Grupos disputam esquema de contrabando e descaminho e "dominam" o Centro
Produtos do Paraguai são vendidos em meio a itens legalizados, no mercado bilionário que usa MS como corredor
Era por volta das 11h de movimentada sexta-feira no Centro de Campo Grande, quando viaturas da Decon (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes contra as Relações de Consumo) e da equipe do Procon pararam na Rua Dom Aquino. O alvo era a loja pequena e amarela, que revendia bichinhos de pelúcias, capas de celulares e outros acessórios de telefonia.
A Operação Online faz parte de investigação em andamento sobre a atuação e disputa entre grupos que dominam o contrabando e/ou descaminho no Centro de Campo Grande. A apuração tramita de forma sigilosa, sob responsabilidade da Decon.
Naquela sexta, 15 de setembro, produtos de telefonia e informática, avaliados em R$ 50 mil, foram apreendidos, material passível de comercialização em território nacional, mas que não tinha comprovação fiscal de procedência. O gerente e o funcionário foram presos.
Na audiência de custódia, a juíza Júlia Cavalcante Barbosa, da 3ª Vara Federal, avaliou que a conduta se amoldava em descaminho e não contrabando. Converteu o flagrante em liberdade provisória, mediante pagamento de fiança de R$ 500 e comparecimento bimestral às audiências.
O advogado Carlos Marques, que representou os detidos, diz que houve desentendimento na transferência da loja de comerciante para outro, o que ocasionou a denúncia, segundo ele, infundada. Também alega que os produtos não são oriundos do Paraguai, descartando crime de descaminho ou contrabando.
A assessoria do Procon/MS informou que participou da operação, autuando a empresa por não comprovar, por nota fiscal, a origem do produto, não apresentar alvará de localização e funcionamento, além de deixar de prestar informações essenciais em português sobre o produto. As atividades foram suspensas até que as irregularidades sejam sanadas. O prazo para apresentação de defesa é de 20 dias. Hoje, a loja permanecia fechada.
O delegado da Decon, Reginaldo Salomão, não quis falar sobre a investigação.
Onipresença - A atividade desenvolvida naquela loja não é exclusiva, muito menos, anormal na região central da cidade. Em uma rápida volta pelas ruas 13 de Maio, 14 de Julho, Dom Aquino e na avenida Afonso Pena, a reportagem contou 40 estabelecimentos similares. As capinhas de celulares forram as paredes e são vendidos a preços que vão de R$ 20,00, no modelo mais simples do Android a R$ 50 para os Iphones, além de fones a partir de R$ 15 e películas a R$ 10.
Na maioria, antigas bancas de jornais, lojas em pontos estreitos, mas há os que são mais vistosos, exibindo os produtos eletrônicos nas vitrines. Na extensão da Avenida Noroeste, essas lojas estão em sequência, parede com parede, e tem como vizinho o Camelódromo, ponto recorrente de operações policiais semelhantes à desenvolvida na Rua Dom Aquino.
“As empresas se constituem de forma legal, muitas vendem produtos legalizados, mas se valem disso para constituir a parte ilegal e, assim, vão vendendo”, explica o delegado da Receita Federal em Campo Grande, Zumilson Custódio da Silva. Pelas fronteiras com a Bolívia e o Paraguai chegam toneladas de produtos, como cigarros, narguilé, tabaco, bebidas, pneus, roupas, tênis, medicamentos, celulares, fones, capas e brinquedos.
O delegado explica que Mato Grosso do Sul funciona como corredor para abastecer os grandes mercados, como São Paulo, Rio de Janeiro e até Goiás. “Pequena parcela fica pelo caminho, como em Campo Grande”.
As apreensões desse “corredor do contrabando” mostram o volume milionário movimentado na atividade. De janeiro a agosto deste ano, a Receita Federal apreendeu R$ 89,439 milhões em produtos ilegais. Destes, 28,5% são de máquinas e aparelhos, como celulares, de gravação, reprodução de imagem e som e acessórios, o que representa R$ 25,177 milhões.
O Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade estima que o prejuízo provocado pelo mercado ilegal no Brasil chegou a R$ 410 bilhões em 2022. No total, R$ 129,2 bilhões deixaram de ser arrecadados na forma de impostos devidos.
O delegado explica que a ação dos contrabandistas, na maioria, é executada pelo crime organizado. “O transporte de cigarros não é viagem aleatória, individual, é coordenado, é maior”, diz.
Silva lembrou de operação que apreendeu R$ 1,9 milhão em produtos ilegais, em junho deste ano. “É atividade rentável, negócio que dá lucro; perde-se carga grande ou veículo, mas passa outro e ele já consegue comprar outro [veículo]”. A representação disso são os depósitos abarrotados da Receita Federal em Campo Grande, Mundo Novo, Ponta Porã e Corumbá, além do local usado para armazenar os veículos apreendidos. A estimativa é que há, pelo menos, R$ 500 milhões em mercadoria ilegal confiscada.
Segundo o delegado, a Receita Federal realiza operações para tentar coibir o contrabando o mais próximo da fonte, ou seja, ainda na região de fronteira. Quando já chega no comércio, a situação já fica mais sensível. “O impacto social é maior”.
Nas estradas, o trabalho envolve equipes volantes em conjunto com as polícias Federal e Rodoviária Federal, além de ações de inteligência, como no último dia 20, quando foram desmontados dois depósitos clandestinos em Dourados e Douradina.
Há projeto para se criar centro de armazenamento e logística em Dourados, justamente pela importância da cidade para o contrabando, sendo considerado um entreposto até a destinação final do produto.
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