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Cidades

Miguel Vieira ignorou indícios veementes para não denunciar Artuzi

Aline dos Santos | 31/07/2013 07:44
Miguel Vieira diz que não teme decisão do CNMP. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)
Miguel Vieira diz que não teme decisão do CNMP. (Foto: Adriano Hany/Arquivo)

O processo administrativo disciplinar, que levou à recomendação para demitir o ex-chefe do MPE (Ministério Público Estadual), procurador Miguel Vieira da Silva, revela “vista grossa” para proteger o ex-prefeito de Dourados, Ari Artuzi, movimentação financeira atípica e recursos sem origem. Conforme o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), Miguel Vieira praticou crimes incompatíveis com o exercício do cargo: tráfico de influências, corrupção passiva e improbidade administrativa. Caso a demissão seja concretizada, ele perde o posto cuja remuneração é de R$ 25.323.

Segundo o relatório, a comissão processante examinou detidamente a cronologia dos fatos que levaram à denúncia “para concluir que tudo já estava previamente orquestrado com a cúpula do Poder Executivo de Dourados, com base no depoimento de algumas testemunhas e na deficiência da denúncia ofertada acompanhada de um pedido extemporâneo (apenas ao final das investigações) da prisão preventiva de Ari Artuzi”.

Em parecer datado de 28 de agosto de 2009, o então procurador-geral de Justiça apontou insuficiência de provas contra Artuzi e solicitou à PF (Polícia Federal) que juntasse todos os elementos de prova da operação Owari. A ação investigou fraudes em licitações em Dourados, Ponta Porã e Naviraí para beneficiar o grupo Uemura. Na ocasião, foram presos secretários e vereadores.

“Muito embora o processado tenha entendido que a responsabilidade penal do ex-prefeito dependeria da análise de todo o material que estaria em poder da Polícia Federal, observa-se pelo exame da denúncia que foi ajuizada em face de Ari Artuzi a existência de fatos que denotam que, no primeiro contato que o processado teve com as peças do caderno inquisitorial, já havia indícios veementes de prática de crime pelo ex-prefeito”, informa o relatório.

Já o pedido de prisão de Artuzi por intimidar testemunha só foi encaminhado após o final da investigação. “Logo, não se justificaria a demora na implementação do pedido de prisão preventiva – efetivada apenas no dia 3 de março de 2010 – quando há muito presentes os pressupostos autorizadores da medida, o que confirma que houve retardamento, pelo processado, no cumprimento do seu dever funcional”.

Em outro ponto, é revalado que Ari Artuzi deixou de ser denunciado por alguns crimes que teria praticado, como crime eleitoral, crime de responsabilidade consistente na entrega de imóveis construídos pelo município para Sizuo Uemura e tratativas para o repasse da folha de pagamento dos funcionários da Prefeitura e da Câmara Municipal do Banco do Brasil para a Caixa Econômica Federal com o recebimento de vantagem de R$ 2 milhões.

“Estava tudo esquematizado conforme relatado pelo ex-deputado Ary Rigo, tanto que a denúncia ofertada, como o pedido cautelar do afastamento do denunciado Ari Artuzi de suas funções de prefeito municipal de Dourados, bem como a prisão preventiva e demais pedidos foram analisados pelo desembargador Claudionor Miguel Abss Duarte, um dos principais nomes citados também em vários trechos da degravação como representante do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul envolvido no esquema de corrupção que indeferiu o pedido de prisão formulado”, afirma o relatório.

Em um dos vídeos da operação Uragano, realizada em 2010, o então deputado estadual Ary Rigo disse que conseguiu livrar o prefeito de Dourados “juridicamente” de acusações. Ele citou os nomes do desembargador Claudionor Abss Duarte e de Miguel Vieira. O repasse só ao MPE seria de R$ 300 mil por mês.

Apartamentos e poupança particular - Conforme o documento, a análise bancária revela o valor de R$ 249 mil sem origem determinada. Inicialmente, não foi percebida incompatibilidade de patrimônio. Contudo em 2009, quando estava no comando do Ministério Público Estadual, a evolução patrimonial foi de quase 70%.

O procurador justificou que o valor sem origem veio de uma poupança particular que mantinha em casa. Com o intuito de evitar “juros, tarifas e mirabolantes planos econômicos do governo”. O recurso teria sido amealhado a partir de 2005, para, em 2008, voltar a ser depositado no banco.

Para o relator, conselheiro Adilson Gurgel de Castro, a versão de poupança particular é fantasiosa , sem prova nos autos. “O processado transportou dinheiro na mala sem comprovação de origem e foi para outro Estado, camuflando a prática de corrupção”, afirma o relator, ao citar a compra de um apartamento em Maceió. Na viagem, Miguel Vieira levou R$ 50 mil em espécie.

A compra de um apartamento no edifício Graciliano Ramos, em Campo Grande, teve explicações divergentes. O procurador afirmou ter pagado em três parcelas: R$ 77 mil em fevereiro de 2009, R$ 77.679 em maio de 2009 e R$ 56 mil de saldo restante para 2010. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) aponta que a importância de R$ 211.400 foi paga à vista.

Ainda o segundo relator, o mesmo valor de R$ 50 mil, proveniente da poupança particular, foi usado como justificativa para três ações. Primeiro, a compra de uma chácara em Bonito. Depois, para a aquisição do apartamento em Maceió. E também para repor valor na poupança particular.

Agora, o MPE aguarda o envio do processo para propor a ação civil pedindo perda do cargo e improbidade administrativa. Por ser vitalício, a demissão do cargo de procurador só pode ser feita com autorização judicial.

Não teme - No julgamento em dezembro do ano passado, a defesa do procurador questionou os valores. O advogado Paulo Tadeu Haendchen afirmou ao CNMP que a acusação de que o procurador recebia R$ 300 mil “por fora”, no período de dois anos, é incongruente.

“A diferença é de R$ 246 mil, mesmo depois de retificada. Teria que ser R$ 7,2 milhões. Não consta um documento dizendo onde está o valor”, declarou, na ocasião. Miguel Vieira declarou que não teme a decisão. “Quem não deve, não teme”, afirmou.

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