Para MPF, multa inédita lançou limites sobre “absolutismo” do agrotóxico
“Essa decisão vem na linha mais moderna, que vincula o agrotóxico a danos às populações”, diz procurador
Responsável por 5,5% da riqueza do agronegócio nacional, Mato Grosso do Sul sofre os efeitos de uma faceta menos “badalada” e mais perigosa da produção agrícola: o uso de agrotóxico. No fim de 2019, ação do MPF (Ministério Público Federal) em prol dos índios, em que a Justiça decidiu com base na dignidade humana, teve desfecho de multa de R$ 150 mil e o caráter pedagógico é destacado pelo procurador Marco Antônio Delfino de Almeida.
“O agricultor tem que tomar as cautelas efetivamente necessárias e se busque, igualmente, soluções que sejam menos impactantes ao meio ambiente e saúde. Sempre houve clima de absolutismo, fazer o que bem entendia. [A decisão] lança que há limites e é preciso que procurem a utilização de agrotóxico que não impactem essas comunidades lindeiras” afirma o procurador.
A sentença que ordenou o pagamento de indenização por danos morais à comunidade indígena Tey Jusu é relativa a episódio de abril de 2015, em Caarapó, a 283 km de Campo Grande. A pulverização aérea de agrotóxico resultou em quadros de febre, diarreia, dores de cabeça e de garganta.
Vídeos gravados pelos índios mostram a aeronave dando voos rasantes por cima da plantação, borrifando o veneno, e se aproximando das casas localizadas na porção limítrofe à lavoura de milho. Porém, conforme o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) não é permitida a aplicação aérea de agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de quinhentos metros de povoações.
O juiz Rubens Petrucci Junior afirma que não foram provados os danos materiais, mas condenou empresa, piloto e produtor rural por dano moral coletivo. A quantia deve ser destinada diretamente à comunidade afetada.
“Entendemos que essa decisão vem na linha de jurisprudência mais moderna, que efetivamente vincula o agrotóxico a danos às populações”, afirma o procurador. No ano passado, a Justiça Federal negou aplicar multa de R$ 285 mil em situação similar, mas na região de Dourados, de pulverização aérea.
O MPF é autor de várias ações na área cível sobre a aplicação irregular de agrotóxicos e também busca punição na esfera criminal. A aplicação de agrotóxico de forma irregular é punida com pena de reclusão de dois a quatro anos.
Preocupação mundial – De acordo com o procurador Marco Antônio Delfino, o Paraguai foi condenado no ano passado pelo comitê dos direitos humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) por conta do mesmo tema: pulverização de agrotóxico que afetam populações lindeiras.
Vizinho a Mato Grosso do Sul, o país punido ainda tem normativas mais rígidas do que o Brasil, com limite para pulverização terrestre e barreira verde, uma cortina de árvores entre as propriedades rurais e entre as fazendas e as estradas. Do lado de cá da fronteira, a análise é de que ainda há muito para melhorar.
“Tudo isso só ocorre por conta de fiscalização deficiente do Mapa. O mesmo ministério que tem obrigação de desenvolver o agronegócio fiscaliza o próprio agronegócio. A fiscalização ineficiente acaba tendo papel relevante no incremento de denúncias. Abre espaço para que se ocorra uma utilização absolutamente inadequada e fora dos padrões”, afirma Delfino. Para ele, ao adequado seria uma agência específica de fiscalização, tanto sanitária quanto de agrotóxico.
Musa do Veneno – O ministério da Agricultura é comandado pela sul-mato-grossense Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, chamada pela oposição de Musa do Veneno. Em 2019, primeiro ano à frente da pasta, ela sofreu críticas pela liberação de agrotóxicos. Ao Campo Grande News, no mês de julho, a ministra disse que compra os produtos no supermercado, sem medo do agrotóxico e que as reclamações são de cunho político.
A quebra de patentes abriu caminho para os chamados produtos genéricos voltados para produção agrícola. A exemplo dos remédios genéricos, que passaram a ser comercializado por diversos laboratórios.
“Efetivamente, não houve ampliação do número de agrotóxicos, mas do espectro de agrotóxico que pode ser produzido no Brasil. Houve incremento do número de marcas. A pergunta é se o aparato fiscalizatório terá condições de fiscalizar esse incremento. Se um produto custa 10 mil e o outro custa mil, podem ser empregados, do ponto de vista químico, produtos que sejam menos puros”, afirma o procurador.
Conforme Delfino, a indústria usa os mesmos argumentos desde a década de 1970 para defender os agrotóxicos, mas no decorrer das décadas houve banimento de diversos produtos em face da comprovação de vinculação com número muito grande de doenças. “O discurso permanece muito frágil”.