Fronteira de MS com Paraguai é “deserto” aberto para o crime
Estrada de areia cheia de atoleiros, Rodovia Internacional divide países em uma região onde os dois Estados não estão presentes
Enquanto blindados do Exército patrulham os morros cariocas na inédita intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, uma importante parte do território brasileiro segue abandonada, sem a mínima presença do Estado.
Trata-se da fronteira de 1.300 quilômetros entre Mato Grosso do Sul e o Paraguai, aonde ir de um país para o outro significa apenas dar alguns passos. Na segunda-feira (5), o Campo Grande News percorreu boa parte dessa fronteira imaginária, que só existe no mapa, porque na prática, é como se fosse uma rua entre dois bairros de uma mesma cidade.
Ironia do destino que o governo brasileiro ignora. É exatamente por essa faixa de fronteira que passa boa parte do motivo da guerrilha urbana instalada nas favelas do Rio. Sai dessa área abandonada pelo Estado a maior parte da cocaína e da maconha consumidas no país e parcela importante das armas usadas pelas facções criminosas brasileiras.
Narcotraficantes brasileiros radicados no Paraguai e depois presos em ação conjunta dos dois países já revelaram que utilizaram a fronteira desguarnecida para enviar drogas e armas aos comparsas cariocas.
No dia que foi preso, em dezembro passado, em Concepción, Marcelo Fernando Pinheiro Veiga, o “Marcelo Piloto”, contou a policiais brasileiros e a agentes da DEA (órgão norte-americano de combate às drogas) que enviava por Mato Grosso do Sul armas, munições e maconha destinadas aos morros cariocas.
Atoleiro e abandono – Assim como fazia Marcelo Piloto, outros traficantes e contrabandistas de cigarro paraguaio – outro segmento do crime organizado extremamente fortalecido na fronteira – utilizam as dezenas de estradas que cortam essa região do país, sem qualquer fiscalização.
Uma dessas estradas da “fronteira sem lei” é a MS-165, uma rodovia estadual que começa no município de Ponta Porã e segue até Paranhos, circundando a fronteira entre os dois países. Do lado paraguaio também existe uma estrada paralela e as duas recebem o nome de Rodovia Internacional.
Mas não é só no nome que as duas estradas se assemelham. Elas não têm asfalto e foram abertas em meio a um terreno de areia. Não há qualquer tipo de fiscalização nessa rodovia, que mais parece uma estrada de fazenda, cheia de atoleiros, cortada em vários locais por veios de água e por onde só passam alguns caminhões e caminhonetes.
A reportagem percorreu a MS-165 de Coronel Sapucaia até o município de Paranhos, numa distância aproximada de 80 quilômetros. Por causa do atoleiro, não foi possível chegar à cidade de Paranhos e a equipe teve de retornar a Coronel Sapucaia.
Em vários locais há acessos entre os dois lados da fronteira. Caminhões boiadeiros cruzam de um lado para o outro, assim como tratores e caminhonetes. A fronteira ali é apenas geográfica.
Só no mapa - “Aqui todo mundo vai de um lado para o outro, para nós é como se fosse um país só. Alguns vizinhos têm terra dos dois lados, plantam e criam gado nas duas propriedades”, afirmou o capataz de uma fazenda na margem da MS-165 que vistoriava a cerca na segunda-feira à tarde. Por não ter autorização do patrão para dar entrevista, pediu para não ter o nome divulgado.
Também não há vestígios nessa parte da fronteira do Exército brasileiro, que desde 2014 implanta o projeto-piloto do Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) no trecho entre Mundo Novo e Bela Vista.
Empacado por falta de recursos, o Sifron patina há quase quatro anos, está atrasado e até agora não produziu resultados para a segurança pública de Mato Grosso do Sul.
Os tais sensores e radares implantados na fronteira não são percebidos, nem militares fardados são vistos na Linha Internacional. Segundo moradores dessas cidades fronteiriças, a presença do Exército se resume aos quartéis em Ponta Porã e Amambai.
Outras estradas – Mas a falta de fiscalização não é exclusividade da Rodovia Internacional. Nos 650 km percorridos nos municípios de Ponta Porã, Amambai, Coronel Sapucaia, Paranhos, Tacuru e Sete Quedas, a reportagem não encontrou nenhuma viatura da polícia.
Nem mesmo um carro locado com placa de Belo Horizonte (MG), que poderia ser roubado sendo levado para o Paraguai ou poderia estar retornando ao país com drogas e armas, chamou a atenção dos policiais.
Às 10h30 de segunda-feira não havia nenhum policial no posto da Polícia Militar Rodoviária na MS-386, entre a BR-463, em Ponta Porã, e a cidade de Amambai. Mesma situação ocorria às 18h30 no posto da PMR entre Amambai e Caarapó. Apesar dessa situação, a PMR aumentou suas apreensões de drogas e contrabando nos últimos tempos nessa região de fronteira.
A Polícia Rodoviária Federal tem números impressionantes de apreensões em Mato Grosso do Sul – foram 103 toneladas de drogas só no primeiro semestre do ano passado. Entretanto, com pouco efetivo e sentindo na pele os cortes de gastos adotados pelo governo federal, não consegue manter vigilância permanente.
Quando a reportagem passou pelo posto da PRF na BR-463, por volta de 10h de segunda-feira, só havia um policial fazendo o serviço interno. Já o posto na BR-163, no município de Caarapó, estava fechado na segunda à noite.