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Capital

Diálogo e voluntariado socorrem quem quer pular para fora da vida

Aline dos Santos | 05/12/2016 13:24
Centro ajuda pessoas que precisam ser ouvidas.(Foto: Alcides Neto)
Centro ajuda pessoas que precisam ser ouvidas.(Foto: Alcides Neto)

“E quer mesmo que lhe diga; é difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, severina”. (João Cabral de Melo Neto)

Quando o telefone toca no GAV (Grupo Amor Vida), é inevitável o frio na barriga. Do outro lado da linha, certamente está alguém que sofre, e, não raro, relata que está preste a saltar para fora da vida. Em média, o serviço voluntário atende 2.500 ligações por mês. Mas em dezembro, enquanto uma felicidade coletiva se espalha por árvores, ceias e planos, se avolumam dramas pessoais e o número de chamadas supera 3 mil ligações.

“Liga na madrugada, conta que está com uma arma na mão ou em alta velocidade, dá para perceber pelo vidro aberto. Mas tudo o que ela quer é ser ouvida, acolhida. Salvar uma vida já vale à pena”, afirma o coordenador de divulgação do GAV, Roberto Sinai.

No serviço, que já se chamou CVV (Centro de Valorização da Vida), o voluntário passa até duas horas conversando com uma mesma pessoa. Roberto explica que não oferecem tratamento médico ou acompanhamento, mas os ouvidos disponíveis e o diálogo ajudam a pessoa a refletir. Ele compara o trabalho ao da válvula de uma panela de pressão.

“Se der a oportunidade de desabafar, falar dos sentimentos, das dores, do que aflige. A pessoa ganha fôlego para procurar ajuda profissional, conversar com a família sobre o assunto”, relata.

O atendimento, que contabiliza 16 anos e 650 mil ligações, resiste até mesmo com o advento de novas formas de comunicação, como aplicativos e redes sociais. “Na verdade, é fácil me passar por um homem muito feliz no Facebook, mas quando a dor aperta, o sentimento fala alto, quando precisa despir das máscaras, procura o GAV”, diz Roberto.

O grupo tem 43 voluntários, mas, para dar conta da demanda, seria necessário dobrar o número. Para a noite de Natal, tido como momento crítico, são dois atendentes, por exemplo. O voluntário preciso ter mais de 18 anos e passar por um curso de formação. Para quem mora em Campo Grande, o serviço está disponível por meio do 141. Moradores do interior do Estado devem ligar para (67) 3383-4112 ou (67) 3383-4113.

Alegria triste – “Ajudam muito fazendo isso, saber escutar”, afirma o psiquiatra Marcos Estevão Moura sobre o trabalho voluntário por telefone. O profissional ainda explica que determinadas datas tendem a ter mais registros de tentativas.

“Na verdade, a gente observa o maior número de concretização de atos e tentativas em determinadas épocas do ano ligadas a datas importantes como aniversário, Natal ou datas importantes para os familiares. O Natal tem uma alegria triste. Tinha a época infantil, a família se reunia, existia Papai Noel. Faz lembrar um tempo que era bom, nas não é atualmente. Uma relação paradoxal”, afirma o médico.

Para ajudar quem pensa em tirar a própria vida, há os fatores de proteção, como auxílio médico, psicológico, observação familiar, adesão ao tratamento, além de vínculos religiosos e afetivos. “Esse querer morrer pode passar, essa dor. Se ele admitir que esse sofrimento pode passar com o tempo”, diz o médico.

A depressão lidera o quadro de motivação que pode levar alguém a atentar contra a própria vida. Na sequência, vêm os transtornos de personalidade e esquizofrenia. “Mas a depressão é o grande mal para o suicídio”, afirma Marcos Estevão.

Precisamos falar sobre suicídio? - Se temas como violência, abusos, chacinas e tragédias são considerados aptos pela sociedade para ser tema do noticiário, o suicídio suscita o temor de que a divulgação estimule mais casos.

“A mídia não tem que se calar não. Tem que brigar e incentivar o poder público a investir mais”, afirma. O médico exemplifica que Campo Grande deveria ter um Caps (Centro de Atenção Psicossocial) a cada 50 mil habitantes. Ou seja, seriam necessárias 16 unidades.

“Mas temos quatro. Precisaria mais, absorver essa clientela tentando o suicídio, Mas se tiver consulta só daqui a tantos meses, ele nem deixa marcado. Tem um suicídio a cada 40 segundos no mundo”, salienta.

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