Colesterol: Explode a guerra contra as estatinas
Nos anos 70 o cientista japonês Akira Endo teve uma ideia que salvou muitas vidas e se converteu em um negócio colossal. Esse especialista em fungos cultivou milhares de espécies em busca de uma substância para bloquear a produção de colesterol e, assim, reduzir os problemas cardiovasculares que o colesterol provoca. Akira Endo encontrou a substância. Em 1987 foi aprovada nos Estados Unidos a lovastatina, a primeira estatina (grupo de medicamentos que ajudam a reduzir o colesterol e os triglicerídeos) para uso humano.
As estatinas se mostram eficazes. O ápice das receitas.
Desde 1987 as estatinas se mostraram eficazes para prevenir ataques do coração e outras complicações cardíacas em pessoas que já haviam sofrido com esses males ou que tinham elevado risco de vir a ser acometido por alguma complicação desse tipo. Em 2017 uma revisão científica publicada na revista The Lancet estimava que as estatinas evitavam ao redor de 80.000 infartos a cada ano. O êxito desses medicamentos tem sido tal que as instituições médicas responsáveis por elaborar as guias e normas sobre quem deve tomá-los foram ampliando os critérios e passaram a receitar as estatinas como se fosse um copo de água. Pediu, levou a receita. Segundo um cálculo da Universidade de Stanford (EUA) afirmava que haveria um bilhão de pessoas no mundo para quem se poderia receitar estatinas. Milhões de pessoas que até há poucos anos se consideravam sadias passavam a escutar de seu médico que deveriam tomar esses fármacos para o resto de suas vidas se desejassem reduzir a probabilidade de que seus corações lhe ocasionassem uma má surpresa.
Os médicos não se entendem sobre o uso das estatinas.
Essas recomendações, respaldadas por muitos dos melhores cardiologistas do mundo, encontraram a oposição, muitas vezes beligerante, de alguns de seus colegas, que também gozam da fama de estar no mais elevado patamar da medicina. Medico famoso contra medico famoso.
Os efeitos secundários das estatinas e os bilhões faturados.
Segundo os críticos das estatinas, é possível o surgimento de efeitos secundários como dores musculares e um pequeno risco de vir a padecer de diabetes. Os críticos entendem que essas possibilidades são plenamente aceitáveis para quem tenha um elevado risco de sofrer um ataque cardíaco. Mas não devem ser aceitos por pessoas sadias. Também denunciam que as indústrias farmacêuticas faturarão, em um ano, algo maior que um bilhão de euros com a venda desses remédios. E concluem afirmando que só o "Liptor", medicamento estrelado da Pfizer, vendeu 120 milhões de dólares nos EUA.
A guerra explode no Reino Unido e na França.
Tanto no Reino Unido como na França as estatinas estão sendo demonizadas. A guerra é travada na trincheira dos cardiologistas contra os médicos de atenção primária (o correspondente a nossos médicos de postos de saúde). A maioria dos cardiologistas já não aceita receitar estatinas para quem é são. Mas essa é a guerra dos médicos. Há uma ainda maior, de alcance mundial. As duas maiores e mais famosas revistas científicas da medicina mundial - The Lancet e a British Medical Journal - se entrincheiraram, combatem-se usando toda a influência que dispõem. A British considera necessário questionar a quem vê a estatina como uma panaceia, e vem publicando duros artigos criticando-as. Também publica revisões feitas por médicos que mostram que as estatinas não beneficiam todo mundo. Desejam que todos se dediquem (aquilo que não desejam fazer) a mais exercícios físicos e melhoria na alimentação ao invés de tomar estatina.
Na outra dura e irredutível trincheira está o The Lancet. São tantas matérias promovendo as estatinas e combatendo o British Medical Journal que seu editor, Richard Horton, chegou a escrever que o dano causado na confiança do público nas estatinas é similar ao que provocou o artigo (cientificamente incorreto) que relacionava a vacina com o autismo. E agora, como ficam os meros mortais? Tomam estatina para prevenir infarto?