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Cooperação de startups e ambientes de inovação

Felipe Möller Neves (*) | 09/03/2023 19:00

Quando realizamos a pesquisa de minha tese de doutorado sobre as Relações de Cooperação Interfirmas (RCIs), gostaríamos de tentar compreender se essas relações tão ressaltadas pelo público da área de empreendedorismo e inovação ocorreriam de forma natural e espontânea dentro dos Ambientes de Inovação (AIs) gaúchos. Diversos estudos recentes têm observado que as startups são empresas que surgem ou que se hospedam e desenvolvem seus negócios dentro de AIs, como parques tecnológicos, científicos e incubadoras, crescendo em um ambiente rodeado por uma sinergia que envolve atores do mercado, da academia e do governo.

Relações de cooperação entre instituições científicas e a iniciativa privada têm sido recorrentemente analisadas nesses ambientes, mas nos interessava aprofundar a questão das relações entre as empresas, pois se há um princípio balizador dos AIs de promoverem sinergia a partir de interações, possivelmente haveria a existência de casos de RCIs nesses ambientes. As RCIs seriam importantes indicadores de que a ciência, novos negócios ou spinoffs, ganhos econômicos, entre outros fenômenos relacionados ao desenvolvimento socioeconômico, estariam surgindo e se disseminando a partir dessas aglomerações de entidades, empresas e demais agentes do setor público e privado.

E quais foram os achados? As startups cooperam entre si e muito! Atualmente, porém, estão cooperando em maior escala para além dos próprios limites geográficos dos AIs, contrariando parte da literatura especializada no tema, que demonstra que em certos tipos de ambientes inovadores, aglomerados e clusters haveria uma maior propulsão de ações e intenções de cooperação entre as firmas.

Algumas hipóteses explicativas para tal fenômeno (ainda não confirmadas) poderiam ser levantadas. Em primeiro lugar, a pandemia (época da maior parte de realização da etapa de coleta de dados da pesquisa) trouxe um afastamento dessas empresas e dos atores propulsores desses encontros, porém essa não parece ser a principal causa. Uma outra hipótese, essa, a priori, mais próxima da realidade da amostra, seria de que as redes, networkings e contatos diversos dentro das áreas (em geral muito específicas) referentes aos nichos de atuação dessas empresas estariam acessíveis a distância e, mais de que isso, de forma digital.

A última hipótese seria de que naturalmente esses seriam espaços geográficos finitos e limitados em recursos, não apresentando, por suas particularidades, limitações em relação a agentes das cadeias, fornecedores e/ou sistemistas das empresas envolvidas.

Um outro achado importante da pesquisa diz respeito ao perfil dos empreendedores das startups: jovens, em geral millenials (em nossa amostra, a média de idade foi de 33 anos). A maioria dos empreendedores respondentes da pesquisa tinha apenas 18 anos à época. Esse perfil de faixa etária dos empreendedores corresponde também a jovens de 18-24 anos que estão em terceiro lugar entre as faixas etárias que mais empreendem no Brasil, de acordo com o Global Entrepreneurship Monitor (2020), diferentemente do Chile, por exemplo, em que essa faixa (18-24 anos) se encontra em quarto lugar entre faixas de idade de 18 e 64 anos, e da Colômbia, país em que esses jovens ocupam a segunda colocação entre os que mais empreendem.

Entre as principais facilidades no estabelecimento de relações de cooperação interfirmas, a universidade presente junto ao AI acaba sendo destacada como um “referencial técnico”, um “cartão de visitas” ou, ainda, uma “vitrine”, na aproximação a estes agentes, permitindo-se ganhar “visibilidade”.

Também foi dito que essa aproximação ao espaço acadêmico seria propulsora de “credibilidade” aos agentes, porém há observações no sentido de que a universidade teria um papel demasiado “burocrático” em relação ao estabelecimento de cooperação. A “confiança” é trazida na medida em que os agentes sinalizam a “quebra do estigma do roubo da ideia”, ou seja, a “universidade” é reconhecida como tendo um papel diferenciado, no sentido de mitigar esse tipo de barreira entre startups e mercado e de promover a interlocução por meios institucionais, que seriam reconhecidos como de credibilidade pelos agentes externos.

Esses jovens empresários, portanto, buscam espaços profissionais e de carreira inovadores e fora dos padrões, inclusive do empreendedorismo comum, especializando-se em seus respectivos nichos e utilizando-se da linguagem técnica e de jargões próprios, traduzindo-se em processos diferenciados do mercado de trabalho tradicional.

As gerações millennial e pós-millennial conseguem adentrar habilmente num complexo emaranhado de sinapses sociais e empreendem e cooperaram de uma forma diferente daquela dos aglomerados, dos clusters, dos arranjos produtivos, das cadeias, dos distritos industriais e dos demais ambientes de inovação tradicionais. Como visto, o elemento local não é mais essencialmente preponderante na geração de novos empreendimentos, embora não se negue que possa servir de ancoragem às firmas e de ainda exercer papel elementar nesse contexto. Como enfatizado por Francesco Ramella, “o território deve ser entendido como um contexto relacional em que ocorre a construção social da inovação”.

Os novos formatos de firma como as startups nascem baseadas em conhecimento e tecnologia, ao passo que, em sua evolução, criam não mais apenas proximidades físicas, mas relações que hospedam tecnologias e conhecimento dentro de ambientes e comunidades específicas, em grande parte virtuais.

(*) Felipe Möller Neves é doutor em Sociologia pela UFRGS e foi orientado por Daniel Mocelin.

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