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Capital

Ameaçada de morte, mulher cacique fala de medo e desinformação

Delegacia da Mulher esteve na comunidade para debater as violências sofridas pelas mulheres indígenas

Jhefferson Gamarra e Caroline Maldonado | 09/08/2023 14:36
Ação da Polícia Civil realizada na manhã desta quarta-feira na Aldeia Água Bonita (Foto: Divulgação/PCMS)
Ação da Polícia Civil realizada na manhã desta quarta-feira na Aldeia Água Bonita (Foto: Divulgação/PCMS)

Para debater as violências sofridas pelas mulheres indígenas e sensibilizá-las da importância da denúncia, a Deam (Delegacia de Atendimento à Mulher) promoveu, na manhã desta quarta-feira (9), ação na Aldeia Água Bonita, em Campo Grande, ambiente onde a violência machista é uma realidade e que a Lei Maria da Penha muitas vezes não é aplicada por falta de informações.

Mulheres indígenas sofrem as mesmas violências que as demais brasileiras, como a agressão, objetificação sexual e tem suas capacidades física e intelectual diminuídas em comparação às dos homens. Prova disso é que nem mesmo a mulher que possui o mais alto cargo dentro da comunidade foi poupada da violência e do machismo.

Cacica Alicinda Tibério, 41 anos, líder da Aldeia Água Bonita em Campo Grande (Foto: Caroline Maldonado)
Cacica Alicinda Tibério, 41 anos, líder da Aldeia Água Bonita em Campo Grande (Foto: Caroline Maldonado)

Segunda mulher da história a comandar a Aldeia Água Bonita, a 'cacica' Alicinda Tibério, 41 anos, relata a experiência pessoal de machismo e ameaças enfrentadas enquanto comandante da comunidade, situação essa que culminou na primeira ação realizada pela Delegacia da Mulher na aldeia.

Há 4 meses, a cacica, como gosta de ser chamada, registrou um boletim de ocorrência após ser ameaçada de morte por um homem que se apresentava como liderança na comunidade. “Prefiro ser chamada de cacica e não de cacique porque sou feminista, quando usamos esse termo ajuda nossa luta pelos direitos. Recentemente, fui ameaçada de morte, uma pessoa que se diz liderança da comunidade disse que ia passar com o carro por cima de mim em grupo do whats da comunidade, imediatamente salvei a mensagem e fui à delegacia”, conta.

A liderança, que também já sofreu violência física dentro de casa, revela que apesar do medo das consequências resolveu fazer a denúncia para “incentivar” outras mulheres da comunidade que às vezes, por falta de informação ou orientação, sofrem caladas.

“Tive medo, mas vi que não era o momento de ficar calada, então decidir denunciar. Não conhecemos o ser humano, até porque o homem é um animal que age sem pensar. A presença da delegacia da comunidade é muito boa porque serve para eles pensar mil vezes antes de tentar fazer alguma coisa”, disse a cacica, reforçando ainda que ações de informações semelhante precisam ser estendidas a todas as comunidades indígenas do Estado.

Assim como ocorre com a maioria das mulheres no contexto urbano, indígenas em situação de violência doméstica também não denunciam os casos por medo, vergonha, por temer represálias da família ou pela falta de condições financeiras para manter o lar na ausência do homem.

Atendente Carolaine Pires da Silva, 27 anos, revela as dificuldades enfrentadas pela mulheres vítima de violência nas aldeias (Foto: Caroline Maldonado)
Atendente Carolaine Pires da Silva, 27 anos, revela as dificuldades enfrentadas pela mulheres vítima de violência nas aldeias (Foto: Caroline Maldonado)

Mesmo sem nunca ter sofrido qualquer tipo de violência doméstica, a atendente Carolaine Pires da Silva, 27 anos, que vive com duas filhas pequenas, ressalta que o assunto é muito delicado na comunidade e que a morosidade e o distanciamento de politicas públicas em aldeias contribuem para o aumento da violência.

“É tudo muito delicado, porque quando a mulher é ameaçada e ela fica com medo. Elas até fazem o B.O., pedem medida protetiva, mas até chegar uma providencia aqui na aldeia o pior já aconteceu. Também faltam informações, pois a maioria das mulheres depois que se casam vivem para o lar, cuidando dos filhos e marido”, opinou a jovem.

Reforçando a necessidade de acolher todas as mulheres, independentemente de origem ou etnia, a delegada titular da Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), Elaine Benicasa, destacou a necessidade de ações voltadas às mulheres indígenas para conscientizar a todas sobre a importância de registrar as ocorrências e buscar assistência.

Delegada titular da DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), Elaine Benicasa, durante o evento (Foto: Divulgação/PCMS)
Delegada titular da DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), Elaine Benicasa, durante o evento (Foto: Divulgação/PCMS)

"As políticas públicas não fazem distinção de etnias, são para todas as mulheres, independentemente de sua origem. Qualquer mulher que se sinta vítima de violência deve buscar auxílio junto à rede de proteção da Deam. É fundamental compreender que todas as mulheres têm apoio e não estão sozinhas nesse processo. Para que as medidas planejadas pelo Estado e pelo município se concretizem, é fundamental que a mulher denuncie a ocorrência e busque assistência”, disse a delegada.

O evento promovido pela Setescc (Secretaria de Estado de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania), em colaboração com a Subsecretaria de Estado de Políticas Públicas para Mulheres e a Subsecretaria de Estado de Políticas Públicas para os Povos Originários, também incluiu a Funtrab (Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul), o Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena/MS), a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande) e a SDHU (Subsecretaria de Defesa dos Direitos Humanos de Campo Grande).

A ação disponibilizou uma série de serviços essenciais, como registro de boletim de ocorrência, palestras educativas sobre o enfrentamento à violência e a importância das mulheres fazerem a denúncia, inscrições para oportunidades no mercado de trabalho, emissão de carteira de trabalho, testes rápidos para HIV/Sífilis/Hepatite B e C, atividades voltadas à saúde mental, vacinação contra a gripe, serviços de corte de cabelo e assistência relacionada à promoção dos direitos sociais e de cidadania à população indígena.

Subsecretária de políticas públicas para as mulheres, Gisele Francelino (Foto: Caroline Maldonado)
Subsecretária de políticas públicas para as mulheres, Gisele Francelino (Foto: Caroline Maldonado)

A subsecretária de políticas públicas para as mulheres, Gisele Francelino, garantiu que todas as mulheres recebem o apoio necessário da assistência social após o registro da ocorrência para quebrar o ciclo de violência.

“Toda mulher sofre, mas as mulheres indígenas são mais difíceis de fazer a denúncia. Já vimos vários tipos de agressão e fiquei muito assustada quando comecei a me deparar com o que acontece nas comunidades. Ao fazer a denúncia, a gente questiona se ela depende do agressor, nesses casos elas são encaminhadas para a Funtrab e também passam a ter uma assistência social”, explicou.

Representando o município, a subsecretária dos Direitos Humanos, Thais Helena Vieira, alertou para a falta de dados concretos sobre a violência em aldeias para a promoção de politicas públicas. “Os índices têm aumentado, mas ainda não sabemos dizer se de fato tem aumentado a violência ou aumentado as denúncias. É muito difícil saber o que elas estão passando para que a gente consiga ajudá-las, por isso é necessário sempre o registro das ocorrências”, disse.

Assim como ocorreu na Água Bonita, a Deam seguirá com a ação na Aldeia Indígena Darcy Ribeiro, no Jardim Noroeste nesta quinta-feira (10) em dois períodos, das 9h às 12h e das 13h30 às 16h.

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