupação.
Ele informou que nesta tarde vai ao acampamento com o advogado da União que trabalha no escritório da Funai em Ponta Porã para conversar com os índios.
De acordo com o Cimi, as 50 famílias indígenas clamam por justiça frente à ameaça de despejo. Um pedido de suspensão da liminar foi feito pela Procuradoria da Funai e estaria com o ministro Ricardo Lewandowski, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal).
“Lembranças de sofrimento, dor, mortes, expulsões forçadas e vidas despedaçadas nas beiras das rodovias pesaram novamente na memória e no coração de cada um dos indígenas de Kurusu Ambá”, afirma a nota do Cimi. Índios do acampamento teriam relatado ao órgão ligado à igreja católica sobre a visita de policiais federais à área no dia 6.
Élder da Silva não confirma se os agentes federais foram ao local para avisar aos índios sobre o despejo. “A Polícia Federal vai constantemente na área, por vários outros motivos”, disse ele. Na delegacia da PF nenhum agente ou delegado foi encontrado para comentar a informação.
Índios não vão sair - “Eles já sabem qual a nossa posição. Todos sabem. Nós não podemos sair. Essa é nossa terra. Antes estávamos morrendo de fome enquanto usavam nossa terra. Só queremos nosso espaço para plantar mandioca e ter direito a uma vida digna. Não nos moveremos, buscamos apenas o que é nosso, retomamos aqui porque sabemos que aqui é nosso. Está lá nos estudos, a Funai já estudou, é só olhar. Resistiremos aqui porque não temos opção. Só sairemos daqui mortos, porque a estrada para nós significará morte também”, afirma o rezador da comunidade, de 65 anos, cujo depoimento foi divulgado pelo Cimi.
De acordo com o conselho, a decisão de despejo foi concedida com base na interpretação referente ao marco temporal, ou seja, o reconhecimento do direito dos índios a terras que tradicionalmente ocupassem estaria condicionado à sua habitação ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988. O marco temporal foi estabelecido pelo STF, durante o julgamento da portaria de demarcação da área Raposa Serra do Sol. “Essa interpretação tendenciosa da Constituição tem sido utilizada pelos ruralistas para tentar restringir a demarcação”, acusa o Cimi.
Entretanto, ainda conforme o Cimi, o próprio relator do caso, o ex-ministro do STF Ayres Britto, definiu que as condicionantes estabelecidas não tinham caráter vinculante com demais decisões tomadas em relação a outras terras indígenas.