Grãos de café com amor
A chegada do café nas Américas começa com um intento de espionagem. A Companhia das Índias que tinha o monopólio do comércio de café entre o Iêmen e a França, ficou preocupada ao saber que os franceses da ilha caribenha de Martinica planejavam enviar um espião ao Iêmen para roubar sementes de café.
A viagem do café para o Caribe é uma história festejada de heroísmo e sacrifício. Em 1723, um capitão do exército francês Gabriel Matheiu de Clieu, foi encarregado de levar um único pé de café que os holandeses haviam dado ao rei francês Luis XIV. Quando o navio do capitão foi apanhado em uma calmaria no Atlântico, ele usou sua pouca ração de água potável para manter viva a planta solitária. Aquela única muda marcou a introdução do café nas Américas. Em menos de uma década, 2 milhões de pés de café cobriam o solo da Martinica.
Os amantes que trouxeram o café para o Brasil.
Frustrados por sua incapacidade de conseguir a "planta de ouro", como era conhecido o café, os portugueses finalmente tiveram uma oportunidade em 1727, quando um oficial luso-brasileiro foi convidado para mediar uma disputa de fronteiras entre a Guiana Francesa e a Holandesa. Francisco de Melo Palheta concordou imediatamente em assumir o posto. Mas seu interesse maior era conseguir um modo de apanhar sementes de café do que arbitrar uma disputa territorial. Um breve mas apaixonado caso amoroso com a esposa do mandatário francês deu a Palheta a oportunidade ideal. Em um banquete, e sob o olhar do marido que nada suspeitava, a esposa do francês deu a Palheta um enorme buquê. Escondido dentro dele havia um punhado de grãos de café. Palheta zarpou com seu tesouro, e o Brasil iniciou o caminho para se tornar o maior produtor mundial. Uma infestação de fungos atingira o café no Ceilão e na ilha de Java, dando ao café brasileiro a oportunidade de crescer.
Mata-fome de pobre.
O século XIX viu o café se transformar de uma bebida especial da elite em um produto de massa. No final do século XVIII, as mulheres vendiam "café au lait" por dois centavos o pote de cerâmica nas esquinas de Paris. Segundo um relato da época, os trabalhadores "viam mais economia, mais substância e mais sabor nesse alimento do que em qualquer outro. Consequentemente, eles bebiam quantidades prodigiosas dizendo que em geral os sustentava até a noite". Café, em primeiro lugar, secundado por açúcar, chá e chocolate, eram chamados de "mata-fome de pobre". Satisfaziam as pessoas que estavam com fome.
A empresa suíça Nestlé derrubou o café brasileiro.
Se ocorria tempo bom no Brasil, o maior produtor mundial, que era e continua sendo, os preços do café caiam em todo o mundo. Era globalizado. Inversamente, produtores em outros países se alegravam quando o clima ruim no Brasil elevava os preços. O Brasil dava as cartas - e os preços - nesse mercado. Em 1938 veio a queda. Em resposta às pressões brasileiras de uma solução para o excesso de grãos no mundo, a empresa suíça Nestlé desenvolveu um processo de desidratação a frio que podia preservar os grãos de café e instantaneamente transformar o café em pó em bebida com a adição de água quente.
Os gigantes da torrefação e os pobres produtores.
As quatro gigantes da torrefação e do varejo - Nestlé, Procter and Gamble, Kraft Foods e Sara Lee -, que juntas controlam quase a metade do café do mundo, sempre beneficiam-se das quedas dos preços. Transferem pequena parte da redução para os consumidores e ao mesmo tempo engordam consideravelmente suas margens de lucro. Os valores pagos aos produtores despencaram mais de 80% desde 1997, mas o preço médio no varejo só caiu entre 27% e 37%. As companhias que sempre se saem bem nessa baixa são os varejistas sofisticados como a Starbucks, que cobram dos clientes até 5 dólares por uma xícara de café - dos quais, menos de um centavo vai para o produtor.