ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SEGUNDA  25    CAMPO GRANDE 28º

Artigos

Salve o Cerrado

Iris Roitman(*) | 17/09/2022 13:30

O Cerrado é grandioso em extensão e riquezas naturais, mas seus ecossistemas estão sob forte ameaça. As soluções estão na mesa, no campo e na sociobiodiversidade, mas principalmente na mão de cada um de nós.

O Cerrado é o segundo maior bioma da América do Sul (ocupa mais de 203 milhões de km2) e já perdeu quase metade de sua vegetação nativa. A expansão agrícola no bioma levou o Brasil à posição de destaque na produção mundial. Contudo, seu valor estratégico vai muito além da produção de grãos e gado.

O Cerrado é a savana com maior biodiversidade no mundo. É fundamental para os recursos hídricos e regulação climática. Berço das águas, abriga nascentes de três grandes bacias da América do Sul (Paraná-Prata, Tocantins-Araguaia e São Francisco). Escondida sob a beleza exuberante de suas árvores, arbustos e vegetação rasteira está uma complexa rede de raízes profundas. Esse sistema vivo de raízes e solo alcança a água armazenada a grandes profundidades. Ao mesmo tempo que permite a vegetação acessar água na estação seca, garante a regulação hídrica e a manutenção dos seus aquíferos.

O desmatamento, causado principalmente pela agropecuária, é responsável por grande parte das emissões de gases de efeito estufa no Cerrado. Além disso, a expansão da agricultura ameaça o clima regional e a disponibilidade hídrica no Cerrado. O estudo recente, liderado por pesquisadoras da UnB (a doutoranda Ariane Rodrigues e Professora Mercedes Bustamante), mostrou que a conversão de suas florestas e savanas em pastagens e cultivos de grãos aumenta a temperatura de superfície e diminui a evapotranspiração na região. Isso pode levar à diminuição das chuvas, aumento de queimadas e diminuição da produtividade agrícola em algumas áreas.

O desmatamento no Cerrado continua a avançar, principalmente na região chamada de Matopiba, que inclui Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Em 2021, o desmatamento foi maior que 5 mil km2, segundo o Mapbiomas. O cenário é extremamente preocupante, embora existam caminhos para transformar essa realidade. Quanto vale o encanto amarelo dos ipês floridos? Quanto vale a chuva fresca que molha a terra ávida pela vida? Quanto vale a água que garante a vida das pessoas e de tantas outras espécies? Esse valor é inestimável e, certamente, não está embutido no preço de nossas commodities.

O cardápio de soluções para ajudar a salvar o Cerrado é vasto: a melhoria da governança ambiental e redução do desmatamento; transformações no setor produtivo, para reduzir impactos e aumentar a produtividade; a consolidação da cadeia para  restauração em larga escala; o pagamento por serviços ambientais; e o fortalecimento da bioeconomia, agroecologia, agricultura familiar e das população indígenas, tradicionais e comunidades locais que, em seu território de uso e vida, ajudam a conservação seus ecossistemas.

Felizmente, existem transformações positivas no bioma. O Programa de Investimentos do Brasil, no âmbito do Programa de Investimentos Florestais, completa uma década esse ano.  Resultado de ações integradas entre o Governo Brasileiro e o Fundo de Investimentos do Clima, com participação do Banco Mundial e Banco Interamericano, seus programas trouxeram avanços importantes na conservação da biodiversidade e na redução de emissões e desigualdades sociais.

Há iniciativas e coalizões formidáveis que envolvem ativamente a sociedade civil. Alguns exemplos são o Projeto Mapbiomas, que realiza o mapeamento anual do uso e cobertura do solo; o Observatório do Clima, que criou o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG); a Articulação pela Restauração do Cerrado (Araticum), direcionada para a restauração em larga escala no Cerrado; e o Observatório da Economia da Sociobiodiversidade (ÓSócioBio), voltado para a bioeconomia inclusiva e sustentável. Assim como a complexa rede de raízes e solo do Cerrado, estamos vivos e não estamos parados, mas precisamos avançar mais e rapidamente. Faça sua parte.

(*)Iris Roitman é professora e pesquisadora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Meio e Ambiente e Desenvolvimento Rural (PPGmader/FUP/UnB).

Nos siga no Google Notícias