Paraguai exemplar: proibido compartilhar o tereré
Qual o segredo dos paraguaios para figurar na diminuta lista dos melhores países a frear o coronavírus? Essa pequena nação não conta com um sistema de saúde universal, um SUS. Um exame de sangue custa aproximadamente R$70, as filas de espera para uma trivial consulta médica duram eternidades e podem custar caro. Mais de 73% dos trabalhadores não têm previdência. Aparentemente, pela sua histórica desigualdade, teria de ter taxas explosivas de infectados pelo vírus e de mortes. Mas não está sendo assim.
As "polladas" são o sistema de saúde.
É uma das mais antigas tradições paraguaias. Cada vez que alguém da classe média ou baixa padece de câncer ou de qualquer outra enfermidade com tratamento caro, sua família e amigos convocam as "polladas". O dinheiro arrecadado da venda dos frangos é destinado às despesas da pessoa em tratamento. Apesar de seu difícil contexto sanitário, o Paraguai conseguiu nos primeiros meses de pandemia que sua resposta à covid-19 fosse reconhecida como uma das 45 melhores do mundo. Junto com o Uruguai, é considerada a segunda melhor resposta da América Latina. Até há poucos dias, nosso vizinho, de 7 milhões de habitantes, contava com menos de 20 mortos. Segundo os organismos mundiais de saúde, o Paraguai evitou em torno de 15 mil mortes com suas medidas sanitárias.
Pesadíssima campanha nos meios de comunicação.
No começo da crise, o governo paraguaio organizou uma das melhores e mais eficientes campanhas publicitárias contra o coronavírus. Usando uma linguagem simples e pedagógica, a campanha foi decisiva. Quem comunicava as decisões governamentais e os cuidados que a população deveria adotar foi um desconhecido médico. Guillermo Sequera, diretor da "Vigilancia de la Salude", foi alçado ao estrelato, virou uma estrela pop. Esse médico de 40 anos, de fala tranquila e persuasiva, hoje, é tido como um dos maiores responsáveis pela boa performance do Paraguai. Há mais propostas de namoro e casamento para Sequera do que pedidos de cuidados médicos ou reclamações. Uma moça chegou a tatuar na perna o rosto de Sequera. Uma das primeiras inciativas de Sequera foi colocar à disposição da população, em tempo real, todas as informações do que ocorria com infectados e mortos. A transparência é total no Paraguai, não há manipulação de dados.
Tradicional aliado de Taiwan e contra a China.
Além das dificuldades sanitárias, o Paraguai teve de vencer outro obstáculo fundamental. Desde os anos 60 do século passado, é um tradicional aliado de Taiwan, a pequena ilha chinesa inimiga do regime comunista instaurado em Pequim. Fruto dessa histórica oposição à China, teve mais dificuldades que todos os demais países latinos para conseguir comprar equipamentos e insumos hospitalares. Também teve de enfrentar a eterna corrupção que viceja em todas suas repartições públicas. Alguns funcionários do Ministério da Saúde estão presos, o alto comando da aeronáutica e do "Petróleos Paraguaios" foram destituídos .
Primeiro país a fechar suas fronteiras.
Enquanto as ruas brasileiras e argentinas explodiam de trabalhadores e turistas, o Paraguai conseguiu colocar toda sua população em isolamento no dia 10 de março. E ainda fechou seus aeroportos e fronteiras. Nesse mesmo dia, em uma ação rápida e coordenada, endividou o país em mais de 2 bilhões de euros para a aquisição de equipamentos hospitalares (saltou de 20 leitos de UTI para 700) e para a contratação de 2.700 novos médicos e enfermeiros. Também nessa data, prorrogou o pagamento de impostos e taxas para os empresários e impulsionou o comércio eletrônico.
Proibido compartilhar o tereré.
O Paraguai teve de sacrificar seus costumes. A quase totalidade da população acatou as novas regras de isolamento até o ponto de um dos costumes mais inquebrantáveis de todo paraguaio ser considerado um novo vilão por tempo indefinido e pelo bem comum: compartilhar o tereré foi proibido. E, para surpresa geral, a proibição foi bem recebida.