O que restou do patrimônio milionário do maior contrabandista do País?
Alcides Carlos Grejianim morreu em 2018, deixando alguns milhões, dívidas e fama criminal
“Ainda que apenas uma pequena parcela dos crimes que organizou e dirigiu tenha sido exitosamente apurada e, ao final, resultado em sentenças condenatórias, não resta dúvida que o crime foi sua fonte de riqueza e através dele grande parte, senão todo o seu patrimônio, foi construído.”
Alcides Carlos Grejianim, o “Polaco”, já foi considerado o maior contrabandista de cigarros do País, como demonstra a citação do juiz federal Sócrates Leão Vieira, em processo por crime de lavagem, que tramitou na Justiça Federal de Campo Grande.
Polaco fez a fama na região de fronteira, foi preso em pelo menos duas grandes operações policiais e, em consequência das investigações, teve vários bens confiscados pela Justiça, entre eles, de acordo com informações policiais anteriormente divulgadas, até uma fazenda avaliada em R$ 20 milhões. A defesa sempre negou envolvimento no crime e disse que ele arrendava terras no Paraguai.
Seis anos depois de sua morte, o conhecido patrimônio milionário a ele atribuído, embora ainda substancial, foi reduzido para R$ 9,910 milhões, permanecendo enredado sob a burocracia jurídica da partilha entre familiares, ao pagamento de despesas de manutenção dos bens e dívidas igualmente milionárias.
Alcides Grejianim morreu aos 58 anos, no dia 14 de agosto de 2018, em Umuarama (PR), por causas naturais. Foi sepultado no cemitério municipal de Eldorado, cidade onde construiu fama e fortuna, a 442 quilômetros de Campo Grande.
O inventário foi aberto na Vara Única de Eldorado no dia 20 de agosto de 2018, tendo como requerente a viúva, Rosely Morais Grejianim, e os filhos, Débora, Denis Marcelo e Ires Carlos Grejianim.
Nas primeiras declarações, em janeiro de 2019, foram listados como bens as fazendas Princesa do Apa, em Bela Vista, avaliada em R$ 2,450 milhões e Quarto de Milha, em Iguatemi, de R$ 4,080 milhões; os sítios São Carlo, em Eldorado, de R$ 150 mil, Nossa Senhora Aparecida, em R$ 280 mil, e três lotes urbanos, todos em Eldorado, avaliados em R$ 280 mil.
Também constam na lista dois caminhões Mercedes Benz, três reboques para barco, uma embarcação, uma moto, uma caminhonete Amarok e 1.247 cabeças de gado. Nesta fase, os bens chegavam a R$ 8.980.280,50.
O montante é ínfimo se comparado ao patrimônio rastreado na investigação policial e que culminou na Operação Alvorada Voraz, em 23 de novembro de 2011. Naquele período, o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) divulgou que investigava a atividade de Polaco desde 2010. Os mandados foram cumpridos em MS, PR e Brasília.
Por conta dessa apuração, ainda conforme noticiado na época, foram apreendidas cerca de 50 carretas carregadas de cigarros em MS, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná. O esquema envolveria policiais militares que facilitavam a passagem dos veículos por Porto Murtinho, Bela Vista, Jardim, Sidrolândia e Campo Grande, a rota do contrabando proveniente do Paraguai.
Reportagem do Campo Grande News noticiava que, em outra ação, pela Justiça Federal, Polaco teve seis fazendas sequestradas, uma delas avaliada em R$ 20 milhões. Em fevereiro de 2011, a Justiça arrecadou R$ 7 milhões com leilões de gado apreendido. Na fronteira, a JF ainda rastreou 11 fazendas e, nessa lista, propriedade de 2,5 mil hectares, orçada em R$ 25 milhões.
Contas - Ainda em janeiro de 2019, na tramitação do inventário, os familiares pediram que a Vara Única de Eldorado liberasse a venda de cabeças de gado para custear as despesas mensais nas propriedades rurais; os gastos com sal mineral, vacinas, remédios, veterinário, além do pagamento dos funcionários, chegava a R$ 16.007,76.
O pedido foi reiterado no mês seguinte, sob alegação de que havia muito gado na fazenda em Bela Vista, “sofrido com falta de chuva”, já que o “pasto não suporta a quantidade de animais”. Se a venda não fosse autorizada, que a Justiça concedesse a transferência de parte dos animais para outra propriedade.
O juiz Vinícius Aguilar Milani deferiu o pedido de transferência de 270 animais da Fazenda Princesa do Apa, em Bela Vista, e a alienação de 50% dos bezerros de 0 a 12 meses, sendo necessária a prestação de contas do saldo. A solicitação se repetiu em outras fases do inventário, sendo deferida judicialmente, também para o pagamento das contas.
Nesta fase, a partilha também lista dívidas: R$ 70 mil com cooperativa de crédito, sendo que foi dada como garantia a Amarok, avaliada em R$ 119,989 mil e R$ 3.721.568,48 em dívidas com a Receita Federal. A Fazenda Pública Estadual se manifestou, pedindo que os herdeiros providenciassem o recolhimento do ITCD (Imposto sobre Transmissão Custa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos), valor que não foi relacionado no processo.
