Um resfriado nada comum
Esta é a história de como os rinovírus conquistaram gradualmente o mundo. Uma história de um camarada que nos leva a permanecer na cama por um ano ao longo da vida e nos mostra como os vírus são longevos.
Há 3.500 anos, um erudito egípcio escreveu um tratado médico que é tido como o mais antigo do mundo. Entre as enfermidades que descreveu no conhecido papiro "Ebers" aparecia algo que ele denominou "resh". Mesmo com um nome tão estranho, seus sintomas - tosse e escorrimento de líquido pelo nariz - nos é familiar imediatamente. O "resh" é o resfriado comum.
O rinovírus é um Matusalém.
Alguns vírus são novos para a humanidade. Outros são obscuros e exóticos. Mas pelo contrário, o rinovírus - o causador do resfriado e dos ataques de asma - é um camarada tão velho como cosmopolita. Se estima que ao longo da vida, cada pessoa permanecerá um ano na cama por culpa do resfriado. Em outras palavras, o rinovírus é um dos vírus mais exitosos que temos conhecimento.
Um desequilíbrio do estado de ânimo?
Hipócrates, o famoso médico da Grécia antiga, acreditava que o resfriado era resultado de um desequilíbrio no estado de ânimo. Dois mil anos depois, no princípio do século XX, nossos conhecimentos não haviam avançado muito. Leonard Hill, um dos médicos mais famosos dessa época, concluiu que o resfriado era produto dos passeios matutinos que as pessoas praticavam com frequência, passando do ar temperado de suas residências ao frio da rua. Essa ideia, apesar do equívoco, subsiste até os dias atuais.
A primeira pista do rinovírus.
Em 1914, um microbiólogo alemão chamado Walther Kruse enxergou a primeira pista sobre a origem do resfriado, depois que um ajudante que estava com a doença assou o nariz. Kruse misturou o muco de seu ajudante com uma solução salina, passou o resultado por um filtro e depositou umas poucas gotas do líquido obtido em 12 de seus colegas. Quatro deles tiveram resfriado. Mais tarde, Kruse repetiu a experiência com 36 estudantes. Quinze deles tiveram a enfermidade. Kruse comparou os resultados com os de 35 alunos que não tinham recebido a gota. Só um deles teve resfriado. Os experimentos de Kruse deixaram claro que um diminuto patógeno era o responsável pelo resfriado.
Era uma pequena bactéria?
Muitos especialistas pensaram que se tratava de algum tipo de uma diminuta bactéria. Todavia, o médico norte-americano Alphonse Dochez descartou essa ideia em 1927. Se dedicou a filtrar a mucosidade de indivíduos resfriados empregando filtros muito finos, a mesma ideia que Martinus Beijerinck, um microbiólogo holandes, tinha usado para descobrir o que atacava a seiva do tabaco. Ainda que extraísse as bactérias, o muco das pessoas com resfriado seguia contagiando mais e mais pessoas. Só um vírus seria capaz de passar pelos filtros de Dochez.
Só nos anos 50 entenderam o rinovírus.
Foram necessária outras três décadas para que os cientistas descobrissem que vírus era esse que nos causa resfriado. Os rinovírus, vírus do nariz ("rino" significa "nariz") são de uma simplicidade assombrosa. Eles só contam com 10 genes. Nós humanos contamos com mais de 20.000 genes. Apesar dessa simplicidade, a informação genética que dispõem é suficiente para invadirem nossos corpos, enfrentarem nosso complexo sistema imunológico e se reproduzirem, escapando, em seguida, para irem em busca de novos hóspedes, novas vítimas humanas. Os rinovírus se propagam através do gotejamento do nariz. As pessoas resfriadas assoam o nariz, os vírus vão parar nas mãos e logo se disseminam pelas superfícies em que temos contato.
Os rinovírus não fazem as trapalhadas típicas do coronavírus.
Mas eles são diferentes do coronavírus. Infectam um número relativamente pequeno de nossas células, causando um dano limitado. Não são os trapalhões do mundo viral como os corona. Mas como se explica que provoquem tanto mal estar? A culpa recai exclusivamente em nosso corpo. Os ataques dos rinovírus e dos coronavírus liberam as agora famosas citocinas, ocasionado uma tempestade dessas moléculas. Provocam uma sensação áspera na garganta e desemboca na aparição de abundante mucosidade ao redor da infecção. Para recuperar-nos do resfriado e da covid-19 não só devemos esperar que o sistema imunitário acabe com o vírus, como que o sistema imunitário recupere a calma, reduza a "maluquice".
A cura ainda é um mistério.
O autor egípcio do papiro Ebers escreveu que a cura do "resh" consistia em untar uma mistura de mel, ervas e incenso ao redor do nariz humano. Quinze séculos depois, o erudito romano Plínio O Velho, recomendava esfregar um rato no nariz. Na Inglaterra do século XVII, a cura incluía uma combinação de pólvora, ovos, esterco de vaca e sebo. Leonard Hill, o médico convencido de que a causa do resfriado era uma mudança da temperatura, recomendava que as crianças começassem o dia com uma ducha fria, mesmo que a temperatura estivesse abaixo de zero grau. No dia de hoje, seguimos sem um remédio para o resfriado e para o coronavírus.