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Reportagens Especiais

Liberdade é marca de 1º povo negro da Capital, nascido da fé em São Benedito

Tia Eva era devota do santo; fé que seus descendentes seguem até hoje

Lucia Morel | 20/11/2022 07:05
Imagem de São Benedito, de quem Tia Eva era devota. (Foto: Reprodução redes sociais)
Imagem de São Benedito, de quem Tia Eva era devota. (Foto: Reprodução redes sociais)

Os primeiros negros que pisaram onde hoje está situada Campo Grande podem ter vindo em comitiva do fundador José Antônio Pereira, em 1872. Os registros históricos, entretanto, documentam que apenas em 1890 é que houve de fato presença negra, com o ex-escravo Dionísio Vieira e sua comitiva, que se estabeleceram na região do Jatobá, onde hoje está localizada o município de Jaraguari e há a comunidade Furnas de Dionísio.

Na Capital, o primeiro grupo negro a se estabelecer foi o da ex-escrava Eva Maria de Jesus, a Tia Eva, que fincou-se na região do córrego Cascudo e que hoje, leva o nome da própria fundadora, perto do Jardim Seminário, região centro-norte de Campo Grande.

Isso ocorreu em 1905 e um ano depois foi erguida a segunda igreja da então Vila de Santo Antônio, a Igreja São Benedito. “Por causa dela, o lugar logo passou a ser conhecido em Campo Grande como São Benedito. Nesse novo local, os componentes da “irmandade” começaram a casar-se entre si”, cita artigo do antropólogo Carlos Alexandre Barboza Plínio dos Santos, disponível na revista científica online, Open Edition Journals.

Assim, solo campo-grandense nunca viveu a escravidão de fato, conforme os registros históricos. O historiador Paulo Cabral comenta que “José Antônio Pereira, em 1872, chegou com dois filhos, um sertanista que os guiou e dois escravos, os quais podem ter voltado com ele em 1875. Mas, de todo o modo, não houve aqui escravidão como em outras partes do Brasil”.

Devoção a São Benedito é seguida até hoje pela comunidade. (Foto: Reprodução redes sociais)
Devoção a São Benedito é seguida até hoje pela comunidade. (Foto: Reprodução redes sociais)

Para um dos descendentes dela, Ronaldo Jefferson da Silva, de 41 anos, neste dia 20 de novembro, em que se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra, a comunidade ainda busca valorização, mesmo após 120 anos de estabelecimento. “Acho que esse dia é para reflexão sobre o que foi feito para as comunidades negras e o que ainda mais pode ser feito pelas comunidades quilombolas de MS”, diz.

Benzedeira – Pelos dados do artigo “De escrava a santa - Eva Maria de Jesus (Tia Eva)”, de Plínio dos Santos, Tia Eva “foi idealizada como uma liderança religiosa. Os sacrifícios vividos por ela no cativeiro, as promessas que fez para São Benedito e o seu “dom” de benzer e curar doenças formaram a sua imagem ligada diretamente ao campo do sagrado. Como que revivendo o mito judaico-cristão da terra prometida, tia Eva pediu a São Benedito uma terra onde os negros pudessem viver em liberdade, sem apanhar”.

E os relatos de seus descendente corroboram com essa ideia, já que “mais tarde, iniciou-se um movimento similar ao messiânico: tia Eva, com a imagem de São Benedito, guiou seu povo oprimido em direção a essa terra. Por fim, tia Eva e Adão, seu esposo  (“Adão e Eva”), juntamente com seu povo, após os sofrimentos impostos pelo trajeto, chegaram ao paraíso, a terra sem sofrimento, um espaço destinado por Deus para a construção do “projeto camponês””, cita o antropólogo.

Por fim, ele destaca que “num sentido bíblico, as dificuldades da migração foram imposições de Deus a seus eleitos, pois somente após o sofrimento e a privação, como se fosse um rito de passagem, os eleitos chegariam à “terra prometida””.

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