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Interior

Fronteira de MS com Paraguai é “deserto” aberto para o crime

Estrada de areia cheia de atoleiros, Rodovia Internacional divide países em uma região onde os dois Estados não estão presentes

Helio de Freitas, de Dourados | 06/03/2018 11:43
Trecho da MS-165, rodovia que liga Coronel Sapucaia a Paranhos; do outro lado fica o território paraguaio (Foto: Helio de Freitas)
Trecho da MS-165, rodovia que liga Coronel Sapucaia a Paranhos; do outro lado fica o território paraguaio (Foto: Helio de Freitas)

Enquanto blindados do Exército patrulham os morros cariocas na inédita intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, uma importante parte do território brasileiro segue abandonada, sem a mínima presença do Estado.

Trata-se da fronteira de 1.300 quilômetros entre Mato Grosso do Sul e o Paraguai, aonde ir de um país para o outro significa apenas dar alguns passos. Na segunda-feira (5), o Campo Grande News percorreu boa parte dessa fronteira imaginária, que só existe no mapa, porque na prática, é como se fosse uma rua entre dois bairros de uma mesma cidade.

Ironia do destino que o governo brasileiro ignora. É exatamente por essa faixa de fronteira que passa boa parte do motivo da guerrilha urbana instalada nas favelas do Rio. Sai dessa área abandonada pelo Estado a maior parte da cocaína e da maconha consumidas no país e parcela importante das armas usadas pelas facções criminosas brasileiras.

Narcotraficantes brasileiros radicados no Paraguai e depois presos em ação conjunta dos dois países já revelaram que utilizaram a fronteira desguarnecida para enviar drogas e armas aos comparsas cariocas.

No dia que foi preso, em dezembro passado, em Concepción, Marcelo Fernando Pinheiro Veiga, o “Marcelo Piloto”, contou a policiais brasileiros e a agentes da DEA (órgão norte-americano de combate às drogas) que enviava por Mato Grosso do Sul armas, munições e maconha destinadas aos morros cariocas.

Atoleiro e abandono – Assim como fazia Marcelo Piloto, outros traficantes e contrabandistas de cigarro paraguaio – outro segmento do crime organizado extremamente fortalecido na fronteira – utilizam as dezenas de estradas que cortam essa região do país, sem qualquer fiscalização.

Uma dessas estradas da “fronteira sem lei” é a MS-165, uma rodovia estadual que começa no município de Ponta Porã e segue até Paranhos, circundando a fronteira entre os dois países. Do lado paraguaio também existe uma estrada paralela e as duas recebem o nome de Rodovia Internacional.

Mas não é só no nome que as duas estradas se assemelham. Elas não têm asfalto e foram abertas em meio a um terreno de areia. Não há qualquer tipo de fiscalização nessa rodovia, que mais parece uma estrada de fazenda, cheia de atoleiros, cortada em vários locais por veios de água e por onde só passam alguns caminhões e caminhonetes.

A reportagem percorreu a MS-165 de Coronel Sapucaia até o município de Paranhos, numa distância aproximada de 80 quilômetros. Por causa do atoleiro, não foi possível chegar à cidade de Paranhos e a equipe teve de retornar a Coronel Sapucaia.

Em vários locais há acessos entre os dois lados da fronteira. Caminhões boiadeiros cruzam de um lado para o outro, assim como tratores e caminhonetes. A fronteira ali é apenas geográfica.

Motociclista sem capacete circula pela MS-165; nem lei de trânsito é respeitada (Foto: Helio de Freitas)
Motociclista sem capacete circula pela MS-165; nem lei de trânsito é respeitada (Foto: Helio de Freitas)

Só no mapa - “Aqui todo mundo vai de um lado para o outro, para nós é como se fosse um país só. Alguns vizinhos têm terra dos dois lados, plantam e criam gado nas duas propriedades”, afirmou o capataz de uma fazenda na margem da MS-165 que vistoriava a cerca na segunda-feira à tarde. Por não ter autorização do patrão para dar entrevista, pediu para não ter o nome divulgado.

Também não há vestígios nessa parte da fronteira do Exército brasileiro, que desde 2014 implanta o projeto-piloto do Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) no trecho entre Mundo Novo e Bela Vista.

Empacado por falta de recursos, o Sifron patina há quase quatro anos, está atrasado e até agora não produziu resultados para a segurança pública de Mato Grosso do Sul.

Os tais sensores e radares implantados na fronteira não são percebidos, nem militares fardados são vistos na Linha Internacional. Segundo moradores dessas cidades fronteiriças, a presença do Exército se resume aos quartéis em Ponta Porã e Amambai.

Acesso a Coronel Sapucaia e Capitán Bado, importantes bases do crime organizado (Foto: Helio de Freitas)
Acesso a Coronel Sapucaia e Capitán Bado, importantes bases do crime organizado (Foto: Helio de Freitas)

Outras estradas – Mas a falta de fiscalização não é exclusividade da Rodovia Internacional. Nos 650 km percorridos nos municípios de Ponta Porã, Amambai, Coronel Sapucaia, Paranhos, Tacuru e Sete Quedas, a reportagem não encontrou nenhuma viatura da polícia.

Nem mesmo um carro locado com placa de Belo Horizonte (MG), que poderia ser roubado sendo levado para o Paraguai ou poderia estar retornando ao país com drogas e armas, chamou a atenção dos policiais.

Às 10h30 de segunda-feira não havia nenhum policial no posto da Polícia Militar Rodoviária na MS-386, entre a BR-463, em Ponta Porã, e a cidade de Amambai. Mesma situação ocorria às 18h30 no posto da PMR entre Amambai e Caarapó. Apesar dessa situação, a PMR aumentou suas apreensões de drogas e contrabando nos últimos tempos nessa região de fronteira.

A Polícia Rodoviária Federal tem números impressionantes de apreensões em Mato Grosso do Sul – foram 103 toneladas de drogas só no primeiro semestre do ano passado. Entretanto, com pouco efetivo e sentindo na pele os cortes de gastos adotados pelo governo federal, não consegue manter vigilância permanente.

Quando a reportagem passou pelo posto da PRF na BR-463, por volta de 10h de segunda-feira, só havia um policial fazendo o serviço interno. Já o posto na BR-163, no município de Caarapó, estava fechado na segunda à noite.

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