Com 17 casos por dia de pneumonia, Saúde alerta para vacina
Por dia, em média 17 crianças entre 1 e 9 anos tem o diagnóstico de pneumonia na rede pública de saúde de Mato Grosso do Sul. Em Campo Grande, por exemplo, 80% das internações infantis na Santa Casa e no Hospital Regional são consequentes de doenças respiratórias, principalmente pneumonias. A esperança é que a partir deste ano, as estatísticas melhorem.
Desde março, o Ministério da Saúde passou a disponibilizar para a rede pública de saúde a vacina Synflorix, mais conhecida como pneumo-10, da GlaxoSmithKline Brasil, que cobre dez sorotipos da bactéria pneumococo, principal causadora das doenças pneumocócicas em crianças. Antes a única disponibilizada no mercado era a Prevenar (7-valente), da Wyeth, responsável pela cobertura de sete sorotipos.
Existe também a conjugada 13-valente, que entrou no mercado a partir de julho deste ano, porém só é disponibilizada na rede privada de saúde, de acordo com o pediatra Antonio Graciliano Arguello Filho, coordenador do Crie (Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais), que fica no Hospital Regional Rosa Pedrossian, em Campo Grande.
Essas vacinas são responsáveis por proteger crianças contra os sorotipos mais comuns do pneumococo. No entanto, existem aproximadamente 91 sorotipos da bactéria.
O pneumococo é transmitido por meio da saliva e pode entrar pelas narinas e se multiplicar no nariz. Através das secreções a bactéria pode chegar até o ouvido e provocar uma otite, cair na corrente sanguínea e parar no cérebro desenvolvendo meningite ou então chegar ao coração e ser responsável por uma endocardite.
O pediatra Alberto Cubel Brull Junior, presidente da SPMS (Sociedade de Pediatria de Mato Grosso do Sul), reforça a informação de que as doenças pneumocócicas não estão estritamente relacionadas à pneumonia. Elas podem provocar meningite, pneumonia bacterêmica (pneumococo entra no sangue e vai parar no pulmão), septicemia (infecção generalizada), que são consideradas invasivas e pneumonia comunitária, otite e conjuntivite, doenças não invasivas.
Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, a Synflorix é encontrada pelos pais nos postos de saúde dos municípios. A Prevenar é distribuída no Crie.
Instalado no Hospital Regional desde 2003, o Crie foi pensado preliminarmente como um dispensário de vacinas, contudo, ao longo dos anos o órgão passou a ofertar vacinas que não fazem parte do calendário vacinal de imunização de rotina, justamente para pacientes em condições especiais.
Conforme o pediatra Antonio Arguello, o Crie distribui as vacinas Prevenar e pneumo-23 a adultos e crianças prematuras, com idade abaixo de dois anos e para pacientes portadores de imunodeficiência ou doenças crônicas como diabetes, aids, síndrome de Down e de Edwards. A pneumo-7 é dada em crianças com faixa etária até dois anos e a pneumo-23 em crianças com idade acima de dois anos e em pacientes adultos.
Pacientes especiais de todo o estado podem solicitar as vacinas oferecidas no Crie por meio de encaminhamento médico ao órgão e não precisam sair de suas cidades para se deslocarem até Campo Grande, afinal, o centro envia as vacinas às secretarias municipais de saúde, que as encaminham aos pacientes. O Crie existe em todos os estados brasileiros.
De acordo com estimativa da OMS (Organização Mundial de Saúde), as doenças pneumocócicas causam até 1,6 milhão de óbitos a cada ano em todo o mundo. Até 1 milhão desses óbitos ocorrem em crianças menores de cinco anos.
A falta de informação de muitos pais, na maioria das vezes, contribui para que as estatísticas avancem. Muitos desconhecem que as vacinas contra as doenças pneumocócicas podem ser dadas nas crianças, a partir dos dois meses de vida, e de graça.
"Antigamente eu tinha que convencer as mães a gastarem cerca de R$ 270 a R$ 290 reais por uma dose de vacina, mostrar que valia o investimento. Hoje o meu papel é informar a elas que já existe vacina de graça na rede pública de saúde", explica o presidente da SPMS.
Casos - Sobrevivente de quatro pneumonias, a pequena Anna Beatriz Garcia Rodrigues, de 6 anos, hoje é uma criança saudável e com tempo dedicado à escola e também às aulas de balé. Com dez dias de nascimento ela foi acometida pela primeira pneumonia, que a fez ficar 23 dias internada.
Pais de Anna, a jornalista Janaina Garcia, 30 anos, e o consultor de vendas Gustavo Gusman Rodrigues, 28 anos, contam que levaram a filha a um posto de saúde de Campo Grande, assim que perceberam a febre alta e o choro compulsivo. No local eles foram informados por uma médica de que a bebê não apresentava doença alguma.
Como a febre persistia, no dia seguinte Janaina novamente levou a filha até o posto e só quando se depararam com Anna tendo crises compulsivas é que os médicos fizeram seu encaminhamento ao hospital.
Mesmo assim, Janaina e Gustavo não vacinaram a filha e quando ela completou um ano e meio, novamente foi internada às pressas, onde ficou por 15 dias. No local foi aplicada vacina de reforço e a pequena liberada.
Depois da segunda pneumonia, Anna Beatriz teve outras duas: uma aos 3 anos e outra quando completou 5. Ela recebeu tratamento em casa e também a vacina preparada por seu pediatra, a pedido de Janaina.
"Se pudesse voltar o tempo, faria tudo diferente. Não sabia que a vacina podia ser aplicada a partir dos dois meses. Eu admito que se tivesse seguido a risca as etapas de vacinação, minha filha não iria desenvolver pneumonia alguma", frisa Janaina.
