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Mãe e Cientista, sim! Por que não?

Amanda Castro Oliveira e Evelise Freire (*) | 11/02/2023 13:06

A agenda de 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Desenvolvimento Sustentável inclui 17 objetivos, com vistas a erradicar a pobreza e promover vida digna para todas as pessoas do planeta. O quinto objetivo  é a Igualdade de Gênero, e uma de suas metas é acabar com toda discriminação contra meninas e mulheres, o que, em nosso entendimento, inclui acolher, respeitar e prover boas condições para que todas as mães possam conciliar maternidade e carreira.

Após a divulgação dessa agenda, muito se tem discutido sobre a igualdade de gênero na Ciência, pois apenas 28% dos pesquisadores de todo o mundo são mulheres. Ao tocar na questão das mulheres na Ciência, surge também a necessidade de discutir o suposto dilema entre maternidade e carreira de cientista. A maternidade, principalmente nos primeiros anos de vida das crianças, exige dedicação, atenção e cuidado em tempo integral; a carreira acadêmica também requer muito empenho e dedicação. Conciliar essas duas atividades pode parecer impossível, levando muitas mulheres a abandonarem ou sequer cogitarem seguir a carreira de cientista.

As  mulheres que decidem seguir a carreira acadêmica deparam-se, ainda, com o "efeito tesoura", isto é, conseguem acesso à parte inicial das suas carreiras, mas raramente ocupam cargos de liderança e presidência. Uma das possíveis causas está relacionada à escolha pela maternidade. Geralmente, uma pesquisadora que deseja prosseguir em uma carreira científica dedica-se à graduação e, na sequência, ao mestrado e ao doutorado. Quando, enfim, conquista seu posto de pesquisadora e a estabilidade, é que opta por se aventurar na maternidade. Muitas vezes, o processo de cursar uma pós-graduação é tão desgastante que evitar filhos é um processo quase inconsciente.

Quando a pós-graduação é um item vencido e já existe estabilidade profissional, os desafios das pessoas com filhos somente mudam de configuração. É comum que pesquisadoras-mães deixem de participar de eventos científicos enquanto as crianças são pequenas, ou que tenham a produtividade fortemente atingida após o período de licença-maternidade. Consequentemente, muitas vezes perdem seu credenciamento em programas de pós-graduação, são excluídas de grupos de pesquisa, ou não conseguem financiamento em editais. Se as mulheres na Ciência sofrem com o efeito-tesoura, as que escolheram ser mães passam pelo processo de "dupla poda".

Duas coisas podem acontecer, portanto: as pesquisadoras que desejam ser mães adiam a maternidade, ou colhem as consequências por não adiarem. Surge, então, o questionamento: essas escolhas são realmente excludentes? Ciência e Maternidade/Paternidade estão fadadas a manter caminhos paralelos? A resposta dada pelas mulheres que vivenciam a maternidade e cultivam sua paixão pela Ciência é: não!

Como cientistas, essas mães precisam de dados que justifiquem esse não. Foi assim que surgiu o movimento Parent in Science, em 2016. Movido pela necessidade de conciliar carreira acadêmica e maternidade de maneira mais justa, igualitária e coerente, esse grupo de pesquisadoras e pesquisadores tem levantado dados sobre o impacto da parentalidade na carreira científica, no contexto brasileiro.

No estudo mais recente, foi feito um levantamento, nos meses de abril e maio de 2020, para compreender como a pandemia da Covid-19 está afetando a produtividade de cientistas brasileiros. Os questionários foram respondidos por quase 15 mil cientistas, entre discentes de pós-graduação, pós-doutorandas(os) e docentes/pesquisadores. Por meio do levantamento, foi possível concluir que, especialmente para submissões de artigos, mulheres negras (com ou sem filhos) e mulheres brancas com filhos (principalmente com idade até 12 anos) foram os grupos com produtividade acadêmica mais afetada. Homens, especialmente os sem filhos, foram os menos afetados.

Os estudos continuam evidenciando, portanto, que o lapso existe e é preciso estimular políticas adequadas. O grupo tem se mobilizado em uma intensa campanha, que gerou a hashtag "#maternidadenolattes". Um dos frutos colhidos foi o fato de o CNPq reconhecer a necessidade de incluir no currículo lattes um campo para mães cientistas especificarem os períodos de licença-maternidade. O objetivo é que os editais de financiamento levem esse intervalo em consideração, para que a pausa inevitável não as prejudique.

Recentemente, o grupo também divulgou um guia com editais de instituições de ensino superior e agências de fomento que já consideram a maternidade. O objetivo é que mais editais contemplem o afastamento de licenças-maternidade e adotante, com flexibilização de prazos para a contabilização da produtividade acadêmica.

Pensando em uma realidade mais próxima, destacamos a inspiração deixada pela professora Maria Isabel Fernandes Chitarra, falecida em 2018. A professora "Bel", como era carinhosamente chamada, foi mãe de dois filhos e a primeira mulher a se tornar Professora Titular da UFLA. Em 2016, participou da celebração dos 40 anos do Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Alimentos (PPGCA). No final de sua fala, emocionada, agradeceu aos filhos, aos “filhos científicos” e ao seu marido, professor Admilson Chitarra. E acrescentou: “A caminhada até esses 40 anos envolveu os esforços de muitos homens e mulheres que se dedicaram à implementação do projeto idealizado”. Imaginamos como seus filhos, "filhos acadêmicos" e companheiro fizeram parte de sua vida de maneira tão especial, a ponto de serem  homenageados juntos em um discurso de agradecimento profissional.

Longe de colocarmos a maternidade ou paternidade como condição para  uma vida feliz. Muito menos romantizarmos a rotina de quem escolheu ter filhos. O objetivo não é comparar as escolhas pessoais de cientistas, mas, sim, criar um ambiente diverso, acolhedor, aberto aos ajustes necessários e justos para o desenvolvimento pleno da Ciência, considerando também o desenvolvimento pleno das gerações futuras. Para aqueles que escolheram a carreira científica, a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de uma criança pode ser potencializadora de talentos, de criatividade, de descobertas, de desafios, sem exclusão e preconceito. E como dizer que isso não é compatível com a Ciência?

(*) Amanda Castro Oliveira é professora associada no Departamento de Educação em Ciências Físicas e Matemática da UFLA.

(*) Evelise Freire possui licenciatura plena em matemática pela Unesp.

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