Fôlego – Em setembro de 2019, advogados da família Grejianim pediram a inclusão no inventário de bens liberados pela Justiça Federal, depois que a sentença extinguiu a punibilidade de Ires Carlos e Denis Marcelo por crime de lavagem de dinheiro, em razão da prescrição punitiva, ou seja, quando o Estado perdeu o direito de punir o acusado, por conta de vencimento do prazo legal.
Com isso, em janeiro de 2020, o inventário incluiu outros bens, sendo três sítios em Eldorado, avaliados em R$ 850 mil e um lote urbano, na mesma cidade, com valor de R$ 80 mil, totalizando R$ 930 mil. Com isso, o valor de R$ 8.980.280,50 foi para R$ 9.910.280,80.
No mesmo ano, novas dívidas entram na conta ou são atualizadas, por ainda constarem em débito: R$ 17.927,94 por conta de ação na Vara do trabalho de Mundo Novo com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) e R$ 408.823,95 de hipoteca de imóvel rural.
Um pecuarista de Naviraí cobrou o pagamento de R$ 2.066.16,72 referente ao desfecho de ação sobre a negociação de uma fazenda em 2008, em que Alcides Grejianim comprou por R$ 3,5 milhões, mas não pagou a conta integralmente. O valor do débito em execução, até julho de 2020, era de R$ 2.066.163,72. A advogada que trabalhou na causa cobrou ainda honorários, de R$ 1,786 milhão que, corrigidos até janeiro de 2024, alcançavam R$ 5.300.694,39. Os débitos ultrapassam os R$ 11,585 milhões.
No decorrer do processo, os herdeiros afirmaram que a dívida com CNA foi paga, conforme comprovante anexado em junho de 2021.
Saldo – Em outubro de 2023, nova decisão da Justiça Federal, em outra ação por crime de lavagem de dinheiro beneficiou a família, por conta da extinção da punibilidade com a morte de Polaco. Os herdeiros, então, pedem que seja depositado 50% do saldo de R$ 16.050.961,07 diretamente para a viúva, ou seja, R$ 8.025.48201,53.
A Justiça negou o pedido, alegando que existem dívidas a serem pagas. Em janeiro de 2024, os advogados recorreram da decisão, alegando que há outros bens que garantem esse pagamento, além dos 50% remanescente. Alega que os herdeiros fizeram empréstimo bancário que está vencido e “correndo juros absurdos”, trazendo série de prejuízos. Por isso, pedem o levantamento da importância de R$ 3.043.201,50 para pagamento da conta.
No último dia 17 de abril, a juíza Larissa Ribeiro manteve a decisão e intimou o inventariante a demonstrar o pagamento da dívida trabalhista com a CNA e promover a prestação de contas.
Fato notório – O total estimado pode sofrer variação por conta da atualização dos valores dos imóveis, da venda de gado autorizada no decorrer dos anos, do pagamento de contas e uso de bens alienados para este fim, como foi o caso da citada Amarok, e da liberação de sequestro de bens ou de valores angariados com os leilões realizados pela Justiça Federal, e que ainda não foram listados no inventário. Também não leva em conta as propriedades que Polaco teria no Paraguai, conforme investigação anterior, e que não entram no processo no Brasil.
A avaliação judicial que abre a reportagem é de denúncia decorrente da Operação Contranicot, deflagrada no dia 21 de maio de 2007, em Goiás, que investigou o esquema de contrabando de cigarros paraguaios, “supostamente liderado por Alcides (...) um dos principais fornecedores de cigarros provenientes do Paraguai para o estado de Goiás”.
A denúncia lista a redução da movimentação financeira em contradição com o “forte crescimento patrimonial no mesmo período”. O juiz Sócrates Vieira avalia, com base na investigação, que as “habitualidades de Alcides Grejianim na prática de contrabando era fato notório e de conhecimento generalizado”.
Além de Polaco, os filhos Denis e Ires também foram denunciados. A defesa negou os crimes, alegando que eles foram absolvidos em outros processos com o mesmo teor de acusação. Também alegou que os rendimentos têm origem na exploração agrícola no Paraguai, com arrendamento de terras.
Na decisão, o magistrado diz que esse rendimento não foi comprovado. “(...) a procedência criminosa dos recursos utilizados por Alcides Grejianim para adquirir inúmeros bens é inequívoca, seu patrimônio cresceu paralelamente aos crimes de contrabando e descaminho que praticava em escala empresarial”.
A denúncia foi extinta para Alcides Grejinam, que já havia morrido quando a sentença foi dada, em 6 de maio de 2019. Os filhos chegaram a ser condenados em penas de 4 a 5 anos, em regime semiaberto, mas recorreram da decisão.
Em novembro de 2011, Polaco chegou a ser preso em Operação Alvorada Voraz, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), em Eldorado. Levado ao Presídio de Segurança Máxima de Campo Grande, foi liberado em março de 2012, após decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
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