Omertà: Igual ao de série, taco com arame revela sadismo
Instrumento segundo investigação é de "Jamilzinho", que teve mais uma prisão decretada esta semana, por extorsão e agiotagem
Há um ano, a “Operação Omertà” produz cenas da vida real com jeito de filme ou série sobre máfia em Mato Grosso do Sul. Foram cinco fases até agora, a última delas na semana passada contra esquema de extorsão armada, agiotagem e lavagem de dinheiro sob o comando de Jamil Name, 81 anos, e Jamil Name Filho, 43 anos, conforme a acusação. Pai e filho estão no sistema prisional federal desde o dia de outubro de 2019, por liderar milícia armada. Primeiro ficaram em Campo Grande e depois foram para Mossoró (RN).
Nesta edição, a “Capivara Criminal” é dedicada a objeto aprendido com os investigados cuja propriedade é atribuída a “Jamilzinho”, também chamado de "Guri". A peça chama atenção justamente pelo paralelo com a ficção: é um taco de beisebol com arame farpado preso à ponta.
Idêntico à arma de “estimação” do personagem Negan, vilão na série “The Walking Dead”, o taco de madeira é, para os responsáveis pela operação, espécie de símbolo da crueldade do grupo criminoso. Era usado para intimidar quem devia dinheiro a eles e forçar assinatura de papéis capazes de transformar os empréstimos em bola de neve, ou “snowball” em inglês, como foi chamada a etapa mais recente da investida contra o bando.
A arma artesanal pesou 1,8 quilo, informou a perícia realizada. É de se imaginar que, se usada, tem potencial para matar e só por isso já provoca medo.
A análise técnica é de que o instrumento usado originalmente para praticar esporte pouco comum por aqui teve sua finalidade completamente desvirtuada, “tornando-se inequívoca arma branca”.
O laudo pericial bem ilustra suas estruturas e elementos constitutivos e que compõe o taco de beisebol, não havendo dúvidas que se tratava de mais um instrumento utilizado pelos autores para intimidar, constranger e ameaçar os clientes”, diz a representação criminal da 5ª fase da Omertà.
Produzida pelo Garras (Delegacia Especializada de Repressão a Roubo a Banco, Assaltos e Sequestros), a peça foi usada para embasar medida cautelar na qual foram autorizadas buscas e apreensão de provas da existência do esquema e ainda prisão preventiva de cinco envolvidos, entre elas nova ordem de encarceramento para os Name.
Nessa fase, a Omertà atingiu vereador de Campo Grande, Ademir Santana (PSDB), indicado como integrante do esquema criminoso. Chegou a ser pedida prisão dele, o que foi negado pelo juiz Olivar Coneglian, da 2ª Vara Criminal, para quem os indícios de participação nos ilícitos ainda não eram fortes a esse ponto.
Cena de filme – Santana, de acordo com o depoimento do empresário José Carlos de Souza, foi quem o levou à mansão da família, no Condomínio Bela Vista, para sessão de ameaças durante cobrança de dívida de empréstimo que se tornou tormento. O montante perdido para o escritório de agiotagem passou dos R$ 6 milhões, considerando cheques descontados e ainda imóvel tomado onde em maio do ano passado foi apreendido arsenal bélico, no Bairro Monte Líbano. A transação ilegal envolveu também os direitos sobre um terreno.
Na série de ficção citada, espelhada em quadrinhos sobre futuro povoado por zumbis, o antagonista Negan, cruel e sádico, está sempre com o “taco-arma” ao qual batizou de Lucille. É o mesmo nome da lendária guitarra do músico BB King.
"Jamilzinho", aponta o inquérito sobre a agiotagem, além de estar com uma pistola 9mm em mãos, deixou sua réplica de “Lucille” sobre a mesa do cômodo onde José Carlos de Souza e a esposa sofreram a intimidação. No mesmo local, havia homens armados, disse ao Garras o empresário.
O objeto em questão foi apreendido em 27 de setembro do ano passado, quando a Omertà teve início. Mas agora, com a nova fase destinada a desmantelar a estrutura ilegal de empréstimos a juros extorsivos, ficou mais claro como era usado e sua ligação com “Jamilzinh".
Segundo relata a peça investigatória, o taco estava na mesma casa onde ocorriam “transações, cobranças de juros, renegociações decorrentes, extorsões e toda sorte de crimes noticiados”, na Rua Rodolfo José Pinho.
Acusações - Jamil Name Filho é réu em todas as ações já abertas em decorrência da Omertà, por crimes como formação de milícia armada, tráfico de armas, organização criminosa, corrupção ativa e homicídio por encomenda. No organograma do bando criminoso, surge abaixo apenas do pai e como o homem que dava as ordens aos comandados.
São dele frases consideradas altamente incriminadoras pela acusação.
“A matilha é minha” é uma dessas falas, encontradas em conversas de celular ainda na primeira fase da operação.
A promessa de “maior matança da história de MS, de picolezeiro a governador” é outra afirmação creditada a Jamil Name Filho.
Para as autoridades, esse comportamento revela “audácia, destemor, forte resistência em se submeter à lei, bem assim a altíssima periculosidade do grupo”.
Na leitura de quem participa da investigação apurada pela coluna, é nítida a inspiração para mandar fazer a arma branca a partir do instrumento originalmente dedicado ao esporte e isso diz muito sobre a personalidade do investigado, ao escolher "imitar" personagem sádico.
Mesmo a família, em peça apresentada à Justiça, atribuiu a “Jamilzinho” problemas que o pai enfrenta, por negócios feitos pelo filho. Isso foi dito em pedido para declarar Jamil Name incapaz de gerir a vida civil, sob alegação de estar senil e ainda com doença mental.
Nessa nova investigação, haverá ainda interrogatório de pai e filho, em data ainda não marcada.
As defesas, durante todo o andamento dos processos e inquéritos, têm recorrido ao argumento de não haver provas dos crimes relacionados.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal vai divulgar informações sobre investigações criminais e seu andamento na Justiça.
Entenda o nome: Esta seção se chama assim em alusão à expressão "puxar a capivara", que usa o nome do animal visto frequentemente em Mato Grosso do Sul para designar o acesso à ficha corrida de alguém envolvido com o crime.
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