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“Só eu sei o que passei”: mulher de ex-guarda chora e repete versão de tortura

Para jurados, sem compromisso legal com a verdade, Eliane Batalha nega o que disse à polícia sobre milícia

Por Anahi Zurutuza e Dayene Paz | 17/09/2024 10:21
Eliane Benitez Batalha dos Santos em depoimento nesta terça-feira (17) (Foto: Henrique Kawaminami)
Eliane Benitez Batalha dos Santos em depoimento nesta terça-feira (17) (Foto: Henrique Kawaminami)

No mesmo tom do depoimento dado para o júri que condenou o marido no ano passado, a mulher do ex-guarda civil metropolitano, Eliane Benitez Batalha dos Santos, repetiu a versão de tortura psicológica durante cinco dias, fazendo acusações contra delegados, promotores e policiais, que na versão dela, atuaram numa espécie de complô para forçá-la a dar o depoimento incriminador contra os réus da Operação Omertà.

No testemunho choroso desta terça-feira (17), ela negou tudo o que disse no interrogatório gravado na Garras (Delegacia Especializada em Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros), onde estava abrigada após a prisão do marido.

“Para salvar meus filhos eu faria qualquer coisa” e “só eu sei o que passei” foram algumas das frases de efeito ditas por Eliane na frente dos jurados.

A mulher, que chegou a ser considerada testemunha-chave contra a milícia alvo da Omertà, mudou de lado ainda no curso dos processos derivados das investigações contra o marido, considerado o braço direito de Jamil Name e do filho, Jamilzinho, os líderes de poderosa organização criminosa, segundo as investigações.

Logo após a prisão, no dia 19 de maio de 2019, com arsenal que pertenceria à milícia, Marcelo pediu proteção para a família e Eliane chegou a assinar documento solicitando ao Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) para ser inclusa em programa de proteção à testemunha. Durante o trâmite, ficou em alojamento para policiais na Garras.

Nesta terça-feira (17), sem o compromisso com a verdade – já que foi ouvida na condição de informante, por ter vínculo afetivo com um dos acusados – Eliane afirma que aceitou a proteção oferecida pela Garras porque policiais disseram que ela estava sob ameaça. “O delegado Peró, Sartori [delegado João Paulo Sartori] e policiais foram na casa da minha mãe falar que eu estava correndo risco de vida, para me levar para a delegacia para me proteger e proteger meus filhos. Me pegaram lá, fomos até a escola dos meus filhos pegá-los e fomos para a delegacia. Entrei no dia 22 de maio e só saí do dia 27”.

A depoente afirma ainda que o conteúdo do depoimento de 2019, que ela desmente por inteiro, foi forjado pelo delegado Fábio Peró, o titular da Garras à época e integrante da força-tarefa que caçou e prendeu os Name.

O delegado e policiais, segundo ela, diziam o tempo todo que ela estava em perigo e a escoltava fortemente armada, mantendo o clima de medo. “O delegado Fábio Peró e os policiais começaram a conversar comigo, dizendo que iam me matar e eu precisava prestar um depoimento falando tudo o que eles me diziam. Não falavam quem que ia me matar. Falavam que iam arrancar minha cabeça e a cabeça do Marcelo. Mostraram fotos e vídeos de pessoas que eu nunca tinha visto na minha frente”.

Eliane narra que os filhos – de 5 e 7 anos – foram “usados” para manipulá-la. As crianças ficaram sem se alimentar direito e confinadas no alojamento da delegacia, na versão dela, embora admita que até em mercado foi levada para comprar guloseimas para as crianças.

Disse, ainda, que Marcelo Rios foi fisicamente torturado e que os pedidos de socorro dele em cela eram ouvidos por ela e pelas crianças. “Ouviram o pai chorando, agonizando logo ali. Fazer isso com uma criança é desumano”.

“Monstro” - Como no primeiro júri, ela descreveu episódio que o filho teria vivido naqueles dias. As crianças teriam sido deixadas no alojamento, enquanto a mãe foi levada até a casa dela por equipe da Garras. O menino, inconformado com a demora da mãe, teria deixado o quarto à procura dela, mas se deparou com um homem que descreveu como “barbudo, todo de preto, com cara de monstro”. “Era o delegado Fabio Peró”, afirmou Eliane.

No julgamento do ano passado, ela havia dito que neste momento o policial teria dito ao garoto que “arrancariam” a cabeça da mãe. “Ele olhou para o meu filho e disse: ‘nós mandamos a sua mãe para arrancar a cabeça dela. Nós vamos arrancar a cabeça da sua mãe’”, descreveu, aos prantos no dia 18 de julho de 2023.

A versão mudou nesta terça-feira. Segundo a mulher, naquele momento que o menino deixou o alojamento e deparou-se com Peró, o delegado teria dito que os pais deveriam “ajudar” a polícia. “Ele fala: ‘pede pra mamãe ajudar, se não cada um de vocês vai para uma família”.

Hoje, enquanto Eliane falava, Marcelo Rios colocava as mãos na cabeça e fazia cara de choro, em vários momentos.

O delegado – No ano passado, após saber do teor dos depoimentos das testemunhas de defesa no julgamento que condenou Name Filho e Rios pela morte do estudante de Direito, Matheus Coutinho Xavier, Fábio Peró deu entrevista ao Campo Grande News e rebateu as acusações. “Tática é velha para descredibilizar a investigação e os policiais”.

O delegado explica que a força-tarefa atuou “o tempo todo para proteger” Eliane Batalha e as crianças. O depoimento dela só mudou, segundo a Omertà, depois que ela e Rios receberam a visita de advogado enviado pela família Name à Garras.

Delegado Fábio Peró, no dia 20 de maio de 2019, quando deu coletiva sobre apreensão de arsenal com o guarda municipal Marcelo Rios que desencadeou investigação que chegou aos Name (Foto: Campo Grande News/Arquivo)
Delegado Fábio Peró, no dia 20 de maio de 2019, quando deu coletiva sobre apreensão de arsenal com o guarda municipal Marcelo Rios que desencadeou investigação que chegou aos Name (Foto: Campo Grande News/Arquivo)

O crime – No segundo júri da Omertà, Marcelo Rios é acusado de arquitetar o plano para matar Marcel Hernandes Colombo, o “Playboy da Mansão”, a mando do patrão, Jamil Name Filho.

A vítima foi executada aos 31 anos com tiros de pistola 9 milímetros à queima-roupa em um bar da Avenida Fernando Corrêa da Costa, Vila Rosa Pires, em Campo Grande, na madrugada de 18 de outubro de 2018. Um amigo dele ficou ferido.

A história, porém, remonta a 2016, quando houve desentendimento entre Jamil Name Filho e vítima em uma boate da Capital, segundo o próprio acusado de ser o mandante do crime, por causa de balde de gelo.

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