“Morto” na versão de bilionário, ex-major segue vivo e cobra 1,3 milhão de MS
Com nome de Paul Wouter, ele é apontado como líder de esquema que despeja cocaína na Europa, mas teria morrido de covid
É até comum que chefões do tráfico de drogas polarizem entre a atividade criminosa e a vitrine de empresários bem sucedidos no mercado formal, mas o ex-major Sergio Roberto de Carvalho foi além: tem uma versão morta – batizada de Paul Wouter e líder de esquema bilionário de tráfico de cocaína alvo da Polícia Federal na Europa-, mas segue vivo para cobrar R$ 1,3 milhão de aposentadoria dos cofres de Mato Grosso do Sul.
Com a primeira prisão em 1997, com uma carga de 237 quilos de cocaína em fazenda de Rio Verde de Mato Grosso, o ex-major da PM (Polícia Militar) voltou aos holofotes no mês passado, apontado como o principal alvo da operação Enterprise. No último dia 23, a PF foi em busca de tentáculos do esquema em 10 Estados brasileiros, incluindo Mato Grosso do Sul, e ainda Espanha, Portugal, Colômbia e Emirados Árabes Unidos.
A defesa de Paul Wolter, que seria na verdade Carvalho, apresentou certidão de óbito por covid-19, sendo o corpo cremado, portanto sem condições de análise de DNA dos restos mortais para confirmar a identidade. Em 26 de novembro, a Polícia do Paraná, que coordena a operação Enterprise, divulgou que não havia informação sobre a morte do ex-policial e que não repassaria mais detalhes.
Já em Mato Grosso do Sul, no último dia 7 de dezembro, a defesa de Carvalho apresentou a conta de R$ 1,3 milhão para a Ageprev (Agência de Previdência Social), em processo que tramita desde 16 de novembro de 2015 na 4ª Vara da Fazenda Pública de Campo Grande.
Na ocasião, a ação de cumprimento provisório de sentença cobrava R$ 516.695 em aposentadorias, que não eram pagas desde abril de 2011. Agora, o valor foi atualizado pela defesa porque os recursos da Ageprev foram negados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e STF (Supremo Tribunal Federal).
“O processo desceu do Supremo Tribunal Federal e vamos dar continuidade. Não cabe mais recurso sobre o pagamento. Só se for para discutir o valor”, afirma o advogado Túlio Ton Aguiar. A defesa explica que o montante milionário é relativo ao tempo ao período que o ex-major ficou sem receber a aposentadoria.
“Independente de ter perdido a patente. A gente conseguiu que fosse reconhecido o direito a receber”, diz o advogado. A defesa informou à reportagem que não teve contato recente com Carvalho.
O Campo Grande News entrou em contato com o diretor-presidente da Ageprev, Jorge Martins, que prometeu dar retorno com o posicionamento da agência sobre o processo de Carvalho. A reportagem não recebeu resposta até a publicação da matéria.
A carreira na Polícia Militar durou 16 anos. Ele ingressou na PM em 25 de janeiro de 1980 e se aposentou em 28 de maio de 1996. A aposentadoria foi antes da condenação por tráfico. De acordo com o Portal da Transparência de Mato Grosso do Sul, o ex-major recebe, atualmente, aposentadoria de R$ 11.105,64.
Em 2007 e 2009, quando já cumpria pena em regime semiaberto, voltou a ser preso por envolvimento em jogos de azar, alvo das operações Xeque-Mate e Las Vegas. No ano de 2010, virou notícia durante a Operação Vitruviano, que apurou fraude ao espólio de um homem que morreu sem deixar herdeiros.
Carvalho seria o chefe da quadrilha que tentava ficar com a herança estimada em mais de R$ 100 milhões. Ele só foi expulso da Polícia Militar em 7 de março de 2018.
Mansão na Espanha e devendo IPTU – Os diferentes padrões de vida no comparativo entre Paul e Carvalho também se mostram na questão habitação. Na Espanha, a versão europeia tem casa avaliada em R$ 12 milhões.
Em Campo Grande, tem cobrança na Justiça por não pagar IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) de R$ 2.156,84 relativo a imóvel no Jardim Tijuca. No local, de muro alto e portão todo fechado, o morador se apresentou como dono da casa e diz desconhecer o ex-major.
A Enterprise obteve judicialmente o bloqueio de R$ 400 milhões em bens e imóveis dos investigados, incluindo carros de luxo, joias, imóveis e 37 aeronaves (uma delas avaliada em 20 milhões de dólares).
A vida de luxo do principal alvo da operação foi destacada pelo coordenador nacional de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas da Polícia Federal, Elvis Secco. Durante o Fórum Nacional de Segurança Pública, ele comentou os impactos da pandemia para as organizações criminosas.
“Os grandes líderes estão milionários. E quando falo isso não falo de forma abstrata, está comprovado. O grande líder de organização criminosa, aquele que como na operação Enterprise mantinha em depósito, na garagem de um imóvel, 12 milhões de euros numa van, foi atingido pela pandemia? Ele voava em jato de 20 milhões de dólares e morava em residência de 2,5 milhões de euros na costa da Espanha”.