Nos 365 dias sem Mayara: feminicídio, saudade e descrença na Justiça
“Eu não acredito na Justiça. Nem um pouquinho. Tenho até medo de ir nesse júri popular e eles liberarem”, conta Viviane, irmã de Mayara
Duas menina sentadas num balanço, de mãos dadas e um coração ao centro. Com diversas tatuagens, Viviane Fontoura Holsback, 22 anos, tem nesse singelo desenho o registro mais marcante e dolorido.
A figura é completada pela frase “Você sempre estará aqui comigo Mayara”, reproduzindo a letra , um tanto “tortinha” de Mayara Hoslback, que aos 18 anos virou estatística de feminicídio. O crime completa um ano e também deixa em Viviane a marca da incredulidade: “Não acredito na Justiça”.
Para lidar com a saudade da irmã, Viviane trocou de perfume, elas usavam o mesmo, e guardou uma bonequinha de recordação, uma menina em cima de uma concha. Nas datas especiais, a família se habitua a pensar em um ano antes e um ano depois de 15 de setembro de 2017, data do crime. Namorado de Mayara, Roberson Batista da Silva, o Robinho, de 33 anos, a matou com golpes de tesoura.
“A minha mãe já era magra, agora ficou mais magra ainda, nem come direito. No aniversário da minha mãe, no dia 6 de setembro, não foi a mesma coisa, ninguém comemorou. No ano passado, ela [Mayara] estava com nós. Ontem, minha mãe ficou lembrando, só de pensar que ano passado ela estava aqui em casa. É difícil”, diz Viviane, sobre a rotina depois do crime.
Também fica na lembrança de Viviane que a irmã viveu um relacionamento abusivo. Mesmo preso, ele monitorava os passados da namorada. “Deus me livre. A gente ficava sentada, conversando e a cada cinco minutos tocava o celular dela. Ela não aguentava e ia embora para a casa. Ele colocava na cabeça da Mayara que todo mundo tinha inveja dela. Tipo assim você é minha e só minha”, diz a irmã.
Ele namoravam há três meses quando Robinho foi preso. “Nesses três meses ele tratava ela bem, dava roupa curta, erguia ela lá em cima. Depois que foi preso, começou a proibir ela de sair. Ele cuidava o aplicativo do Uber e sabia todo lugar que ela ia. Ele ficava ligando 24 horas”, conta Viviane. Em liberdade condicional, ele saiu da prisão e o casal se reencontrou.
Depois do crime, Roberson fugiu, ficou 51 dias foragidos e se entregou para a polícia em 7 de novembro do ano passado. Na delegacia, disse que Mayara era a garota de programa, que “tirou ela da vida” e depois de preso ela disse que havia voltado a se prostituir. “Isso machuca. Ele saiu falando que ela era garota de programa. A pessoas não está aqui para se defender. Só tem a gente para defender. Depois que mata, todo mundo não presta”, afirma a irmã.
O julgamento de Robinho primeiro foi marcado para 19 de julho, mas acabou cancelado a pedido da defesa, que alegou falta de intimação de uma testemunha imprescindível e uma cirurgia.
O juiz da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, Carlos Alberto Garcete, remarcou o júri popular para o próximo dia 20. Ele foi denunciado por homicídio doloso, com qualificadoras por feminicídio e motivo torpe.
No processo, a defesa sustentou que não houve motivação torpe e que a qualificadora qualificadora do feminicídio não poderia prevalecer unicamente “em face da vítima de sexo feminino”. As qualificadoras são as circunstâncias que podem aumentar a pena.
“Eu não acredito na Justiça. Nem um pouquinho. Tenho até medo de ir nesse júri popular e eles liberarem”, conta Viviane.
A Lei 13.104, de 9 de março de 2015, alterou o código penal para incluir mais uma modalidade de homicídio qualificado, o feminicídio: quando crime for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.