A artista plástica Marta de Souza Frutuoso Figueiredo, 31 anos, mora em Nova Andradina, interior do estado, e conviveu com uma situação trágica. Há cerca de quatro anos, o filho de 2 anos de um casal de amigos teve pneumonia, foi encaminhado para Dourados e induzido ao coma por três meses, devido à gravidade da doença.
João Felipe acabou não resistindo e morreu. A morte trágica do garoto ampliou a visão de Marta em relação aos cuidados para com a filha Ana Beatriz, que estava sendo gerada e hoje tem 3 anos e 4 meses. Mesmo alertada sobre os riscos, a mãe teve a garota em Porto Alegre do Norte, cidade localizada no interior de Mato Grosso, considerado por ela um município sem recursos.
Morando no local e indo poucas vezes a Nova Andradina visitar os pais, Marta acabou dando as vacinas que constam no programa vacinal, no entanto, a mudança de cidade trouxe novo frescor para mãe e filha. "Fico feliz em saber que essa vacina está disponível na rede pública, assim todas as crianças, independente de recursos financeiros, poderão se defender dessa bactéria. Desse ano não passa", afirma a artista plástica, também citando como principal entrave o alto custo da vacina.
A reportagem do Campo Grande News foi até o Hospital Regional a procura de crianças acometidas por doenças pneumocócicas e se deparou com Rafaela Flores da Silva e Livian Lopes Vilela, ambas com 2 anos. Aparentemente recuperadas de um baque, as meninas estavam acompanhadas, respectivamente, pela avó e madrinha.
Betina Aracy Alvarez da Silva, 67 anos, disse que recentemente foi visitar a neta no município de Aquidauana e percebeu que ela estava com febre alta e tossia muito. Logo constatou que a menina estava com pneumonia e sugeriu aos pais de Rafaela que ela fosse encaminhada ao médico.
O diagnóstico foi confirmado e a menina transportada ao Hospital Regional. "Se não fosse minha ida até a casa da minha neta, talvez tivesse acontecido coisa pior. Ela é meu tesouro", relatou Betina, comentando que Rafaela, apesar de estar se recuperando, teria que fazer drenagem no pulmão.
Assim como Betina não sabia que as vacinas contra doenças pneumocócicas podem ser dadas a partir dos dois meses e de graça na rede pública, Alessandra de Fátima Silva Cruz, 35 anos, também desconhecia a informação. Acompanhando a afilhada Livian em internação no Regional, ela esclareceu que a pneumonia da garota foi adquirida de uma gripe mal curada.
Internada há dois dias no hospital, aos poucos Livian começava a dar sinais de melhora. "É a primeira vez que ela tem pneumonia e se Deus quiser a última", admitiu Alessandra, assegurando que fará questão de levar a afilhada para tomar a primeira vacina contra pneumonia.
Estatísticas - As doenças pneumocócicas acometem principalmente crianças com baixa imunidade e de baixo nível sócio econômico. De janeiro a julho deste ano, 3.546 crianças entre 1 e 9 anos foram internadas por conta de pneumonia em hospitais públicos no estado. Já a meningite ocasionou 10 internações na mesma faixa etária.
A pneumonia causou 29 mortes de crianças entre 1 a 9 anos neste ano, enquanto a meningite não fez vítimas. Os números de óbitos de crianças nessa faixa etária nem se compara com o registro do ano passado, quando 53 crianças morreram em decorrência de pneumonia e duas por causa de meningite. Houve queda de 45,29% nos casos de morte por pneumonia entre o ano passado e os sete primeiros meses deste ano.
No ano passado, 6.646 crianças com idade entre 1 e 9 anos foram internadas acometidas de pneumonia, contra 21 acometidas por meningite nos hospitais da rede pública de saúde.
Otimismo - Como a vacina passou a ser disponibilizada gratuitamente pelo governo em março deste ano, Alberto imagina que em dois anos os reflexos dessa vacinação começarão a ser notados. "As internações poderão diminuir e o cenário será maravilhoso sem essa bactéria", comemora antecipadamente o médico.
As vacinas contra doenças pneumocócicas têm que ser aplicadas aos dois, quatro, seis e quinze meses. Em contrapartida, também é necessário que as crianças cresçam num ambiente higiênico, com aleitamento materno e onde sejam evitadas aglomerações.
"É importante que as autoridades públicas não deixem faltar a vacina. Porque um atraso pode significar a doença na criança", enfatiza o médico pediatra Antonio Arguello.
Uma soma de esforços entre sociedades de pediatria de todo o país junto aos comitês de imunização garantiu a disponibilização da vacina pneumo-10 na rede pública de saúde. Pediatras, pais e filhos agradecem.
Saiba mais sobre algumas doenças pneumocócicas:
Pneumonia: infecção ou inflamação dos pulmões causada por fungos, bactérias ou parasitas. O pneumococo é a mais frequente.
Sintomas: gripe comum, febre, tosse, dores no tórax, sangramento no nariz, vômitos.
Meningite: causa a inflamação das membranas que envolvem o cérebro, chamadas meninges.
Sintomas: dor de cabeça e rigidez de nuca associada à febre, confusão mental, alteração do nível de consciência, vômitos e intolerância à luz ou a sons altos.
Sinusite: inflamação dos seios paranasais, geralmente associada a um processo infeccioso.
Sintomas: febre, coriza, dor de cabeça e vômito.
Otite: inflamação do ouvido médio: o espaço atrás da membrana timpânica.
Sintomas: dor de ouvido, febre, acarretando em perda da audição, se não for bem tratada.