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Em Pauta

A invenção da celebridade

Mário Sérgio Lorenzetto | 21/11/2018 09:00
A invenção da celebridade

Em fevereiro de 1778, Voltaire, então com 85 anos, decidiu ir a Paris, depois de trinta anos de ausência. Essa estada suscitou espetaculares manifestações de entusiasmo. Todos os escritores se precipitaram para festejá-lo, enquanto as elites disputavam uma chance de ver o homem cujo nome era, desde então, célebre em toda a Europa. As visitas multiplicavam-se. A Academia Francesa o recebeu com grande pompa. Diante de um público alvoroçado, seu busto foi coroado.

Maria Antonieta foi a celebridade "avant la lettre", obrigada a viver constantemente sob o olhar dos outros, sem qualquer intimidade. O despertar de Maria Antonieta não era de um indivíduo privado, e sim o de uma pessoa integralmente pública. Bocejava em público.

A cultura da celebridade repousa na distinção e na inversão do privado e do público. A vida privada é tornada pública pela imprensa. A invenção da celebridade é um fenômeno recente, originário da época de Voltaire e Maria Antonieta. Está diretamente ligado ao desenvolvimento da cultura de massa, à sociedade do espetáculo e 'a onipresença dos meios de comunicação. A celebridade é definida pelas manifestações mais extremas: a histeria dos fãs, a multiplicação interminável de suas imagens, seus rendimentos exponencias aberrantes, suas excentricidades e o sucesso dos tabloides.

A invenção da celebridade
A invenção da celebridade

Os célebres e os degenerados da glória.

Sempre existiram pessoas muito conhecidas. O primeiro registro vem de Alexandre, o Grande. Todavia, antes, elas deviam a notoriedade a suas façanhas, seus talentos e suas obras. Hoje, são célebres unicamente em razão da exposição na mídia, sem fazer jus a qualquer outro título. A celebridade passou a ser uma degeneração da glória, um fenômeno midiático. Pessoas conhecidas por serem conhecidas. Indivíduos sem talento e sem obra, cujo único mérito é aparecer na televisão ou nas redes sociais.

Para alguns estudiosos do assunto, as celebridades seriam um substituto moderno das crenças religiosas e dos mitos: "o culto das estrelas" seria uma variação do culto dos santos e dos heróis, uma idolatria moderna. Heroicizadas, divinizadas, os célebres são mais que objeto de admiração. São também objetos de culto. De um lado, a glória dos chefes de Estado, de artistas, eruditos e até de campeões esportivos: citemos Churchill, Pablo Picasso, Marcel Proust, Franz Liszt. Cristiano Ronaldo e Messi são a epítome dos esportistas. Lula foi santificado há 16 anos. Bolsonaro é o santo do dia.

Mas há casos estranhos. Quem ignora que Vincent Van Gogh - cuja glória póstuma foi imensa - era conhecido em vida por não mais de meia dúzia de pessoas.

A invenção da celebridade
A invenção da celebridade

A prova da celebridade.

O indivíduo célebre não é conhecido apenas por seus parentes, amigos, vizinhos, seus pares ou clientes, mas por um vasto conjunto de pessoas com as quais não têm nenhum contato direto, que nunca o encontraram e jamais o encontrarão. A prova da existência da celebridade começa quando um cantor passa a ter seu nome e rosto conhecido por aqueles que não ouvem suas canções. A de um jogador de futebol quando é reconhecido por aqueles que não assistem a um jogo. O célebre lida com um público.

A invenção da celebridade
A invenção da celebridade

A celebridade têm autonomia de sua reputação.

Quando um escritor, um ator, um assaltante tornam-se célebres, a curiosidade por eles gerada deixa de ser avaliada à luz dos critérios próprios à sua atividade original. Eles se tornam figuras públicas, que não são mais julgadas - pelo público, bem entendido - pelas suas competências, e sim quanto à sua capacidade de captar e manter a curiosidade popular. Uma segunda característica é a ligação afetiva dos fãs. Ao contrário do que alguns imaginam, há uma ligação afetiva poderosa entre o célebre e seus fãs. É claro, uma ligação fantasiada e unilateral. É o apego a pessoas célebres, que é vivido de um modo mais intenso à medida que é compartilhado por muitas pessoas de seu entorno.

Quanto mais célebre é um político, um músico, mais seus fãs se convencem facilmente de que mantêm com ele uma relação íntima e única. O indivíduo descobre-se singular no momento em que se funde a uma massa de fãs. É o motor paradoxal da cultura de massas. Outro paradoxo é que o indivíduo célebre é grande por sua celebridade e, ao mesmo tempo, semelhante ao mais comum dos mortais, por suas fraquezas e baixezas.

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