Juiz da ala "garantista" julga poderosos da Operação Omertà e Lama Asfáltica
Roberto Ferreira Filho segue a linha que leva à risca a Constituição, respeitando os direitos dos presos
Segunda-feira, 18h30, Fórum de Campo Grande. A reportagem encontra o titular da 1ª Vara Criminal, juiz Roberto Ferreira Filho, depois de uma tarde com 14 audiências e quatro sentenças.
No quesito números, a 1ª Vara Criminal tem 2.500 processos, média de 70 sentenças por mês e audiências marcadas até março de 2021, mas é pelo 1% das ações contra poderosos que o Roberto Ferreira Filho é notícia dia sim e dia também.
O acervo do juiz, conhecido pela fama de “garantista”, tem nove ações da Lama Asfáltica, operação que levou políticos e empresários para a cadeia e concentra três processos da operação Omertá, outra investigação policial contra grupo de extermínio.
Os processos que reúnem praticamente o “PIB” (Produto Interno Bruto) do Estado fizeram o juiz pedir reforço de pessoal para o TJ/MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).
A medida é porque processo de rico tem provas refinadas. Num caso comum, para julgar uma pessoa denunciada por roubo, por exemplo, ouvem-se testemunhas, policiais, réu e chega-se à sentença.
A prova de processo dos poderosos é diferenciada: é preciso mergulhar em interceptações telefônicas, quebras de sigilo bancário e nas declarações de Imposto de Renda.
Roberto Ferreira Filho falou com a reportagem numa sala pequena, ele prefere não ocupar o espaço destinado aos magistrados por calcular que três assessores precisam de mais espaço do que um juiz; num ambiente com imagens de diversos santos, em especial São Francisco de Assis, e um Che Guevara em madeira que visto de longe lembra Jesus; além de álbum de fotografias onde dormita o passado: já foi o Robertinho do PDT, vice-prefeito por oito meses de Paranavaí (Paraná).
“Só não tenho sorte para ganhar na Sena”
No conceito processos famosos, a 1ª Vara Criminal tem cerca de 20, que corresponde a 1% do acervo. Nesta seara entram as operações da polícia e do Ministério Público que desde o nascedouro aparecem na imprensa. Todas foram parar lá por questão de sorte. Ao todo, são sete varas criminais em Campo Grande e o processo é distribuído por sorteio.
“É por sorteio. Não é por escolha. Só não tenho sorte para ganhar na Sena”, diz o juiz. No braço estadual da Lama Asfáltica, operação da PF (Polícia Federal) contra a corrupção, a 1ª Vara ganhou a primeira ação no sorteio, depois passou também a receber as outras.
No ano passado, chegou a denúncia de lavagem de dinheiro por meio de pagamento de propina da JBS. A lista de 12 réus inclui políticos e empresários. O juiz até informou ao TJ que as demais ações versam sobre irregularidades em estradas, enquanto essa última é sobre benefícios fiscais. Mas a decisão foi de que essa ação penal também fique na 1ª Vara, considerando que o juiz conhece as nuances da operação.
Com grandes processos, incluindo o da operação Grãos de Ouro, com mais de 50 denunciados, sendo um deles com patrimônio de R$ 423 milhões, e 800 páginas só com a denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), ele pediu reforço de efetivo.
“Hoje, a gente tem uma carência de pessoal. No cartório, diretamente, tem duas pessoas. O tribunal tem o CPE, cartório bem grande que atende quase todas as Varas do Estado. Mas no cartório mesmo, com casos mais urgentes, só tenho dois funcionários. Na assessoria, são três pessoas comigo para todos os caso. Pedi reforço de pessoal, mais assessores ou até outro juiz para me auxiliar”.
Fora da lista dos famosos, aparecem os outros 99% processos que também demandam andamento e decisões, principalmente se o réu estiver preso. Neste caso, a ação tem prioridade.
“Tem processos mais simples, mais corriqueiros, mas para a pessoa que vai ser julgada é tão importante como qualquer outro desses. Ou seja, exige a mesma atenção, o mesmo cuidado. A maioria é dos processos mais comuns, do dia a dia, tráfico armas, questão de trânsito”, afirma o magistrado.
A dificuldade de tantos e volumosos processos se exemplifica na operação Pecúnia, realizada em 2016 que investigou o ex-prefeito Gilmar Olarte por lavagem de dinheiro. As duas ações da operação estão paradas, esperando a sentença do juiz.
“Ao longo de um mês, são 70 sentenças, sem falar de outras decisões, como receber denúncia, busca e apreensão. O volume nas áreas criminais é muito grande. Para sentença com essa complexidade, acaba tendo que paralisar as outras atividades. Mas não é o ideal”, afirma Ferreira Filho.
“O duro é quando falam o juiz é parceiro, vai quebrar nosso galho”
Por meio de sorteio, a 1ª Vara Criminal de Campo Grande recebeu a primeira ação do que se tornou, meses depois, a operação Omertá. O processo em questão é o do arsenal apreendido com então guarda municipal. Com a operação, no mês de setembro de 2019, processos por crime de organização criminosa e obstrução de Justiça ficaram com outras varas criminais.
A defesa de alguns réus foi ao TJ e conseguiu que os demais processos fiquem na 1ª Vara. A justificativa é de que o titular é o juiz prevento (o que primeiro tomou conhecimento do caso).
Nos bastidores, corre que os advogados preferem o juiz Roberto por ser garantista, ágil e equilibrado. Sobre a postura das defesas, o juiz avalia que a questão é de caráter técnico.
“Na verdade, não é que [a defesa] quer. Se você tem três processos que na sua opinião são interligados, é muito mais racional correr tudo num juízo só. Claro que conhecem o perfil do juiz, a celeridade ou não que vai ser dada, isso é natural, faz parte do jogo. Mas não é por ser aqui comigo. Poderia ser a segunda, a terceira, a quarta Vara. O que o juiz tem que ser é imparcial”, enfatiza.
A classificação de garantista é recebida com satisfação. “É o juiz que garante o direito da pessoa que está sendo processada. Não significa que ela vai ser absolvida, mas terá julgamento justo, seus argumentos serão ouvidos, provas nulas não serão consideradas e prisão só quando necessária. É bom chegar um dia que todos os juízes tenham esse conceito. O duro é quando falam o juiz é parceiro, vai quebrar nosso galho”.
Robertinho: o juiz que foi vice-prefeito por 8 meses
Magistrado há 19 anos, Roberto Fereira Filho vem de uma família ligada ao Direito - tem pai advogado e irmã juíza em Curitiba. Na hora de escolher a profissão, oscilou entre Direto, Jornalismo e Ciências Sociais, mas falou mais alto a vocação que veio de casa.
Advogado de sindicatos, ele foi presidente de partido político e aos 27 anos se tornou vice-prefeito de Paranavaí, sua terra natal. A carreira política durou oito meses. Sem querer ser politico profissional, prestou concursos em Mato Grosso do Sul, onde iniciou os estudos acadêmicos e tinha família.
A mudança de Estado foi também para cortar laços políticos. O magistrado se impõe um código de conduta, filtrando os locais aos quais comparece e pouca atividade nas redes sociais, com postagens restritas a temas como futebol e filosofia.
“São cuidados adquiridos ao longo dos anos e com autocrítica. O juiz não deve buscar popularidade. Tem decisões que são impopulares. Tem pessoas que se pudessem me queimavam na fogueira. O juiz tem que ser corajoso no sentido de muitas vezes desagradar a 99% da população, mas no caso concreto ter consciência de que fez Justiça”.