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Cidades

Feminicídio é desprezado em 75% das mortes violentas de mulheres em MS

Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que fez pesquisa, afirma que cultura ainda é mais forte que a lei

Izabela Sanchez | 30/10/2017 18:44
A morte de Mayara Amaral gerou debate nacional sobre o tema. (Foto: Reprodução Facebook)
A morte de Mayara Amaral gerou debate nacional sobre o tema. (Foto: Reprodução Facebook)

Enquanto os números aumentam, os registros não acompanham. É a avaliação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre o feminicídio, "crime novo", qualificador de gênero, sancionado durante o governo de Dilma Rousseff (PT) em 2015. O fórum acaba de divulgar o novo anuário com números e análises dos crimes no Brasil. Em Mato Grosso do Sul, com base em dados da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública), o Fórum afirma que das 136 mortes violentas de mulheres, "com características de feminicídio", apenas 34 foram registradas pela polícia como feminicídio.

Neste ano, um caso rumoroso, que virou notícia nacional, foi a morte da musicista Mayara Amaral, asssassinada em um quarto de motel pelo então namorado, Luiz Alberto Bastos. Ele foi denunciado por latrocínio, por ter ficado com os bens dela, mas o caso gerou uma diferença de interpretações jurídicas. O juiz que recebeu a denúncia acatou argumento da defesa de se que tratava de feminicídio e agora o processo vai depender do Tribunal de Justiça para definir como vai ser julgado o assassinato da jovem.

O anuário, explica o Fórum, tem justamente objetivo de suprir a falta de conhecimento consolidado, sistematizada e confiável na área. Para isso, analisa dados de registros policiais sobre criminalidade, informações sobre o sistema prisional e gastos com segurança pública, entre outros recortes introduzidos a cada edição.

Este ano, os crimes que não foram registrados junto às delegacias como feminicídios, foram chamados pelo Fórum de "CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais)". Para isso, o Fórum analisa as informações do boletim de ocorrência. Em 2015, ano em que a lei começou a sistematizar os casos de mortes de mulheres por serem mulheres, Mato Grosso do Sul registrou 83 casos de "CVLI" e 16 feminicídios.

Em 2016, o aumento foi 112% com relação aos casos de feminicídio: 34 casos. Já os CVLIs aumentaram 23%. A proporção de crimes violentos, registrados na Deam (Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher) de Mato Grosso do Sul, em comparação aos feminicídios foi de 33%, conforme o Fórum.

Estado foi escolhido pela ONU

Mato Grosso do Sul foi escolhido em um projeto considerado inovador e que teve acompanhamento da ONU (Organização das Nações Unidas) para implementar o protocolo que mudou a forma como o crime é investigado: do registro policial ao julgamento.

O Estado também foi um dos únicos a receber a CMB (Casa da Mulher Brasileira) que une todos os atendimentos. Isso porque Mato Grosso do Sul é 9º no ranking de unidades federativas com mais casos de feminicídio. O Brasil é o 5º país onde esse tipo de crime mais acontece.

"A publicação é uma ferramenta importante para a promoção da transparência e da prestação de contas na área da segurança pública, influenciando a melhoria da qualidade dos dados por parte dos gestores. Além disso, o anuário contribui para a produção de conhecimento, para o incentivo à avaliação de políticas públicas, para a introdução de novos temas na agenda de discussão do campo e para ações de incidência política realizadas por diversas organizações da sociedade civil", explica o Fórum.

Uma cultura de poder sobre a mulher

Consultora sênior do Fórum, Olaia Hanashiro explicou que a legislação que avança esbarra na cultura. Por isso, opina, é necessário que o poder público invista na formação e capacitação de todos os profissionais envolvidos nos casos de violência contra a mulher: da escuta ao julgamento.

Mato Grosso do Sul é um dos Estados, ainda assim, considerados 'modelo' na investigação de crimes ligado à razão de gênero. "O que a gente percebe é que a lei é muito recente, esse registro é sub notificado, porque ainda não existe uma orientação clara. Muitos dos casos registrados como comuns já poderiam ser enquadrados como femincídio, porque a maioria se dá no âmbito da violência doméstica, feminicídios íntimos", comenta.

O que a especialista afirma é a realidade de mais de 70% dos feminicídios no Brasil, que ocorrem no âmbito do relacionamento entre homens e mulheres, diferentes da origem da legislação que começou há anos, com o desaparecimento de trabalhadoras no México.

A lei 13.104 afirma que considera-se que há razões de condição de 'sexo' feminino quando o crime envolve: I - violência doméstica e familiar; II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

"É uma cultura de violência contra a mulher, é um crime que passa pela condição de ser mulher, de ódio ou de posse, que é marcado por uma relação de poder, em relação a essa mulher, ao controle, eles acontecem quando essa pessoa sente que perde o controle", comenta Olaia.

Fórum - O FBSP é uma organização sem fins lucrativos que declara "ter como missão" atuar como um espaço "permanente e inovador de debate, articulação e cooperação técnica para a segurança pública no Brasil".

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