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Os museus de Pantera Negra e Bacurau

Bruna Abreu e Vanessa Aquino (*) | 04/03/2023 15:30

Apertem seus cintos e peguem suas pipocas porque vamos viajar de Wakanda a Bacurau. A sessão já vai começar.

Como forma de contribuir para o debate sobre a Nova Museologia e a representação do museu no mundo contemporâneo, meu trabalho de conclusão de curso em Museologia, orientado pela professora Vanessa Aquino, buscou promover uma reflexão acerca dos espaços museológicos em cena e fora dela – com problemáticas reais e atuais.

As obras selecionadas e suas representações de lugares discutem decolonialidade de modos diferentes e poderosos. Agora vejamos as razões pelas quais, mais precisamente, esse conceito é o protagonista.

Pantera Negra (2018) é um longa produzido pelo Marvel Studios, dirigido por Ryan Coogler e distribuído pela Walt Disney Studios a partir das revistas em quadrinhos da Marvel Comics, que teve como destaque o editor Stan Lee. Meu olhar museológico volta-se para uma cena específica, apresentada logo nos primeiros minutos da obra, em que é retratado o Museum of Great Britain (inspirado indiretamente em grandes museus, como o Musée du Louvre e British Museum).

Nessa cena, o filme de super-heróis aborda questões de repatriação, diversidade, representação e outros debates que atualmente moldam as práticas institucionais museais. A abordagem aplicada na cena específica do filme avança suas problemáticas com o artigo “Why museum professionals need to talk about Black Panther”, que mostra uma leitura além da interpretação colonial do espaço museológico.

E, afinal, por que nós, museólogos e estudantes de Museologia, precisamos falar sobre Pantera Negra?

Na narrativa elaborada para a película, os artefatos saem do museu e acrescem outros valores a suas existências materiais: a máscara que fora saqueada e estava exposta em uma vitrine vira um disfarce do personagem Killmonger na luta contra o protagonista T’challa, e o machado de Vibranium volta para Wakanda.

No meio dessa utopia museal, o mundo real reage. Em 2020, o ativista congolês Mwazulu Diyabanza, inspirado no capítulo do museu de Pantera Negra, foi multado em mil euros por coordenar a ação de “resgate” a um poste funerário no Museu do Quai Branly, em Paris (França). Em entrevista, o ativista comenta: “Nós iremos buscar nossas obras de arte e nosso legado em qualquer lugar”.

O Museu, em Pantera Negra, é representado como um Lugar Colonial, de múltiplos problemas institucionais e teóricos, e nos fez questionar os grandes museus enciclopédicos distribuídos, principalmente, na Europa – e, consequentemente, pensar sobre seus acervos, suas origens e a ideia de repatriação de artefatos saqueados, além de problematizar ações de musealização e racismo estrutural. Reflexões significativas sobre o papel dos museus no mundo contemporâneo.

Bacurau (2019) é um longa dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles que projeta a história de um futuro utópico de uma pequena cidade no Nordeste do Brasil. No caso desse filme em específico, não é possível atentarmos apenas a uma única cena, pois o Museu Histórico de Bacurau aparece em algumas ocasiões como um espaço que preserva histórias, guarda memórias e cultua heróis relacionados à cidade fictícia apresentada no filme.

No artigo “Por que Bacurau tem um museu?”, da museóloga Josiane Kunzler, são discutidas as funções desse retrato de espaço museológico. É como se ele fosse a “carteira de identidade” daquele povo, um espaço legítimo e autorizado para Bacurau falar de si para o resto do mundo.

Enfim, por que Bacurau tem um museu? Para (tentar) responder, vamos viajar até Bacurau: (“E se for, vá na paz”).

Os habitantes de Bacurau, embora diversos, são unidos não apenas pelos costumes em comum, mas sobretudo pelas histórias que preservam. O Museu Histórico de Bacurau, criado e visitado por seus protagonistas, virou espaço presente no imaginário museológico contemporâneo e, além disso, é um retrato do espaço real e atual. Um lugar de questionamento e batalhas (literalmente!).

Nos momentos em que o museu aparece, podemos perceber em seu interior a infinidade de objetos que estão dispostos nas paredes, em seus cantos e no chão da pequena instituição cultural. Há um grande número de artefatos, como quadros, fotografias de diversas pessoas, entre elas uma fazendo alusão à morte de Lampião e, ao final, dos turistas (neste momento já indesejados) de Bacurau. Além disso, há coleções de facões, espingardas e outros instrumentos de luta, resistência e memória. Tudo lembra um Gabinete de Curiosidades e tudo remete ao Museu Histórico de Canudos (inclusive a fachada).

Bacurau nos fez entender aquele pequeno lugar como um espaço que deseja romper alguns paradigmas e se apresenta como Lugar Decolonial, de batalhas e memórias compartilhadas e coletivas. Um espaço vivo e ativo, ligado diretamente à perspectiva da Nova Museologia, que visa questionar e repensar o papel ativo da sociedade junto aos museus locais, através das ações de salvaguarda e comunicação para uma efetiva preservação do seu acervo e da própria instituição.

A partir deste momento as luzes começam a acender, e as reflexões que vão nos acompanhar envolvem discussões atuais de repatriação de acervos e da resistência de pequenos museus regionais que recolhem, abrigam, preservam e comunicam histórias e memórias de vida a partir de seus acervos e narrativas.

(*) Bruna Patrícia Martin de Abreu é graduanda em Museologia pela UFRGS.

(*) Vanessa Barrozo Teixeira Aquino é professora adjunta do bacharelado em Museologia e do Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio da UFRGS.

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