Três anos depois, família lembra que sucessão de erros destruiu vida de Júnior
Filho de vereador entrou andando do hospital e saiu em estado neurovegetativo
Em 25 de fevereiro de 2022, uma sexta-feira de Carnaval, Roberto de Avelar Júnior, 30 anos, entrou caminhando no Hospital Adventista do Pênfigo, unidade da Avenida Gunter Hans, em Campo Grande, para cirurgia simples de retirada de pino do braço esquerdo. Porém, só voltou para a casa no Dia dos Pais daquele ano, em 14 de agosto, já em estado neurovegetativo, quadro que permanece três anos depois.
RESUMO
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Em fevereiro de 2022, Roberto de Avelar Júnior, de 30 anos, foi submetido a uma cirurgia simples no Hospital Adventista do Pênfigo, em Campo Grande, para retirada de um pino no braço. No entanto, complicações durante o procedimento o deixaram em estado neurovegetativo. Seus pais, Beto Avelar e Dabiana Alves, alegam uma série de erros médicos, incluindo a aplicação de anestesia por um profissional sem especialização e a falta de assistência adequada. O caso resultou em uma investigação judicial e um processo ético no Conselho Regional de Medicina. A família busca justiça e melhores condições para Júnior, que agora vive sob cuidados domiciliares.
Pais de Júnior, o vereador Beto Avelar (PP), que também é advogado, e a pedagoga Dabiana Alves Barcelos relatam uma sequência de erros dentro da unidade hospitalar, além da falta de qualquer assistência diante da grave situação.
O emocionante depoimento, revisitando os três anos do caso, foi feito na manhã de sábado (22) à equipe do Campo Grande News. Divorciados, Beto e Dabiana somam esforços para que Júnior possa ter a melhor vida possível. Na casa, a porta da rua se abre a todo instante: entram profissionais de saúde e familiares, numa corrente de apoio e amor.
Meu filho entrou andando e saiu neurovegetativo do hospital. São erros gritantes. Quando ficamos sabendo da parada cardiorrespiratória, nós tomamos todas as providências. Solicitamos a sindicância do hospital, fizemos o boletim de ocorrência”, relata o pai.
Conforme o vereador, antes de receber a anestesia, o filho estava com a frequência cardíaca de 38 batimentos por minuto, enquanto que o mínimo para o procedimento seria de 50 batimentos.
“No começo, nós pensamos que poderia ter anotado os batimentos errados. Mas, na semana passada, se confirmou que o registro era fidedigno. Mas veio com a resposta que o [batimento] não é preponderante para fazer ou não a cirurgia”.
Segundo a família, o medicamento foi aplicado por médico sem formação em anestesiologia e que saiu da sala, não acompanhando o paciente. O grave quadro de Júnior, com bradicardia (batimentos lentos) e pele com coloração azulada (indicativo de falta de oxigenação já por alguns minutos) só foi notada por uma enfermeira circulante, que passa monitorando as salas do centro cirúrgico.
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Quando foi dado o alerta, o cirurgião ortopedista não fez o socorro de imediato, com espera pelo colega que aplicou a anestesia. De acordo com resolução do Conselho Federal de Medicina, “o médico anestesista deve permanecer dentro da sala do procedimento, mantendo vigilância permanente, assistindo o paciente até o término do ato anestésico”.
Ainda conforme o pai, Júnior foi intubado e a chamada extubação deveria ser realizada, pelo menos, após 72 horas e com avaliação de parâmetros. Mas, no caso do filho, os aparelhos foram retirados duas horas depois. A manobra não teve sucesso e foi retomada a intubação. Alegando lapso (esquecimento), o procedimento de extubação não foi colocada no relatório.
“Esse médico, que não é anestesiologista, extubou meu filho duas horas depois. Ele não colocou no relatório nenhuma intercorrência, mas a informação que nos temos é que o meu filho teve outra parada, mas isso é uma caixa-preta que ninguém sabe”.
Para surpresa da família, a sindicância do hospital não encontrou problemas e aponta que a parada cardiorrespiratória no processo anestésico pode acontecer com qualquer pessoa. “Mas eles não quiseram apresentar para nós as oitivas das pessoas ouvidas na sindicância. Essas oitivas são conclusivas da negligência, imprudência e imperícia. Nós tivemos que pedir judicialmente”, diz o pai.
