Ruralistas e ambientalistas divergem sobre lei federal em defesa do Pantanal
Grupo tenta discutir no Congresso Nacional um novo regramento unificado para conseguir proteger o bioma
No primeiro semestre deste ano, ambientalistas e o MPE-MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) apresentaram no Congresso Nacional a proposta de criar uma lei federal para proteger o Pantanal. A iniciativa tenta unificar os decretos estaduais do bioma e assegurar a conservação da maior planície alagada do Planeta.
Para o presidente do IHP (Instituto do Homem Pantaneiro), Ângelo Rabelo, é preciso uma lei que efetivamente proteja não só o bioma, mas também os diferentes interesses como a pecuária e as questões ambientais.
“Esse é um assunto que se arrasta há mais de 20 anos, uma iniciativa que tramitou por vários anos no Senado, na época uma iniciativa do senador Blairo Maggi (PLS 750, de 2011). Sem essa lei, existe um mal-estar porque existem políticas públicas diferenciadas para um mesmo bioma”, ponderou.
De acordo com ele, após a tragédia dos incêndios em 2020, a expectativa das instituições que defendem o Pantanal era que a pauta ganhasse celeridade, com o Projeto de Lei 5482/2020, no Senado. A proposta que disciplina a conservação e exploração sustentável do bioma Pantanal, do senador Wellington Fagundes (PL/MT), parou na fase de relatoria e não teve avanços desde março deste ano.
“O fato de tratarmos de uma só lei que pode valer para dois estados pode permitir que a gente consiga encontrar um consenso nas áreas de interesse. A partir daí, podemos ter um norte para pensar no futuro do Pantanal sem ocasionar surpresas para quem investe no bioma, para quem produz e para quem trabalha com o turismo”, afirmou Rabelo.
Um dos responsáveis por levar o pedido da unificação da lei para a Câmara dos Deputados, o promotor de Justiça no Núcleo Ambiental do MPMS (Ministério Público do Mato Grosso do Sul), Luciano Furtado Loubet, enfatiza que o bioma pantaneiro é sensível e com muitas peculiaridades.
“Por isso deve ter uma legislação que preveja a sua proteção e o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, na questão do fluxo de águas, na proteção das matas de cordilheiras e no incentivo à pecuária tradicional, que além de aliar preservação do ambiente, também é um patrimônio cultural, já que o modo de vida pantaneiro é que ajudou a preservar o Pantanal até agora”, destacou.
Loubet não considera os decretos estaduais vigentes eficientes para proteção e conservação do bioma. “Eles permitem os 'megadesmatamentos' que estão acontecendo, com supressões e modificações de 10, 15 e até 20 mil hectares de vegetação nativa. Não se sabe ao certo como será, somando-se todos estes desmatamentos, o comportamento do bioma. Além disto, a divergência entre a regulamentação de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, não faz sentido, já que o bioma é o mesmo em ambos os Estados”.
A luta, segundo ele, é por uma regulamentação mais firme quanto à proteção de áreas sensíveis, bem como a proibição de atividades incompatíveis com o local, que transformam totalmente a paisagem. “Também seria essencial que houvesse instrumentos positivos de valorização da produção tradicional, como pagamento por serviços ambientais à pecuária tradicional”, acrescentou Loubet.
O SOS Pantanal vai mais além. A ONG (Organização Não-Governamental) afirma que a legislação federal é uma obrigação constitucional e relembra que o bioma é Patrimônio Nacional. “O Pantanal e a sua bacia hidrográfica ultrapassam limites estaduais e têm dinâmicas próprias de equilíbrio e interdependência. É preciso uma política pública adequada à manutenção de sua integridade e capacidade de suporte, aliada às atividades econômicas e qualidade de vida de suas populações”, disse o diretor do SOS Pantanal, Leonardo Gomes.
A ONG defende a necessidade de um estudo apropriado sobre integridade ecológica e limiares para supressão aceitáveis em cada fitofisionomia, além de uma previsão legal de um processo de licenciamento mais adequado, mecanismos de incentivo a quem conserva o bioma, mecanismos de integração planalto-planície, especialmente no que tange à conservação das cabeceiras e manutenção do recurso hídrico e, principalmente, restrições a atividades potencialmente danosas ao ambiente, como monoculturas intensivas que demandam uso de defensivos e fertilizantes (soja, milho, algodão, arroz), além de mineração, carvoarias, entre outros.
As considerações foram enfatizadas em uma nota técnica entregue ao relator da PL 5482, senador Jayme Campos (União Brasil/MT). Mais de 30 instituições da sociedade civil que atuam no Pantanal assinaram o documento e receberam a promessa que o relatório seja concluído ainda este ano.
Já na Câmara dos Deputados, a deputada federal Camila Jara (PT) está pautando esse debate por meio da Frente Parlamentar em Defesa do Pantanal, que será lançada no próximo dia 2 em Brasília (DF).
O pedido da nova lei precisa passar por uma construção coletiva, ouvindo o povo pantaneiro, o setor produtivo, as universidades, a Embrapa, e as organizações da sociedade civil.
De acordo com o presidente do Sindicato Rural de Corumbá, Gilson Araújo de Barros, os produtores estão abertos para participar da discussão do assunto. “Existe uma falta de entendimento entre essas pessoas [ambientalistas] e a pesquisa científica. A Embrapa já cansou de mostrar a importância do boi no Pantanal, de áreas com pasto para viabilidade econômica das fazendas. Tudo isso foi mais que comprovado e chancelado pela Embrapa. Espero que nos convidem para que possamos nos manifestar”.
Ele acrescentou que as regras vigentes são suficientes para preservação do bioma. “O pantaneiro tem cumprido o seu papel e conservado além do que é permitido. Por isso temos 85% do bioma preservado. Colocam na conta do fazendeiro a troca de pastagem como desmatamento. Mas essa destruição do Pantanal por incêndio, acontece há milhões de anos e a natureza se recompõe rapidamente. Muito antes de o homem frequentar essa região, o bioma já queimava”.
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