Violência doméstica e tentativa de estupro vetam arma a "Trutis"
De vítima a suspeito de ilícitos penais. De defensor do lema “bandido bom, é bandido morto” à condição de preso em flagrante, sujeito a punição por pelo menos três agressões à lei penal brasileira, portar armas sem autorização para isso, fazer disparos em local público e simular atentado, ou seja, falsa comunicação de crime. O status do deputado federal de primeiro mandato Loester Carlos Gomes de Souza, (PSL), o “Tio Trutis”, inverteu-se nos últimos dias depois de ser alvo de operação da Polícia Federal com uma tropa de 50 agentes de segurança mobilizados
Mas o parlamentar da "Bancada da Bala" já era um homem com antecedentes criminais, que vão de violência doméstica a tentativa de estupro.
O levantamento policial divulgado esta semana indica assessores e amigos como donos só no papel de duas pistolas e um fuzil encontrados na casa do político, no Jardim Vilas Boas, em Campo Grande. Quem comprou foi "Trutis". Quem usava, também, segundo a polícia. Porém, os registros eram feitos por outras pessoas.
É que o parlamentar não pode ter nada disso em seu nome nem estar de posse, porque a lei exige ficha criminal zerada. O próprio deputado reportou não cumprir essa condição.
Por responder a processo penal decorrente da Lei Maria da Penha, certamente atualmente não possui o preenchidos os requisitos para fins de aquisição de arma de fogo”, cita documento da PF, em alusão a declaração prestada por Loester Trutis.
A “Capivara Criminal” localizou os registros policiais que o levaram a ser enquadrado na legislação contra a violência de gênero. Em março de 2018, ainda como proprietário de lanchonete no Jardim São Bento, "Trutis" foi denunciado à Polícia Civil pela ex-mulher, enfermeira de 24 anos, por violência doméstica.
São dois boletins de ocorrência, um tipificado como vias de fato, nome técnico para quando pessoas se agridem fisicamente, e o outro por lesão corporal dolosa, ameaça e tentativa de estupro.
No Dia da Mulher – O primeiro registro foi no dia 8 de Março de 2018 à tarde, na Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) Centro. Recém separado, o casal discutiu e partiu para a luta quando debatia questões financeiras relacionadas ao bar do qual eram sócios, fechado neste mesmo ano.
A ex-companheira de relacionamento de mais de dois anos relatou aos policiais militares saques na conta dela, onde eram movimentados valores do bar, sem seu conhecimento. Disse ter ido à casa da mãe de Loester para tirar satisfação e acabou sendo convidada para se deslocarem ao endereço comercial.
Lá houve briga. Ela contou ter quebrado taças e até tentado arrancar na faca a tatuagem com o nome do ex de seu ombro, sendo contida por ele. Diz, ainda, ter ouvido Loester tirar sarro e falado em não devolver dinheiro, piorando toda a confusão.
Nesse dia, o relato foi de um golpe no rosto, sem ferimento, e a tentativa de imobilizá-la, da qual conseguiu fugir.
Três dias depois, em 11 de março de 2018, a Polícia Militar foi chamada para ir ao bar porque o casal havia se desentendido e houve violência. De novo, o assunto eram as tratativas sobre dinheiro do negócio em comum, mas o papo acabou descambando para a agressão física e verbal.
O boletim fala em tentativa forçada de sexo, ocorrida por volta das 19h30. Informa o texto que o agressor “tentou abaixar as calças” da ex-mulher. Recuou ao ouvir não. Cerca de três horas depois, outra confusão, agora com garrafas quebradas por parte de ambos e ela sendo colocada para a fora do lugar à força.
Foi o deputado quem acionou o 190 da Polícia Militar nas duas oportunidades.
O segundo episódio foi registrado na Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher), lá pelas 5h do dia 12 de março. A enfermeira pediu, então, a adoção de medidas protetivas e o atendimento pela Defensoria Pública.
Processos derivados desse tipo de crime correm em sigilo e por isso não houve acesso ao andamento atual.
Não pode - Esse passado é o que impede Trutis de ter armas registradas em seu nome. A lei é clara ao dizer que candidatos à posse e ao porte não podem nem responder a inquérito policial.
Segundo a investigação da Polícia Federal, o veto legal foi um dos motivos do parlamentar do PSL para arquitetar esquema de laranjas e conseguir exercer seu gosto armamentista, exibido frequentemente nas redes sociais. Na busca feita na casa de "Trutis" com autorização da ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), uma pistola estava municiada, pronta para o uso, e o fuzil ficava debaixo da cama onde o parlamentar dorme.
O inquérito da PF mostra que o material bélico está em nome de Ciro Fidelis, assessor direto de Trutis em Brasília e candidato a vereador em Campo Grande pelo PSL neste domingo, e também de Jovani Batista, amigo do deputado.
Diante do impeditivo do político para ser o efetivo responsável legal pelas armas, foi afirmado à polícia estar em curso processo de transferência do fuzil para a esposa do deputado, Raquelle Lisboa Alves.
Emprestar armas para uma pessoa não habilitada é, também, situação irregular, explicou a Corporação.
Preso sim - Embora Trutis negue aos quatro ventos das redes sociais, na quinta-feira (12) logo ao amanhecer, foi preso em flagrante por policiais federais, por causa da posse do fuzil T4. A detenção ocorreu durante cumprimento de mandado de busca e apreensão da "Operação Tracker" (rastreador em inglês), para investigar a suspeita de planejar “atentado fake”, anunciado com destaque no dia 16 de fevereiro deste ano.
"Trutis" acabou solto horas depois, quando até já havia vaga para ele reservada no Presídio Militar da saída para Três Lagoas. Foi beneficiado pela imunidade parlamentar e pela mudança na lei sobre posse ilegal de armamento feita no pacote anticrime do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, apoiado pelo parlamentar na Câmara Federal.
Em resumo, inicialmente a PF identificou o fuzil como arma de uso proibido, cuja posse é crime inafiançável. Depois acabou caracterizando como modelo de uso restrito, configurando ilícito penal passível de pagamento de fiança para concessão de liberdade, de acordo com as alterações feitas na legislação.
Aí entra o foro privilegiado, que o parlamentar diz não ter invocado.
Trutis foi liberado sem pagar nada porque na condição de legislador federal, só pode ser preso se o crime não comportar o arbitramento de fiança. O documento com esse entendimento foi assinado às 21 h de quinta-feira pelo delegado do caso, José Otacílio Dela Pacce Alves.
A confirmação de ter havido prisão, a guia de recolhimento do parlamentar ao sistema prisional e o relaxamento da ordem pela ministra Rosa Weber. Está tudo lá, no inquérito autorizado pelo STF. Agora, a Corte vai decidir os próximos andamentos com base nas conclusões da Polícia Federal sobre o atentado anunciado pelo parlamentar em fevereiro, versão desmanchada pelas apurações e perícias policiais.
Todos os fatos foram comunicados à Câmara Federal, que pode abrir processo por quebra de decoro parlamentar contra o deputado do PSL, eleito com 56 mil votos na onda bolsonarista em 2018.
Trutis não conversa com a imprensa local. Publicou dois vídeos na rede social dizendo não ter sido preso e negando irregularidades com as armas. Estrategicamente, não falou das provas levantadas indicando falsa comunicação de crime quanto ao ataque a tiros na rodovia que os policiais dizem nunca ter sido fato, nem revelou o motivo de não poder registrar armamento em seu nome.