Segundo o vereador, o contrato do hospital com empresa terceirizada previa um anestesiologista. “Mas, logo em seguida encerraram esse contrato porque viram que ela não tinha essa especialidade”. A cirurgia, realizada após o paciente ser entubado, foi custeada pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Júnior ficou 90 dias no CTI (Centro de Terapia Intensiva), enfrentando infecções sequenciais.
Bastante comovido, Beto conta que tentou não mostrar ao neto, na época criança, a real situação do pai. Contudo, diante dos apelos do menino, mostrou o vídeo de como Júnior estava. O neto caiu no choro, não pelo quadro grave, mas por ter uma prova de que o pai estava vivo.
Nesta jornada de 1.096 dias, o pai palmeirense passou a ficar feliz com as vitórias do São Paulo, time de Júnior, enfrentou o medo de perder o filho e se habituou a sair correndo madrugada adentro em busca de socorro hospitalar, temeroso de que a ambulância não chegue a tempo.
Dabiana rememora os 30 dias que ficou praticamente sem dormir quando o filho, finalmente, voltou para casa e a sensação de extremo abandono.
Não passava pela minha cabeça que uma instituição de saúde adventista e filantrópica, como o Hospital do Pênfigo, faria isso com a família. A falta de assistência social e psicológica nos deixou ainda mais vulneráveis. Quem deveria nos estender a mão nos virou as costas. Ninguém nos preparou para esse pesadelo. Ninguém nos orientou sobre o que fazer. Tudo o que restou foi um sentimento de abandono e uma pergunta que ecoa sem resposta: como isso pôde acontecer?”, diz a mãe.
Sofrimento – “O resultado é o sofrimento dele. O paciente não tem linguagem, a interação é pobre, a musculatura está toda contraída e isso gera dor, gera sofrimento e gera sofrimento na alma do pai e da mãe. É difícil vivenciar essa situação com indiferença”, afirma o médico neurologista João Américo Domingos, que acompanha o paciente.
Sob os cuidados dos pais, Júnior está em internação domiciliar, conseguida após a família travar batalha judicial. No corpo, uma bomba embaixo da pele envia medicamento para atenuar as dores. Os cabelos negros são penteados de lado, um afago de mãe ao filho sempre vaidoso.
No quarto, uma televisão, mural de fotos da família e muitas imagens de santas, trazidas por amigos para o devoto de Nossa Senhora. No dia 22 de março, Júnior faz aniversário de 34 anos.
Desdobramentos – De acordo com Beto Avelar, o médico Antônio Rodrigues de Pontes Neto, que aplicou a anestesia em Júnior, foi indiciado por lesão corporal gravíssima.
A reportagem verificou que, a pedido do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), o juiz da 5ª Vara Criminal de Campo Grande desclassificou a conduta para lesão corporal culposa e determinou a remessa para o Juizado Criminal Especial. Depois, o processo voltou para 5ª Vara. Agora, o MPMS aguarda o resultado do processo ético profissional no CRM (Conselho Regional de Medicina).
Em interrogatório na 5ª Delegacia de Polícia Civil, o médico informa que o paciente entrou na lista de cirurgia por encaixe. Desta forma, não foram feitos exames pré-operatórios e nem avaliação pré-cirúrgica.
O profissional conta que não foi informado que o paciente tinha perdido o baço num acidente e que não se ausentou do centro cirúrgico. Ainda alegou que o fato de não ser especialista não impede o ato médico.
A defesa informa que o procedimento no CRM é sigiloso, ainda sem resultado, e que no aspecto criminal o médico não foi citado sobre nenhum processo.
A família ainda denunciou a diretora Karin Kiefer Martins ao Conselho Regional de Medicina.
"O Hospital Adventista do Pênfigo, em respeito à transparência e à verdade dos fatos, vem esclarecer que, no caso do paciente Roberto Avelar, todos os apontamentos citados estão sendo abordados tanto em processo judicial, quanto em processo administrativo. A instituição reitera, ainda, que nas esferas em questão, tem colaborado de forma plena e transparente com a Justiça, fornecendo todos os documentos e informações necessárias para o esclarecimento completo da situação", informa a unidade hospitalar.
Ainda segundo a nota enviada à reportagem, o hospital reforça seu compromisso com a ética, a integridade e a qualidade no atendimento aos seus pacientes. "E, como parte de sua postura responsável, confia que a resolução dos questionamentos ocorrerá de forma célere e justa, a fim de comprovar a boa-fé e o compromisso com os mais altos padrões de conduta da instituição".
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