Nascimento do fanatismo: o debate entre Alfarabi e Algazali
A impressão que existe é a de que o fanatismo é moderno, teria nascido com os embates entre a extrema direita e a esquerda. Nada mais incorreto. O fanatismo tem mil anos… pelo menos. É fruto da polêmica de dois pensadores muçulmanos: Alfarabi e Algazali. Como são pouco conhecidos entre os brasileiros, permitam-me apresentá-los rapidamente.
Alfarabi, o homem dos livros.
Se você conhece o significado da palavra portuguesa “alfarrábio” saiba que tem sua gênese no nome de Alfarabi. Ele é o “homem do livro, das anotações”. Foi ele quem reuniu uma enorme quantidade de livros sobre todos os conhecimentos, desde química até politica ou economia. Mas Alfarabi não foi apenas um homem que colecionava livros, é dele as ideias que conhecemos como o “Primeiro Iluminismo”, muito anterior ao Iluminismo europeu (por volta de 900 d.C.). Ele dizia que a felicidade deveria ser procurada durante a vida. Também afirmava que a felicidade poderia estar nas cidades. E que havia cidades de ignorância, do prazer, cidades timocráticas (onde se vive de acordo com a reputação, uma espécie de cidade governada pelo Facebook). Depois, havia as cidade despóticas, governadas por tiranos; cidades imorais; cidades plutocráticas e, é claro, as cidades democráticas. Alfarabi é um otimista quando à democracia, acreditava que a cidade, através da sabedoria, poderia ser virtuosa.
Os perigosos fanfarrões.
Alfarabi dizia que deveríamos tomar cuidado com os discursos. Para ele, havia homens que proferiam discursos com o “falar sincero”, mas também havia os discursos dos fanfarrões. Alfarabi também combatia os “ironistas”, aqueles que não diziam tudo, usavam apenas meias palavras. O melhor exemplo desses é o imperador do Japão que, quando soube das bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki afirmou: “Bem, parece que ali teve uma certa destruição”. Não são sinceros. Parece que sempre existiram aqueles homens de fala sincera, fanfarrões e irônicos. O perigo é devido aos excessos dos irônicos, insinceros, nos deixamos levar pelos fanfarrões. São mentirosos, exagerados, mas são sinceros. Alfarabi morreu assassinado em 950 d.C., na mesma estrada de Damasco onde passou S.Paulo.
Algazali, aquele que instaurou o ideal fanático.
Ainda que pratiquem o fanatismo, para muitos, essa palavra é um xingamento. Mas, como essa ideia surgiu? Tudo começa com Algazali, o homem mais importante do islamismo, depois de Maomé. Algazali tinha um grande problema com a politica, com a filosofia. Para ele, os políticos e filósofos não chegavam nunca a um acordo, estavam sempre disputando suas ideias. Onde estava o caminho para a felicidade? Havia caminhos demais. E estavam em contradição entre si. Desiludiu-se. Dizia: “onde há discordância, há erro. E o erro não pode ser o caminho da verdade”. ”Só havia uma alternativa: a “união mística com Deus”, essa foi a proposta de Algazali para o caminho da felicidade, da sabedoria. Ao optar pela união mística com Deus, parte importante do mundo muçulmano começou a caminhar rumo ao fanatismo. As ideias de Alfarabi feneceram. Desapareceram. O primeiro Iluminismo só seria retomado com Averroes, o grande pensador de Córdoba, na Espanha muçulmana. E através de Averroes, as ideias de Alfarabi chegarão à Europa. Mas essa é outra história.